quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
Outro lado – mas só um?
Ouvir o outro lado é um avanço – mas que coisa pequena! O sujeito é acusado de ter matado a mulher e a sogra, de ter botado fogo na casa onde mora, de ter deixado o cachorro de estimação amarrado para morrer no incêndio. É ouvido e informa que não é casado, nem tem namorada – nem sogra, portanto. Não mora numa casa, mas num apartamento, onde aliás está sendo entrevistado (por telefone, claro, pois hoje ninguém gosta muito de sair da confortável redação para ir a lugares onde vai se misturar com gente do povo, nesse calor horroroso). Detesta cachorros, jamais teve um, e não poderia portanto colocá-lo no fogo. A matéria sai com todas as loucuras e, à guisa de “outro lado”, diz que Fulano nega as acusações.
Mas, mesmo que a coisa fosse bem feita, a verdade não tem apenas dois lados. A verdade é multifacetada, frequentemente não comporta o “sim” e o “não”. O caso mais interessante é o da extinção inexorável do rio São Francisco. Apenas como esclarecimento, este colunista não entende nada de rios e não tem condições de ser favorável ou contrário à transposição das águas do São Francisco.
Pois um grande jornal informou que o rio será extinto, ponto final. Base da informação: um biólogo – um único biólogo. Algum especialista em águas? Não. Outro biólogo? Não. Algum gráfico sobre a evolução do volume das águas num período amplo? Não. O biólogo pelo menos explica por que é impossível reverter a inexorável extinção do rio? Não. Algum exemplo de outro rio que tenha sido extinto? Não. E o outro lado? É o governo, dizendo que o rio não está sendo extinto, não. Por quê? Porque não, uai!
Há alguns anos, o então senador Antonio Carlos Magalhães, contrário á transposição, disse numa entrevista que o rio estava doente, com o recebimento de águas diminuído em virtude da redução das matas ciliares, não apenas dele como de seus afluentes, assoreamento não cuidado, desperdício da água existente com técnicas primitivas de irrigação. A entrevista do senador, curtinha, foi mais informativa que a página inteira de previsão do futuro. E ACM podia ser tudo, mas com certeza não era especialista em rios. Apenas acompanhava seus problemas.
by Observatório de Imprensa
Os culpados de sempre
Houve época em que os reis mandavam matar os mensageiros que lhes traziam más notícias. Os fatos desagradáveis, claro, não melhoravam nem um pouco com a morte dos portadores da informação. Não faz mal: o hábito se mantém até hoje. Até nos pontos mais civilizados do país: só que, nestes, embora não haja ordem de matar fisicamente os mensageiros, há a tentativa coordenada de matá-los profissionalmente, tentando desgastar sua credibilidade. Claro que os apagões continuam, apesar de tudo que se fala mal de quem publica as notícias; e continuam também os riscos de descontrole da inflação, o PIB que não cresce, a falta de competitividade da indústria. Não faz mal: basta botar a culpa na zelite, na imprensa golpista, nozianque, na subserviência da imprensa a quem anuncia.
Verdade? Não (e o jornalista Eugênio Bucci, que trabalhou com o presidente Lula, gosta do presidente Lula, mas gosta ainda mais dos fatos como ele são, desmonta essa besteirada toda num belíssimo artigo para a revista Época, muito bem embasado, com números mostrando onde estão os erros desse tipo de análise).
Quem leu esta nota até aqui pensa num texto antipetista. Mas não é: o líder tucano José Serra cansou de brigar com jornalistas que faziam perguntas de que não gostava, alegando que tinham “pautas petistas”. E se tivessem? Uma dos dogmas do jornalismo é que não há perguntas inconvenientes. O que pode ser inconveniente é a resposta. Basta responder às perguntas com precisão, sem irritação, mostrando o que está errado, ou distorcido, nelas. É uma capacidade que um político sempre deve ter; ainda mais quando já exerceu cargos legislativos e executivos e disputou várias campanhas eleitorais.
