Aqui são analisadas de forma sucinta, objetiva e pragmática, as 390 páginas das alegações finais apresentadas pelo procurador-geral no processo do mensalão
1. Os tuiuiús que habitam o Pantanal são aves inofensivas. Já os tuiuiús que controlam a cúpula do Ministério Público Federal (MPF), dependendo da situação, podem ser inofensivos ou “sanguinolentos” (sobre a origem dos tuiuiús vide no final deste artigo*).
2. São vários os exemplos que confirmam o comportamento dúbio dos tuiuiús controladores do MPF. Citarei apenas alguns exemplos reais. Um procurador solicitou vantagens financeiras a diversas empresas. Para praticar essa conduta, que é capitulada no artigo 317 do Código Penal como corrupção passiva, ele utilizou, além do prestígio do cargo (enviava até curriculum), uma estagiária, telefones, computadores, papéis e outros materiais da Procuradoria. O caso tem oito anos, e até hoje ele não foi levado a responder pelos seus atos perante o Poder Judiciário.
3. Coincidência ou não, esse procurador vivia na mídia falando de processos que ele e outro procurador promoviam contra integrantes do governo FHC. Ambos recolheram-se no governo Lula.
4. Coincidência ou não, o processo acusatório do mensalão do PT é uma falácia. É história para boi dormir. Mais adiante falarei sobre o engodo que é esse processo.
5. Coincidência ou não, procuradores que efetivamente (e não apenas por faz de conta) investigaram ou processaram correligionários do partido da situação ou, de alguma forma, contrariaram interesses do governo petista, foram perseguidos. Roberto Santoro, ex-subprocurador-geral da República, um dos mais atuantes membros do MPF, tentou investigar o então chefe da Casa Civil José Dirceu, antes de vir a público o escândalo do mensalão. Santoro foi perseguido com raivosos procedimentos disciplinares na Corregedoria-Geral do MPF, comandada pelo tuiuiú Wagner Gonçalves que ingressou na função de corregedor, após os tuiuiús extinguirem -sem amparo legal - o mandato do então corregedor Edinaldo de Holanda Borges.
6. Coincidência ou não, fui responsável pela primeira cassação do mandato de um parlamentar federal do PT em pleno governo Lula. Sofri quatro anos de intensa perseguição por acusações falaciosas e ridículas (eu contava com mais de 20 anos de serviço público sem nunca ter respondido sequer a uma sindicância). No auge da perseguição, o destemido procurador Celso Três consignou na rede eletrônica dos procuradores da República que o meu caso ficaria registrado como a maior indignidade da história do Ministério Público Federal. Assim como fui vencedor nas ações promovidas contra corruptos, venci todas as perversas ações promovidas contra mim.
7. Além de mim e do Roberto Santoro, outros procuradores também foram perseguidos. O Santoro deixou para trás muitos anos de serviços públicos e largou a carreira prematuramente. Outros colegas optaram pelo silêncio. Eu não deixei o MPF e nem me calei. Se quiserem tirar o meu cargo, que tirem (já tentaram, mas não tenho medo de que tentem novamente); se quiserem tirar a minha vida, que tirem, morrerei feliz por lutar pelo o que acho correto.
8. Não cheguei ao cargo que ocupo por indicação de outros, cheguei por esforço próprio. Conquistei-o por acreditar que vale a pena estudar e lutar por um país melhor, e que as armas para isso são a educação e a informação.
9. Com esse propósito, escrevi o livro “De Faxineiro a Procurador da República” no qual mostro o valor da educação e da informação, e estou escrevendo outros livros. Sei que não posso fazer muita coisa para combater os absurdos que acontecem nos bastidores do poder, mas, pelo menos, informo a sociedade do que ocorre dentro da Instituição que tem o mister de defendê-la. Mesmo que a informação não seja útil para o presente, ficará como registro para o futuro.
10. Com a experiência de quase duas décadas de atuação pragmática na área criminal, afirmo que a ação penal relativa ao mensalão do PT é uma piada. Aliás, gosto de piadas, tanto que no meu site (
www.manoelpastana.com.br) tem espaço reservado para elas. Ocorre que a piada em epígrafe é de mau gosto. É que, além de o mega esquema criminoso ter surrupiado grande quantidade de recursos públicos e dado ensejo à epidemia de corrupção que tomou conta do país, a sociedade vem sendo enganada pela falsa crença de que os envolvidos na roubalheira serão responsabilizados na ação penal promovida pelos tuiuiús, perante o Supremo Tribunal Federal (STF). O espetáculo da apresentação das alegações finais, com 390 páginas, é um exemplo disso.
