terça-feira, 26 de março de 2013

REcapitulando: Bombeiro que deu o alvará à boate Kiss diz ter feito "tudo dentro das normas"


Tragédia em Santa Maria

Na época da abertura da casa, o então major Daniel da Silva Adriano considerou o local seguro


Bombeiro que deu o alvará à boate Kiss diz ter feito "tudo dentro das normas" Lauro Alves/Agencia RBS
Coronel da reserva garante que boate tinha plano de prevenção a incêndioFoto: Lauro Alves / Agencia RBS
A boate Kiss só foi aberta em 2010 porque o então major Daniel da Silva Adriano considerou o local seguro para o público. Mesmo sem um Plano de Prevenção e Combate a Incêndio — fato que ele nega —, o oficial assinou o alvará do Corpo de Bombeiros, permitindo que a casa noturna fosse autorizada a funcionar pela prefeitura. Conhecido na sociedade santa-mariense, Adriano, que chegou a ser chefe regional da Defesa Civil, agora é coronel da reserva.
Em entrevista ao Diário de Santa Maria e Zero Hora (veja abaixo) afirmou ter feito "tudo dentro das normas" ao assinar o alvará que chancela segurança na Kiss — palco da maior tragédia da história gaúcha, que vitimou, até agora, 237 jovens. Outros personagens, citados no fim desta página, ajudam a entender o papel de cada órgão e servidor na concessão do alvará de funcionamento da boate.
Em nenhum momento da conversa, que durou 21 minutos, o oficial alterou a voz. Alternou momentos de aparente boa memória com outros em que não soube precisar informações básicas sobre o alvará que assinou. Questionado sobre a ausência de um responsável técnico nos documentos que teriam subsidiado a concessão do alvará, foi enfático: "havia planta e havia um responsável técnico".
Além de chefiar a Seção de Prevenção de Incêndio do 4º CRB, Adriano assumiu, em algumas vezes, o comando regional dos bombeiros. Confira ao lado, trechos da entrevista.
*Colaboraram Caio Cigana e Juliana Bublitz

ENTREVISTA: Daniel da Silva Adriano, 47 anos coronel da reserva do Corpo de Bombeiros
O senhor analisou o Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) completo da boate Kiss em 2009 antes de emitir o alvará?
Daniel da Silva Adriano — Sim.
Se esse plano existe, onde ele está? Por que os bombeiros não o entregaram à Polícia Civil?
Adriano — Não sei. Estou afastado há mais de dois anos.
O senhor teme ser responsabilizado de alguma forma por ter assinado o primeiro alvará dos bombeiros para a boate?
Adriano — Não. Eu fiz tudo dentro das normas. Mas só posso discutir com alguém com o plano na frente porque não tenho memória fotográfica.
Havia algum responsável pelo plano?
Adriano — Sim. Isso sempre tem de ter.
O senhor lembra o nome?
Adriano — Não lembro.
Se não tivesse responsável técnico, o senhor não teria assinado o alvará?
Adriano — Claro que não.
Por que os bombeiros entregaram à polícia uma versão simplificada do PPCI?
Adriano — Não sei. Todos os PPCIs têm um número que fica nos bombeiros.
O senhor sabe se bombeiros costumam abrir empresas da área para assessorar empresários?
Adriano — É proibido por lei militar da ativa ter empresas comerciais. Não é proibido ter empresa quando está na reserva. Agora, se isso é antiético ou é ético, cada um que faça sua avaliação. No período em que estive frente à Seção de Prevenção de Incêndio nunca houve nenhum benefício para qualquer bombeiro, estando ele na ativa ou na reserva. Sequer chegou aos meus ouvidos.
Em 2009, a boate cumpria as exigências de segurança?
Adriano — Naquela época tinha toda a documentação e é certo que tinha todos os itens mínimos de segurança, como extintores, sinalização. A Kiss era aberta, simples, era uma boate para 691 pessoas. Não tinha chapelaria, área vip, grades, nada. Não tinha tratamento acústico. Não tinha como fazer saída de emergência. Mas sei que o prédio teve modificações internas.
Como o senhor acha que a boate conseguiu renovar os alvarás?
Adriano — A Kiss que eu aprovei não é essa Kiss que está aí. Essa de hoje não tem alvará. Essas reformas todas foram depois de agosto de 2011. Bombeiros não voltaram mais para ver isso.
Como o senhor encara esta situação?
Adriano — Nossa missão sempre foi preservação do patrimônio é da vida. Não é possível alguém querer acusar o Corpo de Bombeiros de negligência.