O ex-presidente Lula vive se queixando, a presidente Dilma chega a exigir dos repórteres que a entrevistam que só perguntem o que ela quer. O caso petista tem uma curiosidade: o jornalismo chapa-branca defende o tal “controle social da imprensa” que, garantem, não é censura, é apenas dispor de mecanismos para evitar que poucos grupos dominem a área de comunicação. Uma das coisas censuráveis, para eles, é a propriedade cruzada dos meios de comunicação (este colunista, a propósito, também é contra, embora a internet e a convergência digital estejam tornando esse objetivo cada vez mais difícil).
Mas a TVT, ligadíssima ao Partido dos Trabalhadores, já têm uma série de emissoras de rádio e TV, jornais, revistas – exatamente aquilo que é condenável, segundo os profetas do “controle social da mídia”.
Como dizia Millôr Fernandes, “democracia é quando eu mando em você, e ditadura é quando você manda em mim”.
by blog observatorio de imprensa
As leis, ora as leis
Sabe-se hoje que partes da Constituição foram enxertadas sem que a Constituinte as aprovasse. A confissão foi feita há algum tempo por Nelson Jobim, autor dos enxertos. Sabe-se hoje que boa parte da Constituição não pode ser aplicada corretamente porque o Congresso Nacional não cuidou de regulamentar o que precisa ser regulamentado. E não é por falta de tempo: para campanhas eleitorais, festas juninas, Carnaval, reuniões de desagravo a criminosos condenados, recesso parlamentar de julho, recesso parlamentar de dezembro, segundas e sextas enforcadas (e as terças já esquecidas), para isso não falta tempo. Agora, iniciamos o ano sem orçamento federal. No lugar, até que o Congresso retorne de suas férias, vai um quebra-galho, um remendo para evitar mais problemas.
O Supremo foi criticadíssimo por exigir que o Congresso cumprisse a lei, analisando os vetos presidenciais pela ordem cronológica. Com isso, inviabilizou-se a tentativa de derrubar o veto da presidente Dilma Rousseff a determinados trechos da lei de distribuição de royalties de petróleo: havia três mil vetos a examinar na frente desse. O presidente do Senado, José Sarney, propôs que os vetos fossem apreciados de baciada, todos de uma vez; mas até no Congresso ficou evidente que isso seria ridículo (e provavelmente cairia nos tribunais).
O Supremo Tribunal Federal, a propósito, também não está isento de culpa: os ministros pedem vista de um processo por determinado número de dias e o devolvem quando querem – até anos depois.
Cheguemos ao nosso tema: os meios de comunicação, aparentemente, acham que esses problemas não são com eles. Ninguém verifica no Supremo se algum processo está emperrado porque alguém está demorando para devolvê-lo, nem verifica no Congresso por que um determinado veto está esquecido, ou pergunta a líderes parlamentares qual o empecilho para que regulamentem artigos da Constituição – que, recorde-se, foi promulgada há 24 anos, tempo suficiente para deixá-la sem qualquer buraco.
O mestre Alberto Dines lembra, neste Observatório, que todos os grandes veículos de comunicação têm repórteres no Congresso, mas repórteres que não fazem a cobertura das atividades cotidianas dos parlamentares. Nem sempre foi assim: quando este colunista foi escalado para cobrir a Assembleia Legislativa de São Paulo, tinha como missão fazer o mesmo que os repórteres congressuais de hoje, acompanhar negociações, tendências, articulações, buscar notícias políticas. Mas havia um repórter – o grande Ricardo Sérgio Mendes, uma fera, mais versado no regimento da Assembleia que qualquer deputado – que fazia uma impecável cobertura do cotidiano. Uma cobertura que incluía, entre outras coisas, a leitura do Diário Oficial, a pesquisa daqueles projetos de lei que incluem, no inciso 7º do parágrafo 4º do artigo 2º da Lei nº 0000000/00, a expressão “não”. É aí que estão as mutretas, e era também aí que o Ricardão acompanhava o andamento do dia a dia legislativo. Como em qualquer assembleia, naquela havia alguns bandidos; e os projetos desses senhores eram examinados com muito carinho.