11. O ex-procurador-geral da República Antonio Fernando (autor da denúncia do mensalão do PT) consignou na “acusação” que o PT formou uma sofisticada organização criminosa para se perpetuar no poder. Os fatos dizem que essa informação é verdadeira. Ocorre que, embora Antonio Fernando tenha dito o óbvio, não agiu para impedir e nem efetivamente responsabilizar os envolvidos.
12. Para se apurar crimes praticados por ladrões de galinha, não é preciso muito esforço. Geralmente há confissão e abundância de provas materiais e testemunhais, tais como vizinhos, transeuntes, moradores de rua etc., que viram os meliantes em ação. Já, para se apurar crimes de corrupção, a coisa é diferente. Nesse tipo de apuração, é elementar na investigação e na acusação que se encontre pelo menos um delator (e sempre há. No mensalão do DEM, o delator Durval Barbosa fez estragos). Não é por acaso que o Direito pátrio adotou o instituto da delação premiada (existente nas legislações mais evoluídas) que contempla o corrupto “arrependido” (o delator) com a diminuição da pena ou até mesmo com o perdão judicial, dependendo do grau da colaboração.
13. Os envolvidos no esquema do mensalão do PT não são ladrões de galinha. Logo, seria necessário que se tivesse um delator para que o mega esquema criminoso (o maior do qual sem tem notícia) fosse efetivamente desvendado e punido os culpados. Ocorre que na ação penal que tramita no STF não há delator com essa missão. A inexistência, no mensalão do PT, dessa figura asquerosa, mas importante para a persecução penal, deve-se ao grande esforço do ex-procurador-geral da República Antonio Fernando. Explica-se a seguir.
14. O envolvido que seria o delator ideal para desvendar todo o esquema criminoso chama-se Marcos Valério. Ele destruiu provas em plena investigação. Dezenove membros da CPI (tinha 20) imploraram ao então procurador-geral que pedisse a prisão dele, mas Antonio Fernando disse que não via motivos e nem necessidade para prendê-lo. Um delegado de Polícia Federal chegou a pedir a prisão, mas Nelson Jobim, então ministro do STF, negou, dizendo que somente o procurador-geral da República poderia fazer o pedido. Desde a década de noventa no MPF, sempre atuando na área criminal, eu nunca vi um caso com tantos motivos para se prender o investigado, e que o dito cujo não fora enclausurado.
15. Com medo de ser preso, mormente quando sua esposa foi pega tentando sacar grande quantidade de dinheiro junto a um banco, Marcos Valério ofereceu-se para colaborar nas investigações, objetivando os benefícios da delação premiada. O ex-procurador-geral Antonio Fernando não concordou, alegando que a delação seria “prematura” e “inoportuna”. Atitude como essa é de matar de vergonha quem se preocupa com a efetiva aplicação da lei. Eu teria vergonha de me olhar no espelho se tivesse uma atitude dessa.
16. Mesmo sem a delação, sobraram provas apontando a participação do ex-presidente Lula no esquema criminoso, mas Antonio Fernando não o incluiu na acusação. O que deveria ser atribuído a Lula, Antonio Fernando atribuiu exclusivamente a José Dirceu. Ocorre que este não praticou atos materiais, sequer assinou um bilhete. Quem os praticou foi Lula, que assinou atos normativos, efetivamente utilizados no esquema criminoso. Todavia, como Lula não foi denunciado, não há como alcançar José Dirceu, que não praticou ato material (tudo indica que este foi autor intelectual).
17. Ademais, a denúncia é uma peça técnica que o Ministério Público utiliza para promover a responsabilidade criminal do infrator perante o Poder Judiciário. Tal peça deve relatar os fatos objetivamente e apontar os autores da infração penal, indicando as provas e os dispositivos legais infringidos. Ocorre que a denúncia do mensalão é prolixa (longa, enfadonha e sem objetividade). São 136 páginas de muitas historinhas que mais parecem contos policiais isolados. Além de ser extremamente longa, com inúmeras notas de rodapé, que dispersam a leitura e a tornam cansativa, ela não apresenta provas diretas. O quadro probatório é constituído a partir de conjecturas e ilações, exceto na parte relativa aos integrantes braçais da mega quadrilha.
18. As alegações finais do MPF (última manifestação acusatória) no processo do mensalão do PT foram apresentadas na quinta-feira passada pelo atual procurador-geral da República, Roberto Gurgel. A peça tem 390 páginas. O tamanho impressiona o leigo, mormente porque usa frases de efeito tipo: “Trata-se da mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber”. Dei-me ao trabalho de ler e analisar a enfadonha peça da mesma forma como o fiz com a denúncia. A seguir resumo o que achei.
