Espelho de um Estado negligente e uma sociedade que julgam
antes de esclarecer
by Deise Brandão
Em dezembro de 2024, um caso trágico e de forte apelo emocional tomou conta do noticiário gaúcho e nacional. Três pessoas mortas e outras três internadas após consumirem um bolo supostamente envenenado com arsênio, servido durante um encontro familiar no litoral do Rio Grande do Sul. A tragédia gerou uma comoção instantânea. No centro da acusação, sem qualquer denúncia formal, foi colocada Deise Moura dos Anjos — a nora.
A mídia não hesitou: estampou seu rosto, especulou suas motivações e a julgou como culpada antes que qualquer processo fosse instaurado. Em fevereiro de 2025, Deise foi encontrada morta na prisão. O Estado, sem autocrítica, fechou o caso com a mesma agilidade com que o abriu: sem ouvir outras versões, sem considerar hipóteses alternativas, sem responder pelas falhas de um sistema que age mais para confirmar certezas do que para buscar a verdade.
Mas Deise não era ré. Não havia denúncia. Não houve defesa. Sua prisão foi preventiva, decretada com base em laudos e suposições — como as buscas em seu celular por “arsênio” e “cremação”. Ora, quem nunca pesquisou algo mórbido, um caso criminal famoso, ou uma teoria conspiratória? Em um Estado Democrático de Direito, ninguém pode ser considerado culpado por pesquisar.
Mais grave ainda: há indícios fortes de que a sogra, sobrevivente de dois episódios de envenenamento, tenha sido quem preparou os alimentos, e ainda assim foi tratada apenas como vítima. Ela serviu o bolo; ela sobreviveu; ela se beneficiou patrimonialmente das mortes. Ainda assim, não foi investigada como autora potencial. Um erro? Um viés? Ou a simples conveniência de ter já uma “culpada ideal”?
Este artigo busca resgatar não só os questionamentos ignorados pela investigação e pela imprensa, mas também lançar luz sobre as falhas jurídicas cometidas neste processo. Porque quando se prende sem denúncia, se investiga com foco único, e se fecha um caso com a morte da suspeita, não houve justiça. Houve silenciamento.
Visa analisar, sob perspectiva jurídica crítica, os vícios processuais e constitucionais presentes na investigação que resultou na prisão e morte de Deise Moura dos Anjos, sem que houvesse qualquer acusação formal contra ela. A análise parte dos princípios constitucionais da presunção de inocência, devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
PONTOS CRÍTICOS E IRREGULARIDADES IDENTIFICADAS
Não havia denúncia ou processo instaurado. A mídia e a polícia violaram o art. 5º, LVII da CF/88, que garante que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em
julgado de sentença penal condenatória.
- Prisão preventiva desproporcional
julgado de sentença penal condenatória.
- Prisão preventiva desproporcional
A custódia foi decretada sem base concreta nos critérios do art. 312 do CPP. Não houve demonstração de risco real à ordem pública ou à instrução processual.
- Falecimento sob custódia do Estado
- Falecimento sob custódia do Estado
A morte de Deise impõe responsabilidade civil objetiva ao Estado, nos termos do art. 37, §6º da CF/88. Houve negligência evidente na preservação da integridade física e psíquica da custodiada.
- Investigação parcial
Houve negligência da polícia civil ao não aprofundar a possibilidade de que a sogra, Zeli dos Anjos — sobrevivente de dois episódios de envenenamento, beneficiária direta da
morte do marido e da nora, e responsável pela preparação dos alimentos — pudesse figurar como investigada.
- Tratamento condenatório da mídia
A exposição pública de Deise, com julgamento moral antes da formalização de qualquer processo, constitui violação ao direito à imagem e à presunção de inocência.
- Ausência de contraditório
A morte de Deise impediu qualquer resposta técnica por parte da defesa. A investigação foi unilateral, desprovida de contraditório e sem possibilidade de contraprova.
- Fragilidade pericial e ausência de cadeia de custódia clara
A associação entre o envenenamento e alimentos levados por Deise carece de robustez
técnica, sem a exclusão de outras ontes de contaminação.
Conclusão parcial da autoridade policial
O relatório final da polícia, divulgado amplamente após a morte de Deise, apresenta conclusões definitivas sem o devido processo legal. Isso caracteriza um abuso investigativo e viola os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. A custódia foi decretada sem base concreta nos critérios do art. 312 do CPP. Não houve demonstração de risco real à ordem pública ou à instrução processual.
CONCLUSÃO
A tragédia que envolveu a família dos Anjos não deveria ter sido acompanhada de outra: a supressão do direito fundamental de defesa de Deise Moura dos Anjos. O Estado falhou em sua função essencial de investigar com isenção, e a Justiça não foi prestada. A morte da suspeita encerrou o caso formalmente, mas não apagou os vícios, nem redimiu o sistema que a abandonou.
Fontes Consultadas
• CNN Brasil - https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sul/rs/
• GZH - https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/
•Wikipédia- https://pt.wikipedia.org/wiki/Envenenamento_da_fam%C3%A
Dlia_dos_Anjos
• CartaCapital - https://www.cartacapital.com.br/
• Correio do Povo - https://www.correiodopovo.com.br/
• STJ - http://www.stj.jus.br/
• CNMP - https://www.cnmp.mp.br/
• Constituição Federal - http://www.planalto.gov.br/
• Código de Processo Penal - http://www.planalto.gov.br/