Custa um pouco mais caro. Mas, se o jornalismo existe para fornecer informação, tem de atender a quem quer informação. Ou limitar-se a discutir fofocas e a insinuar quem dorme com quem.
by blog Observario de Imprensa
A Presidente e os Jornalistas
Brasileiro é tão bonzinho
Uma raríssima entrevista coletiva da presidente Dilma Rousseff, num café da manhã com jornalistas. Primeira pergunta: assunto, teto do Fundo de Garantia. Resposta da presidente: “Ah, essa não! Vamos tentar outro assunto”. Segunda pergunta: assunto, aumento da gasolina. A presidente também não gostou. E resolveu o problema das perguntas que não estavam a seu gosto: “Eu mesma começo. Queria falar, neste final de ano (...)”
Imagine uma entrevista assim na Casa Branca. O mundo cairia. Imagine uma entrevista assim no Iraque – onde o repórter Montazer Al Zaidi jogou um sapato no presidente americano George Bush. Imagine uma entrevista assim em Londres, onde o duelo entre autoridades e repórteres é duríssimo. Aqui passou na boa – e, não fosse uma nota publicada fora do corpo da reportagem, num único jornal, o público poderia pensar que os repórteres perguntaram o que quiseram e a presidente da República respondeu às perguntas por eles formuladas.
Brasileiro é tão bonzinho! Não apenas repórteres de elite, escolhidos pelas redações mais importantes para cobrir o Palácio do Planalto, aceitam que o entrevistado lhes determine o que podem ou não perguntar, como este fato é deixado de fora da matéria, como se fosse irrelevante. Sua Excelência, o Consumidor de Informação, é tratado como cidadão de segunda classe: pensa que está tomando conhecimento de uma entrevista, sem saber que só as perguntas aprovadas pelo entrevistado entram na matéria.
No início da ditadura militar, quando o presidente da República, marechal Castello Branco, começou a falar em leis de imprensa (que, como hoje, eram muito mais leis de cerceamento de liberdade de expressão do que qualquer outra coisa), a grande desenhista Hilde Weber, no Jornal da Tarde, publicou uma série de charges sobre o tipo de imprensa que o marechal queria. Lembrança necessária: Castello Branco era feio de doer e sua cabeça saía direto dos ombros, dispensando o pescoço. Em várias charges demolidoras, surgiam as manchetes de que o governo militar gostaria. Por exemplo, “Castello é bonito”; “Presidente é bom de bola”, “Moda francesa quer copiar as gravatas de Castello”.
Com censura e tudo, referindo-se a uma frase clássica do ex-presidente Ernesto Geisel, de que o Brasil vivia uma “democracia relativa”, o repórter João Russo perguntou ao todo-poderoso ministro Delfim Netto se a taxa de inflação que ele apontava (e que, com base em informações do Banco Mundial, o correspondente Paulo Francis desmentia) era absoluta ou relativa. Delfim não gostou, respondeu duro, e a entrevista continuou fluindo. Num programa de entrevistas, o professor João Manuel Cardoso de Mello (hoje na Facamp, em Campinas), protagonizou um memorável duelo com Delfim Netto, perguntando o que queria e ouvindo as respostas do ministro, por sinal um excelente debatedor.
Uma repórter da Rede Bandeirantes, Ana Aragão, perguntou ao ditador de plantão, general João Figueiredo, por que ele, como havia dito, preferia o cheiro de cavalo ao cheiro do povo. Figueiredo não respondeu, mas a ausência de resposta foi o ponto principal da reportagem.
E isso na ditadura. Hoje, por que tanta mansidão dos meios de comunicação diante do poder?
by Carlos Brickmann
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