19. O procurador-geral da República elogiou os ministros do STF, os quais teriam agido com celeridade no processo. De fato, Suas Excelências têm sido bastante céleres em tal feito, assim como eficientes foram os peritos da Polícia Federal, não lembrados pelo procurador-geral da República. A perícia comprovou, em exame detalhado, a grande quantidade de falcatruas praticadas pelo esquema criminoso.
20. Entre outras coisas, o exame técnico mostra as falsificações de cadastros e documentos bancários utilizados para forjar os empréstimos fictícios realizados ao PT e às empresas envolvidas no esquema criminoso; assim como, as adulterações e falsificações de notas fiscais e mais um monte de fraudes para dar sinal de legalidade às bandidagens praticadas.
21. É uma pena, contudo, que o empenho dos ministros do STF e de integrantes da Polícia Federal não deva resultar em grande coisa, isso porque o titular da ação penal, o procurador-geral da República, deixou de fazer a sua parte, como ordena a lei. Devido à grande quantidade de crimes praticados e ao gigantesco quadro probatório, provavelmente haverá algumas condenações, mas para os integrantes braçais do mega esquema criminoso. Os líderes sairão ilesos. Isso eu já antecipo no meu livro e agora ratifico neste artigo, após tomar conhecimento das alegações finais.
22. A análise que faço é técnica. O STF teria que mudar toda a sua jurisprudência, acolher a responsabilidade penal objetiva, e mesmo assim fazer grande esforço para condenar os líderes. Caso a investigação e a acusação fossem realizadas conforme determina a lei, o Tribunal não teria trabalho para condenar os acusados a longos anos de prisão, pois fatos criminosos e provas não faltaram no cenário da prática delitiva. Certamente seria o mais duro golpe contra a corrupção e este país não estaria atolado na epidemia de corrupção que se encontra.
23. Apenas a título exemplificativo, já que o espaço aqui é limitado, mostrarei como são extremamente frágeis as “provas” apresentadas no processo contra José Dirceu, apontado como o líder da quadrilha. Embora muito se fale contra ele, tanto na denúncia como nas alegações finais, e com a minha experiência acredito que ele fez ainda mais do que é dito, os fatos, todavia, a ele imputados têm como “provas” meras conjecturas e ilações. Assim é fácil se defender.
24. A “acusação” é tão ridícula que nas alegações finais, por diversas vezes, o procurador-geral usa como “prova” contra José Dirceu os vários depoimentos prestados pelo ex-deputado Roberto Jefferson. Ora, este é réu na ação e qualquer acadêmico de direito sabe que o depoimento de um acusado não tem valor probatório (é quase nulo) contra outro acusado. Quisesse, de verdade, a acusação produzir provas contra os líderes, teria utilizado Roberto Jefferson como testemunha de acusação (oferecendo-lhe a delação premiada), e não como acusado. Na condição de acusado, o seu depoimento perde credibilidade.
25. Aliás, à fl. 44 (item 72) das alegações finais, o procurador-geral utiliza a declaração de Roberto Jefferson, dizendo que é “esclarecedor das circunstâncias”. No depoimento, Jefferson fala que em 2005, José Dirceu lhe disse que ele (Dirceu), juntamente com o presidente Lula, receberam um grupo da Portugal TELECOM e o Banco Espírito Santo, que estariam em negociações com o governo brasileiro. Segundo Jefferson, cujo depoimento é esclarecedor no entendimento do procurador-geral, o objetivo do encontro seria o adiantamento de cerca de 8 milhões de euros (na época, equivalente a 24 milhões de reais), que seriam repartidos entre o PT e o PTB. Transcrevo trecho do referido depoimento utilizado nas alegações finais: “QUE em um encontro com JOSÉ DIRCEU na Casa Civil ocorrido no início de janeiro de 2005, o então ministro afirmou que havia recebido, juntamente com o Presidente Lula, um grupo da Portugal TELECOM e o Banco Espírito Santo que estariam em negociações com o Governo brasileiro (...)” Grifei.
26. À fl. 48, item 74, das alegações finais, o procurador-geral conclui sobre a referida negociação assim: “Esse fato tem especial relevância, pois comprova, não somente a coautoria dos crimes por José Dirceu, mas também a existência dos acordos ilícitos feitos pelo núcleo político para obter apoio parlamentar às ações do governo”. Se esse depoimento é verdadeiro, como diz a acusação nas alegações finais, por que Lula foi poupado da acusação, já que participou do encontro? Ele é intocável ou a sua participação na reunião limitou-se a servir cafezinho para José Dirceu e os indivíduos que iriam arrumar os oito milhões de euros para o PT e o PTB, não tendo Lula qualquer importância no evento?
