segunda-feira, 16 de junho de 2014

O Futuro da Comida: o milagre dos peixes

17 de junho de 2014

Hoje o mundo produz mais carne de animais marinhos do que de boi – e isso é só o começo

por Joel K. Bourne, Jr.

Em um armazém escuro e úmido aos pés da cordilheira Blue Ridge, no estado americano da Virgínia, Bill Martin vira o balde cheio num tanque de concreto. Tilápias-do-nilo, de 20 centímetros cada uma, vêm à superfície. Martin, o presidente da Blue Ridge, uma das maiores empresas de criação de peixes em cativeiro, sorri diante desse frenesi alimentar.
“Esse é o verdadeiro saint peter, o peixe com que Jesus alimentou a multidão”, diz ele, a voz ressoando estridente como a de um pregador. Diferentemente de Jesus, porém, Martin não distribui de graça o seu peixe. Todo dia, ele vende 5 toneladas de tilápias vivas para mercados em diversas cidades no arco entre Washington e Toronto e já planeja a instalação de outra fazenda de criação na Costa Oeste. “O modelo aqui é o da criação de aves”, diz ele. “A única diferença é que os nossos peixes são felizes.”
“Como você sabe disso?”, pergunto, notando que o tapete de tilápias no tanque parece espesso o suficiente para que são Pedro caminhe sobre ele. “Quando não estão felizes, elas morrem”, diz Martin. “E nunca perdi um tanque de peixes.”
Essa instalação industrial na região dos Apalaches talvez pareça um lugar curioso para criar milhões de peixes nativos do rio Nilo. Mas essas fazendas de escala industrial vêm surgindo por todos os lados. O setor da aquicultura multiplicou-se 14 vezes desde 1980. Em 2012, a produção global alcançou mais de 66 milhões de toneladas – ultrapassou pela primeira vez a produção de carne bovina. Tal volume constitui quase metade de todos os peixes e frutos do mar consumidos na Terra. Com o crescimento demográfico e da renda, e a reputação que os produtos marinhos têm de serem bons para a saúde do coração, estima-se o aumento da demanda em 35% ou mais nos próximos 20 anos. Uma vez que a captura global de peixes silvestres está estagnada, os especialistas dizem que, na prática, entramos na era do cultivo em cativeiro.
“Não há como obtermos todas as proteínas de que necessitamos só com a pesca em condições naturais”, diz Rosamond Naylor, especialista em política alimentar da Universidade Stanford. “O problema é que muita gente teme que se cometam nos oceanos os mesmos erros da produção industrial de carne. Por isso, é grande o empenho para fazer as coisas certas desde o início.”
Por ora, sobram motivos de preocupação.
A NOVA “REVOLUÇÃO AZUL”, visível nas embalagens de camarão, salmão e saint peter nos congeladores dos supermercados a preços acessíveis, também trouxe as mazelas do agronegócio: destruição de hábitats, poluição e ameaças à segurança alimentar. No decorrer da década de 1980, vastos trechos de manguezais nos trópicos foram alterados para a instalação de fazendas hoje responsáveis por uma parcela considerável da produção mundial de camarões. A poluição resultante da aquicultura – um coquetel pútrido de nitrogênio, fósforo e resquícios de peixes – tornou-se uma ameaça generalizada na Ásia, onde se localizam 90% dos criatórios de peixes. Para manter vivos os peixes nos tanques apinhados, alguns criadores asiáticos recorrem a antibióticos e pesticidas, cujo emprego está proibido nos Estados Unidos, na Europa e no Japão.
NG - Gaiolas de peixes em formato de losango são retiradas da água para a limpeza na fazenda de criação Ocean Blue
Gaiolas de peixes em formato de losango são retiradas da água para a limpeza na fazenda de criação Ocean Blue, a maior do mundo em mar aberto e instalada a 13 quilômetros da costa do Panamá. No alto, os mergulhadores bombeiam ar comprimido nas colunas centrais ocas para erguer as gaiolas. As fazendas em mar aberto são uma nova fronteira na produção de alimentos - Foto: Brian Skerry
Nas últimas três décadas, produtores instalaram incontáveis cercados com salmão-do-atlântico em fiordes desde a costa da Noruega até a da Patagônia – e tais áreas, até então intocadas, viraram focos de parasitas, poluição e enfermidades. Em 2012, as fazendas de salmão na Escócia perderam quase um décimo dos espécimes devido a uma infecção amébica das guelras. No Chile, anemias infecciosas mataram salmões no valor estimado de 2 bilhões de dólares desde 2007. Em 2011, uma epidemia acabou com todo o setor produtivo de camarões em Moçambique.
O problema não está na antiga arte da aquicultura, e sim em sua difusão acelerada. Os lavradores chineses criam carpas nos arrozais há pelo menos 2,5 mil anos. Porém, com a produção desse país totalizando 42 milhões de toneladas por ano, criadouros de peixes podem ser vistos em muitos rios, lagos e trechos do litoral. Os agricultores lotam as lagoas com espécies de crescimento rápido e usam ração concentrada de peixe para maximizar o crescimento dos estoques. “Fui muito influenciado pela revolução verde na produção de cereais e arroz”, comenta o geneticista chinês Li Sifa. Li é conhecido como o “pai da tilápia” por ter aperfeiçoado uma variedade de rápido crescimento – a China produz 1,5 milhão de toneladas por ano, quase tudo para exportação. “As boas sementes são cruciais”, diz Li. “Uma variedade satisfatória pode ser a base de um setor vigoroso e alimentar mais gente.”
Como alcançar tal objetivo sem propagar doenças e poluição? Para o criador de tilápias Bill Martin, a solução é óbvia: criar os peixes em tanques em terra firme, e não em cercados nos lagos ou no mar. “Nos cercados, não há como evitar as doenças e as mortes. Não dá para comparar isso com um ambiente 100% controlado, de impacto quase nulo sobre os oceanos”, comenta Martin.
A fazenda de peixes de Martin, contudo, não deixa em paz a terra e o ar, além do fato de sua manutenção não ser barata. Para manter vivos os peixes, ele teve de instalar um sistema de tratamento de água tão grande quanto o necessário para atender uma cidade de pequeno porte – a eletricidade para fazer funcionar tudo isso vem da queima do carvão. Martin recicla 85% da água nos tanques, e o restante – com alto teor de amônia e excrementos – segue para a unidade local de tratamento de esgoto, ao passo que os dejetos sólidos mais volumosos são levados para um aterro sanitário. Para repor a água perdida, ele retira mais de 1 milhão de litros diários de um aquífero. O objetivo de Martin é reciclar 99% da água e gerar a sua própria eletricidade ao aproveitar o metano liberado pelos dejetos.
Mas ainda que Martin esteja convencido de que os sistemas de reúso de água sejam o futuro, por enquanto apenas algumas empresas estão produzindo peixes – incluindo salmão, bijupirá e truta – em tanques em terra firme.
by viajeaqui.

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