Sistema dribla regras da corporação
Criado para agilizar a emissão do Plano de Prevenção de Combate a Incêndio (PPCI) para locais de baixo risco, o sistema digital SIG-PI, adotado pelos Bombeiros, falhou no caso da boate Kiss, concluiu a comissão especial do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RS).
Por apresentarem maior risco, boates necessitam de um projeto completo elaborado por engenheiro ou arquiteto com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).
Para o Crea, a falha no sistema permitiu gerar um documento apresentado como plano de prevenção sem que fossem cumpridas todas as exigências legais.
— Não foi uma fatalidade, mas uma sucessão de erros que culminou com a morte de 237 jovens até agora — define o presidente do Crea, Luiz Capoani.
 O QUE É O SIG-PI
O Sistema Integrado de Gestão da Prevenção de Incêndio (SIG-PI) foi criado para agilizar alvarás de prevenção e proteção contra incêndios. É utilizado para imóveis considerados de baixo risco de incêndio e com área inferior a de 750 metros quadrados.
Onde é aceito
- No Interior. Em Porto Alegre é preciso um PPCI completo.
O que não fornece
- O sistema não especifica, por exemplo, a disposição de extintores, a localização das saídas de emergências e a sinalização de acordo com as características do imóvel. Não diz como fazer nem onde
O que está errado no caso da Kiss
- Embora tenha área inferior a 750 metros quadrados, o tipo de uso do local (boate) determina que precise de um PPCI completo, elaborado por engenheiro ou arquiteto com Anotação de Reponsabilidade Técnica (ART).
 O QUE É O PPCI?
- O Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) é obrigatório para prédios com instalações comerciais, industriais, de diversões públicas e edifícios residenciais. Realizado por uma empresa privada, o plano precisa ser aprovado pelos Bombeiros.
- Se o documento estiver em de acordo a legislação, é emitido o certificado de conformidade. Após as instalações concluídas, o proprietário chama os bombeiros para inspeção e teste. Se estiver ok, recebe o alvará, que deve ser atualizado uma vez por ano. Ao que tudo indica, o alvará da Kiss foi aprovado sem que um plano de prevenção fosse apresentado.
 O QUE CONSTA NUM PPCI
Contempla informações detalhadas sobre medidas de segurança e prevenção tais como:
Saídas de emergência
- Análise da necessidade da existência de portas de emergência e o número de pessoas, com que dimensões e onde devem estar localizadas.
Iluminação de emergência
- Localização das luzes de emergência e indicar as rotas de saída, que tipo de sinalização é adequada e um sistema de alimentação de energia independente da rede principal.
Extintores
- Quantidade e tipo de extintores, capacidade e onde serão colocados.
Alarmes
- Análise da necessidade de alarme de incêndio.
Hidráulica de combate a incêndio
- Verificação da necessidade de sprinklers (chuveiros automáticos contra incêndio) e hidrantes.
Materiais adequados
- Verificação dos tipos de materiais utilizados.
 O álvara e seus personagens
Donos da Kiss — Mauro Hoffmann, 47 anos, e Elissandro Spohr, o Kiko, 29 anos, são suspeitos de manter a boate em funcionamento sem saídas de incêndio adequadas, com extintores vazios, iluminação de emergência deficiente e superlotação. Eles apresentaram um suposto Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) sem responsável técnico, colocando em risco a vida dos frequentadores.
Major Adriano — Em 28 de agosto de 2009, o então major Daniel da Silva Adriano, na época chefe da Seção de Prevenção a Incêndio (SPI) do Corpo de Bombeiros, assinou o primeiro alvará de prevenção e proteção contra incêndio da boate Kiss, válido por um ano. No documento, consta que o estabelecimento "foi inspecionado e aprovado, de acordo com a legislação vigente". Hoje Adriano é coronel da reserva.
Marcus Vinicius Biermann — Como chefe da equipe de Fiscalização de Imobiliário e Mobiliário da Secretaria de Finanças de Santa Maria, foi quem assinou o alvará de localização concedido à boate Kiss pela prefeitura. O documento é uma espécie de certidão de nascimento e de operação do empreendimento e estabelece 14 de abril de 2010 como data de início das atividades da casa noturna. Biermann estaria agora na Gerência Municipal de Trânsito, mas não foi localizado. Segundo informações da prefeitura, está em férias.
Capitão Camillo — Em 11 de agosto de 2011, o alvará de prevenção e proteção contra incêndio da Kiss foi renovado por mais um ano. Quem assinou o documento na ocasião foi o capitão Alex da Rocha Camillo, então chefe da SPI. Mais uma vez, ficou registrado que o local "foi inspecionado e aprovado, de acordo com a legislação vigente". Em janeiro deste ano, Camillo trabalhou na Operação Golfinho, em Xangri-lá.
Coronel Guido — Comandante-geral do Corpo de Bombeiros, o coronel Guido Pedroso Melo é o chefe de Camillo e de Adriano. Em última instância, é responsável pelos atos de seus subordinados. Tem mais de 30 anos de carreira na corporação. Desde domingo, Zero Hora tenta contato com o coronel, mas ele se nega a falar sobre o caso.
Antonio Carlos Freitas Vale de Lemos — Era o secretário de Finanças de Santa Maria quando o então chefe da Equipe de Fiscalização Marcus Vinicius Biermann, um de seus subordinados, assinou o alvará de localização da Kiss. Lemos diz que a liberação não passava por ele. Hoje, é secretário de Gestão da prefeitura.
Empresa Hidramix — Investigada pelo Ministério Público desde 2011, a empresa executou reparos na área de prevenção a incêndio da boate Kiss. Entre seus sócios, está o bombeiro Roberto Flavio da Silveira e Souza. A Hidramix também é investigada pela Polícia Civil.