27. Por outro lado, na “tentativa” de “provar” que Marcos Valério teria relação com José Dirceu, o procurador-geral transcreve, nas alegações finais, trecho de depoimento de Valério que “mostra” a relação com José Dirceu. O caso diz respeito à ajuda que Marcos Valério deu à ex-esposa de José Dirceu, arrumando emprego e um empréstimo para que a mulher conseguisse trocar de apartamento. O procurador-geral transcreve, à fl. 49, item 79, a “confissão” de Valério, afirmando que fez tal favor para José Dirceu, e isso comprovaria, no argumento disposto nas alegações finais, a relação entre eles.
28. Com base nisso e em outras conjecturas, o procurador-geral conclui (fl. 50, item 80, das alegações finais): “Todos esses eventos, protagonizados também por Marcos Valério, constituem provas irrefutáveis de que José Dirceu integrava o grupo criminoso desvendado no chamado esquema do mensalão.” Essa imputação com base nessas “provas” é para matar de gargalhada José Dirceu e seus cúmplices, e de vergonha os que realmente se preocupam com a persecução penal.
29. Quisesse a acusação efetivamente responsabilizar os líderes da mega quadrilha, teria oferecido para Marcos Valério os benefícios da delação premiada como foi feito com Durval Barbosa no mensalão do DEM. Daí, o monte de provas materiais produzidas pela perícia, associado à colaboração de Marcos Valério, que não iria se esquivar das perguntas da forma que o fez como acusado, e mais as declarações de Roberto Jefferson, que deveria ter sido arrolado como testemunha de acusação, levariam à condenação os líderes da quadrilha a muitos anos de prisão.
30. Como acusado e sem o benefício da delação premiada, por razões óbvias, Valério negou relação com José Dirceu, confirmando apenas a ajuda que deu à ex-esposa deste, que acusação “explorou” como “prova” do envolvimento dos dois. Isso é uma piada. É história para boi dormir. Caso fosse ofertado a Marcos Valério o benefício da delação premiada, certamente ele falaria do envolvimento de José Dirceu no esquema criminoso e a casa cairia, pois com as demais provas materiais produzidas pela perícia, o castelo do crime viria abaixo e gente que hoje está fazendo palestra pelo mundo afora, iria fazer palestra dentro de uma penitenciária, por bastante tempo.
31. Outra demonstração de que a acusação não estava interessada em chegar à verdade real é o que aconteceu com Sílvio Pereira, ex-secretário-geral do PT. Em entrevista ao Jornal O Globo, Sílvio disse que por trás de Marcos Valério teria uns trinta. Além disso, Valério teria lhe dito que se entregasse todo mundo derrubaria a República. Curiosamente, o procurador-geral ofertou a Sílvio Pereira o benefício da suspensão processual e ele ficou fora do processo do mensalão (vide fl. 3, das alegações finais).
32. Mais curioso ainda (e vergonhoso) é que, nas alegações finais, à fl. 50, item 81 e 82, Sílvio Pereira, que foi beneficiado pela suspensão processual, é apontado como um dos elos do esquema criminoso. Vejamos o que diz o procurador-geral:
“81. Sílvio Pereira foi um dos responsáveis pelas indicações para o preenchimento de cargos e funções públicas no Governo Federal, área chave para o sucesso da empreitada.
82. Não obstante tratar-se apenas de um integrante da cúpula do Partido dos Trabalhadores, Secretário do Partido, Sílvio Pereira atuava nos bastidores do Governo, negociando as indicações políticas que, em última análise, proporcionaram o desvio dos recursos em prol dos parlamentares, partidos políticos e particulares.”
33. No item 83 das alegações finais, transcrevem-se depoimentos que mostram o envolvimento de Sílvio Pereira. Já no item seguinte, o procurador-geral conclui:
“84. Os depoimentos comprovam que Sílvio Pereira comportava-se como um membro do Governo Federal, atuando como longa manus de José Dirceu. Cabia-lhe negociar com os parlamentares as indicações para os cargos do governo, reportando-se sempre a José Dirceu”.
34. No item 85, a acusação assinala que é incompreensível que Sílvio Pereira, um filiado do PT, exercesse função própria de servidores da Casa Civil. Ora, se ele tinha todo esse envolvimento, chegando a acusação chamá-lo delonga manus (executor de ordem) de José Dirceu, por que, então, lhe foi ofertado o benefício da suspensão processual? Ou ele deveria ter sido acusado como envolvido na corrupção ou então oferecido a ele o benefício da delação premiada para que colaborasse na acusação.
35. Esse estranhíssimo comportamento da acusação leva-se a pensar que não se queria ouvir as declarações de Sílvio Pereira, que falara na imprensa e poderia falar no processo. Por isso, lhe foi concedido o benefício da suspensão processual, assim ele ficou fora do processo, e não foi ouvido na instrução criminal.
36. Não precisa ter bola de cristal e nem ter profundo conhecimento jurídico, basta ler as alegações finais, com um pouco de atenção, para ver que a acusação não desejou buscar a verdade real, e a consequência disso será a absolvição dos líderes do maior esquema criminoso já atuante neste país.
37. Uma demonstração de como os tuiuiús agem, basta recordar o comportamento do atual procurador-geral da República, Roberto Gurgel em dois episódios recentes. No mensalão do DEM ele se esforçou ao máximo. Chegou a marcar encontro secreto (sem registro nos autos do inquérito) com o ex-governador de Brasília, José Arruda, atitude que Gurgel repeliu drasticamente quando o ex-procurador Roberto Santoro tentou ouvir uma testemunha, fora do expediente, que poderia chegar a José Dirceu.
38. Também no mensalão do DEM, Gurgel insistiu contra tudo e todos, buscando intervenção no Distrito Federal, mesmo sabendo que se trata de uma medida judicial (com conteúdo político) extremamente complexa. Engraçado é que Gurgel alegou que não requereu instauração de inquérito contra Palocci para não colocar o MPF no debate político. E o pedido de intervenção no DF é questão menos política de que um simples requerimento de instauração de inquérito policial?
39. Roberto Gurgel não viu motivação jurídica para instaurar um simples inquérito policial, que não exigia grande formalidade, contra o ex-ministro Palocci. A título exemplificativo, para que o leitor tenha uma ideia de como foi o comportamento do procurador Gurgel no caso Palocci, farei a seguinte analogia: suponhamos que um corpo de um homem fosse encontrado dentro de um carro em uma estrada deserta. Seis pessoas fotografam o local e escrevem uma carta dizendo que se trata de um homicídio. Contudo, o delegado se recusa a instaurar inquérito, alegando que a vítima pode ter cometido suicídio e suicídio não é crime no Brasil. Além disso, o delegado aduz que os noticiantes não informaram o nome do autor do crime, o seu CPF, “sequer” a cidade onde morava. Também não disseram qual o calibre da arma usada, embora a fotografia mostrasse cinco perfurações no peito e duas na cabeça.
40. Foi mais ou menos isso que o procurador-geral exigiu dos cinco Senadores e um Deputado Federal que fizeram a representação contra Palocci. Ora, embora o enriquecimento ilícito não seja crime no Brasil (o que é um absurdo), por trás do enriquecimento pode ter a prática de vários delitos, como corrupção, exploração de prestígio, peculato, lavagem de dinheiro e outros tipos de crimes, porquanto não é razoável que uma empresa com dois sócios e sem folha de empregado, em menos de quatro anos, fature R$ 20 milhões e feche em seguida.
41. É sabido, por exemplo, que na prática de crimes de lavagem de dinheiro, os infratores utilizam-se de atividades com aparência de legalidade, inclusive, pagando tributos. Ora, Palocci é médico e sequer anotou no seu curriculum que exercia a função de consultor. Portanto, o procurador-geral teria o dever legal de aferir se as informações apresentadas por ele, para justificar o fabuloso enriquecimento em cima de uma função atípica, eram, de fato, verdadeiras. Para isso, necessário se faz, entre outras coisas, a quebra de sigilo bancário e fiscal, o que reclama a instauração de inquérito.
42. Todavia, repelindo as alegações constantes na representação contra Palocci e atuando como julgador, Gurgel exigiu que os representantes apresentasse provas de que a rápida ascensão financeira de Palocci seria produto de crime. Ora, a representação era justamente para que o procurador-geral investigasse, diante da grande suspeita e não julgasse, função que não é dele. Todavia, Gurgel apressou-se a atestar a legalidade das atividades do milionário consultor Palocci, como se fosse julgador, sem preocupar-se em aferir se a comprovação formal correspondia à realidade.
43. Extremamente criticado por vários procuradores, Gurgel disse no Conselho Nacional do Ministério Público, conforme áudio divulgado pelo Site Congresso Em Foco, que considerava a atitude dos colegas como “intolerável”, lembrando que ele jamais criticou atuação funcional dos outros procuradores.