Clique na imagem e confira o perfil das 237 vítimas
Como aconteceu
O incêndio na boate Kiss, no centro de Santa Maria, começou entre 2h e 3h da madrugada de domingo, quando a banda Gurizada Fandangueira, uma das atrações da noite, teria usado efeitos pirotécnicos durante a apresentação. O fogo teria iniciado na espuma do isolamento acústico, no teto da casa noturna. 

Sem conseguir sair do estabelecimento, pelo menos 237 jovens morreram e outros 100 ficaram feridos. Sobreviventes dizem que seguranças pediram comanda para liberar a saída, e portas teriam sido bloqueadas por alguns minutos por funcionários.

A tragédia, que teve repercussão internacional, é considerada a maior da história do Rio Grande do Sul e o maior número de mortos nos últimos 50 anos no Brasil. 

Em gráfico, entenda os eventos que originaram o fogo:

Veja também
Confira imagens do local onde aconteceu a tragédiaVeja como foi o velório das vítimas
Nove pontos que devem permear as investigações sobre incêndio

A boate
Localizada na Rua Andradas, no centro da cidade de Santa Maria, a boate Kiss costumava sediar festas e shows para o público universitário da região. A casa noturna é distribuída em três ambientes - além da área principal, onde ficava o palco, tinha uma pista de dança e uma área vip. De acordo com a Polícia Civil, a danceteria estava com oplano de prevenção de incêndios vencido desde agosto de 2012.

Clique na imagem abaixo para ver o antes e o depois da danceteria:


A festa
Chamada de "Agromerados", a festa voltada para estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) começou às 23h de sábado. O evento era de acadêmicos dos cursos de Agronomia, Medicina Veterinária, Tecnologia de Alimentos, Zootecnia, Tecnologia em Agronegócio e Pedagogia.

Segundo informações do site da casa noturna, os ingressos custavam R$ 15 e as atrações eram as bandas "Gurizadas Fandangueira", "Pimenta e seus Comparsas", além dos DJs Bolinha, Sandro Cidade e Juliano Paim.
by Zero Hora

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