44. De fato, o procurador Roberto Gurgel nunca criticou atuação funcional dos outros procuradores. Melhor criticasse, pois fez pior: perseguiu com votos absolutamente injustos no Conselho Superior do MPF procuradores que apenas tentaram cumprir o seu mister. No caso do ex-subprocurador-geral da República Roberto Santoro, que no exercício da função institucional, como sempre fez, ajudou procurador de primeira instância, ouvindo testemunha à noite (prática que não tem proibição legal), mesmo após o então procurador-geral Claudio Fonteles e o então corregedor-geral Wagner Gonçalves terem desistido da absurda acusação (“jogado a toalha”), o atual procurador-geral Roberto Gurgel insistiu de todas as formas para que Santoro fosse punido.
45. A mesma coisa Gurgel fez contra mim. Contrariando decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça, contrariando decisão unânime do Tribunal de Contas da União, contrariando rigorosa apuração realizada pela Auditoria Interna do MPF (AUDIN), e ignorando o trabalho realizado por três subprocuradores-gerais da República, nomeados pelo Conselho Superior do MPF, como membros da comissão de processo administrativo para me investigar, que em extenso relatório, baseado em farto material probatório, atestaram a correção da minha conduta, Gurgel, a exemplo do que fizeram os demais tuiuiús, entre eles a atual vice-procuradora-geral da República Deborah Duprat, passaram por cima de tudo na tentativa doentia de acabar com a minha carreira. Eles só não alcançaram o desiderato porque, na época do julgamento, estavam em minoria no Conselho. Caso contrário, eles teriam feito como fizeram com o então corregedor-geral Edinaldo de Holanda Borges, que extinguiram o mandato dele, um ano antes do prazo legal.
46. Impressiona o que os tuiuiús são capazes de fazer pelo poder. O legítimo representante deles era Claudio Fonteles, primeiro procurador-geral do governo Lula. O atual procurador-geral, Roberto Gurgel, é um tuiuiú convertido (no meu site www.manoelpastana.com.br, na seção artigo, vide “O nascimento dos tuiuiús”, para saber a origem e a distinção entre eles).
47. Fonteles praticou horrores. Uma vez ele votou duas vezes para acabar com a carreira de um procurador novato, mas recuou. Tenho certeza de que se fosse Antonio Fernando ou Roberto Gurgel não teriam recuado. Estes são mais ousados. Por exemplo, certa vez numa votação para promover um procurador tuiuiú que passara os últimos quatro anos no exterior fazendo doutorado (ele não tinha a menor condição de competir com os procuradores concorrentes que ficaram trabalhando em tal período), após questionamentos de duas conselheiras, Claudio Fonteles “jogou a toalha”; porém, Antonio Fernando e Roberto Gurgel arrumaram um jeito, passando por cima de tudo e de todos e promoveram o tuiuiú queridinho de Fonteles.
48. Curioso é que depois Antonio Fernando e Roberto Gurgel, que não eram tuiuiús legítimos como era Claudio Fonteles, passaram a perna neste. Explico. Pelo desejo de Fonteles, cada tuiuiú só deveria ficar um mandato como procurador-geral. Fonteles deu exemplo e só ficou um. Em seguida ele apoiou o seu vice, Antonio Fernando, que foi eleito em primeiro lugar na lista tríplice e foi nomeado procurador-geral. Explico a lista. Embora a Constituição não exija lista tríplice para a escolha do procurador-geral, os tuiuiús inventaram uma “eleição”, cujo resultado é tão conhecido quanto eleição de chapa única. Em todas as “eleições” realizadas até hoje, os três da lista são sempre tuiuiús e o primeiro colocado é o próprio procurador-geral ou quem ele apoiar.
49. Depois de ficar um mandato, pelo acordo informal era para Antonio Fernando não concorrer à recondução, para dar lugar a outro tuiuiú, Wagner Gonçalves, membro fundador do grupo tuiuiú juntamente com Fonteles. Ocorre que Antonio Fernando quebrou o acordo e concorreu à eleição da listra tríplice e não deu outra: ficou em primeiro lugar. Fonteles ainda lutou para que fosse nomeado procurador-geral o seu predileto Wagner Gonçalves, que ficou em segundo lugar na lista. Ocorre que Lula preferiu o primeiro, Antonio Fernando que já havia demonstrado ser mais ousado, tanto que enfrentou a tudo e a todos, mas não permitiu que Marcos Valério virasse delator no processo do mensalão e deixou Lula de fora da acusação, sem ao menos dar satisfação.
50. Depois de ficar dois mandatos como procurador-geral, Antonio Fernando deu mais uma rasteira em Claudio Fonteles. Ele apoiou o atual procurador-geral Roberto Gurgel. E não deu outra: Gurgel ficou em primeiro na lista tríplice, e Wagner Gonçalves, o preferido de Fonteles, mais uma vez ficou em segundo. Fonteles movimentou a base do PT para que Wagner Gonçalves fosse nomeado procurador-geral. Lula ficou em dúvida, tanto que por vários dias a tuiuiú Deborah Duprat ficou como procuradora-geral em exercício (por falta de indicação do procurador-geral).
51. Após muito refletir, Lula resolveu “respeitar” a ordem da lista. Na verdade, ele viu que Gurgel era do mesmo estilo de Antonio Fernando, isto é, mais ousado de que Fonteles, sendo que Wagner Gonçalves, o concorrente de Gurgel, é o mesmo estilo de Fonteles. Assim, Lula foi pela lógica e escolheu o que mais poderia arriscar para proteger o trono, ou seja, Roberto Gurgel e o resultado está aí. O escandaloso arquivamento do Palocci foi só uma demonstração dessa ousadia.
52. Além do que eu já disse, citarei dois exemplos que mostram como Antonio Fernando e Roberto Gurgel são mais ousados do que Fonteles. Na primeira eleição para o Conselho Nacional do Ministério Público, o tuiuiú José Adonis (vide o meu artigo “Procurador alpinista: o julgador de juízes”) ficou em último na lista tríplice. Fonteles queria indicá-lo, mas recuou, quando a classe pressionou para que observasse a ordem de classificação. Fonteles escolheu a primeira da lista.
53. Tempo depois, já na gestão de Antonio Fernando, o tuiuiú Nicolau Dino, candidato à recondução para o Conselho Nacional do Ministério Público, ficou em segundo lugar na lista. A classe pressionou para que Antonio Fernando observasse a ordem de classificação e nomeasse o primeiro da lista (que não era tuiuiú), mas o então procurador-geral não deu a mínima para a ordem de classificação e indicou o tuiuiú segundão da lista. A indicação não vingou porque o Senado não aprovou o nome de Nicolau Dino.
54. A indicação não aceita de Dino foi um dos últimos atos de Antonio Fernando. Em seguida assumiu o procurador Gurgel e surpreendeu, ou melhor, não surpreendeu (para quem verdadeiramente o conhece). Quando todos esperaram que ele indicasse o primeiro da lista ou até mesmo o terceiro, já que o segundo fora recusado pelo Senado, ele simplesmente anulou a eleição e fez outra, sagrando-se em primeiro lugar o candidato preferido dos tuiuiús, que foi nomeado.
55. Em seguida Gurgel deu mais uma demonstração da supremacia dos tuiuiús. Ele nomeou o candidato recusado pelo Senado, Nicolao Dino, para diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e para diretora-geral adjunta da mesma Escola, Gurgel nomeou uma ex-conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público, que tinha como assessor um filho do ex-procurador-geral da República Antonio Fernando. Isso mesmo. Na época em que Antonio Fernando era presidente do referido Conselho, que tem a função de fiscalizar a conduta dos membros do Ministério Público, um filho seu tomou posse naquele Conselho (a relação de chamados só chegou até ele).
56. Pouco tempo após tomar posse, o rapaz foi alçado a assessor de uma conselheira no Conselho que o pai presidia. Quando o genitor e a conselheira deixaram o mencionado Conselho, o filho foi ser assessor no Ministério Público do Distrito Federal, nomeado pelo então procurador-geral de Justiça Leonardo Bandarra, que hoje responde a processo por suspeita de corrupção. Pouco tempo depois, o filho prodígio de Antonio Fernando foi nomeado assessor na Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, comandada pela tuiuiú Sandra Cureau.
57. Os tuiuiús têm obsessão por poleiros altos. A função de procurador-geral da República então nem se fala. Sinceramente não sei a razão de tanta ganância por função de curtíssima duração. Eles fazem qualquer coisa por tal função que, a meu sentir, sem atuação efetiva, é um zero à esquerda. Lula confundia ou fingia confundir o procurador-geral da República com o advogado-geral da União. Caso Antonio Fernando tivesse feito o que a lei manda, Lula jamais o iria confundi-lo, pois, certamente teria experimentado a resposta da lei para quem a infringe. Como ele nada fez de efetivo, a função de procurador-geral da República hoje é tida pela imprensa como de auxiliar do presidente da República (deveria ser de fiscalizador do Presidente). Outro dia um programa humorístico entrevistava parlamentares perguntando o nome do procurador-geral da República. O que chegou mais perto falou que era Antonio Gurgel. É o que dá não agir à altura do cargo.
58. Na última “eleição” para a escolha do procurador-geral (coloco entre aspas porque eu não voto e muitos procuradores também não votam), aconteceram coisas que me deixaram impressionados. Entre elas, por exemplo, um procurador reclamou na rede eletrônica dos procuradores que ele tentara tratar de assuntos institucionais com o procurador-geral Roberto Gurgel, mas não foi recebido. Ligou, porém suas ligações não foram atendidas e nem respondidas posteriormente.
59. O procurador Gurgel não respondeu aos questionamentos do procurador reclamante; porém, quando outros procuradores fizeram as mesmas reclamações, e vendo que a relação de insatisfeitos aumentava, ele veio à rede e “humildemente” pediu desculpas, prometendo que iria corrigir “as falhas”. Se eu não o conhecesse tão bem, teria acreditado nas suas palavras e quem sabe até votado nele.
60. O procurador Gurgel foi uma das pessoas mais “carismáticas” que encontrei quando ingressei no MPF. Tinha por ele muita admiração e respeito. Perdi a conta de quantas vezes fui ao seu gabinete e ele sempre me recebia com muita atenção e educação. Conheci a sua verdadeira personalidade, quando tornei-me persona non gratada cúpula do MPF. Ele é completamente diferente do que aparenta ser. Fingia demonstrar que nada tinha de pessoal contra mim, mas na prática tentava me prejudicar a qualquer custo. Por outro lado, quando o objetivo é ajudar, ele passa por cima de tudo e de todos.
61. A propósito, uma das características dos tuiuiús é não ter limites. Eles não têm limites para ajudar, quando querem, assim como não têm limites para prejudicar. O pior é que um supera o outro. Antonio Fernando superou Fonteles, e Gurgel está superando Antonio Fernando. Devido às vergonhosas derrotas que sofreram tentando acabar com a minha carreira, bem como a publicidade que dei dos fatos, eles recuaram na perseguição, mas continuam agindo em outros aspectos. Esse processo do mensalão é um exemplo desse vergonhoso comportamento, conforme demonstro neste artigo.
62. Quando o procurador é “queridinho” o comportamento é diferente. Por exemplo, em um mandado de segurança impetrado no STF, Gurgel deu parecer favorável ao procurador Luiz Francisco (aquele que não saía da mídia na época do governo FHC, apontando corrupção e hoje acha que não há mais corruptos no governo). O procurador ex-caçador de corrupto foi punido com suspensão pelo Conselho Nacional do MP e recorreu ao Supremo, objetivando anular a punição. Não tenho a menor dúvida de que se o punido fosse eu ou outro procurador que não tivesse a simpatia dos tuiuiús, Gurgel jamais daria parecer favorável.
63. Outro exemplo de como os tuiuiús são. Um servidor, antes de ingressar no MPF, foi condenado como réu confesso por peculato praticado contra a Caixa Econômica Federal. Esse servidor, para tomar posse no MPF, assinou declaração ideologicamente falsa (alterou o nome para que a pesquisa com o nome errado não detectasse a condenação anterior). Descoberta a conduta, ele foi demitido do MPF. Todavia, foi reintegrado administrativamente. Não sei quais dos dois tuiuiús concedeu a reintegração, se foi o procurador-geral Roberto Gurgel ou a vice, Deborah Duprat. Esse servidor foi um dos que representaram contra mim e que resultou na doentia perseguição levada a efeito pelos tuiuiús.
64. Penso que a perversidade praticada contra mim deu crédito a esse servidor com os tuiuiús e por isso ele foi reintegrado. Outros dois servidores, também do grupo que representou contra mim, foram flagrados violando e-mails. A justiça os afastou da função. O processo administrativo contra eles dorme em berço esplêndido há anos na Procuradoria Geral da República. Os tuiuiús são desse jeito: fazem o que bem entendem. Eles sentem-se donos do MPF e não estão nem aí para o que falam deles. Aliás, raríssimos são os que têm coragem de falar.
65. Concluindo este longo artigo, deixo para reflexão trechos de duas mensagens. A primeira é de um ex-servidor da Procuradoria da República no Amapá que se tornou juiz federal. Em meados de 2003, quando Claudio Fonteles tomou posse como o primeiro procurador-geral no governo Lula, coincidiu com a representação que uns servidores apresentaram contra mim. Poucos dias após a divulgação da representação, o juiz encaminhou uma mensagem a um procurador da República que fez divulgar na rede dos procuradores: