Entrevista - Henrique Eduardo Alves
Presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves afirma que a presidente reeleita tem de adotar nova forma de negociação com o Congresso imediatamente e descarta assumir um ministério no ano que vem
Marcela Mattos, de Brasília
MÁGOA – O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, derrotado na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte: "O Lula nunca tinha visto o Robinson na vida dele. Se amanhã passar do lado, acho que o Lula nem o reconhece mais" (Pedro França/Agência Senado/VEJA)
'De fora da janela do Palácio do Planalto há um país dividido. E tem de se ter muito cuidado para que amanhã não haja uma crise. Agora tem de se calçar a sandália da humildade'
Na primeira semana depois das eleições, o Congresso Nacional deu um claro recado à presidente reeleita Dilma Rousseff (PT): derrubou o decreto bolivariano que criava conselhos populares em órgão públicos, convocou ministros e a presidente da Petrobras, Graça Foster, para prestar esclarecimentos em comissões e ensaia desengavetar propostas que causam dor de cabeça ao Planalto, como o chamado Orçamento Impositivo. Para Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), presidente da Câmara dos Deputados, Dilma precisa saber “conversar e “compartilhar mais” já nos próximos dois meses, quando encerra seu primeiro mandato. “Não pode ser como vinha sendo: o PT escolhendo o que quisesse, principalmente os melhores ministérios, e deixando o resto para os outros. Não pode e não deve ser assim. A presidente Dilma tem dois meses para provar que as coisas não vão ser assim”, afirmou. Depois de onze mandatos na Câmara, Alves foi derrotado na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte e ficará sem mandato em janeiro. Nos últimos dias, seu nome passou a figurar na bolsa de apostas do futuro ministério de Dilma, o que ele descarta. Mas, como reza o anedotário político de Brasília, quando se quer um cargo de ministro, o melhor a fazer é afirmar justamente o contrário – diz a máxima que, a partir daí, seu nome passará ser lembrado constantemente. Leia a entrevista ao site de VEJA.
Como o senhor viu o apoio de Lula ao seu adversário Robinson Faria (PSD) na disputa ao governo do Rio Grande do Norte? Eu fui surpreendido. O Lula nunca tinha visto o Robinson na vida. Esqueceram de avisar que o Robinson que ele apoiou neste ano é o mesmo contra quem ele gravou em 2010. Se amanhã passar ao lado, acho que o Lula nem o reconhece mais. Enquanto eu era líder do PMDB, sempre que havia uma votação importante, o Lula me chamava para conversar e para negociar. Agora, ele grava uma entrevista em um formato de bate-papo elogiando o Robinson, dizendo que ele vai mudar o Rio Grande do Norte. Isso foi decisivo para a derrota, foram muitas inserções ao longo de vários dias.
O senhor chegou a procurar o PT pedindo que as gravações não se repetissem no segundo turno? Eu procurei o Michel Temer, que na hora telefonou para o Lula pedindo para que não gravasse mais. Tudo bem que a chapa do Robinson estava com o PT para o Senado, mas no plano nacional eu estava com a Dilma. Depois que pedi para pararem, foi quando usaram as propagandas desbragadamente. O Lula não deve ter feito nenhum gesto para pararem de usar. O Temer também procurou o Rui Falcão, mas não adiantou. Ficou uma coisa muito constrangedora. O Lula ia lá toda hora e classificava o outro candidato como a mudança. Mas sou eu que o conheço, eu que o ajudei, que fui o seu parceiro.
Então como fica a relação entre o PT e o senhor depois destas eleições? A Dilma teve outro comportamento. Eu disse que ela poderia ir lá no Estado que todos estaríamos ao lado dela. Mas também disse que ia entender se ela achasse melhor não ir, e ela realmente não foi. Não tenho nada a reclamar dela. Mas, com o Lula, eu vou fazer o quê? Tem de ter maturidade e experiência para virar essa página. Eu reconheço que a participação dele foi muito importante para o resultado eleitoral. Mas, com ressentimentos, ficamos menores. E eu não quero ficar menor com isso.
A derrubada do decreto de Dilma foi um troco ao PT? Essa afirmativa é desinformação ou má-fé. Essa matéria aguardava votação há três meses. Eu decidi pautá-la, fiz um pronunciamento defendendo que o decreto era inconstitucional, tentei diversas vezes que o Aloizio Mercadante o retirasse e apresentasse um projeto de lei com urgência. O que nós queríamos era tirar a vinculação dos conselhos à Presidência da República. Toda votação que se abria, a oposição começava a obstruir enquanto não pautasse o decreto. Na hora que deu para ser votado, a obstrução do PT não teve efeito. Se já era meu desejo que ele fosse votado e derrubado e a pressão estava grande, não teve como ser diferente. A Câmara ia ficar em um impasse sem votar nada? Mas isso não tem nada a ver com situação nenhuma. Eu já falei com a Dilma, dei parabéns pela eleição, e ela sequer tocou neste assunto. A presidente ainda disse que na próxima semana, quando voltar de viagem, gostaria de falar comigo porque ia precisar muito da minha ajuda.
O que o senhor acha que tem de mudar na relação entre Executivo e Legislativo no novo governo? A Dilma nunca foi parlamentar e nunca passou nesta Casa, como todos os outros presidentes passaram e sabem das tensões que temos aqui, da necessidade de dar respostas. Ela exerceu uma função gerencial e se tornou presidente da República. Eu acho que ela precisa conversar mais. Quando convencer, muito bem. Quando não, que seja convencida. Acho que ela vai partir para isso, para um modelo diferente do primeiro mandato. Até porque antes ela tinha um contexto eleitoral muito favorável, mas agora não, está dividido. E aqui, pelo radicalismo da campanha, é um prato cheio para o Aécio, porque as coisas vão se tornar ainda mais radicais. Mais do que nunca vai exigir a colaboração do PMDB e ela própria vai ter de conversar mais com o setor produtivo, com representantes empresariais, com o setor sindical e com parlamentares.
Este ano foi marcado por tensões entre a bancada do PMDB e o Planalto. O que o Michel Temer disse sobre o novo governo depois da reeleição? Nada. Mas agora a situação é outra. Fora da janela do Palácio do Planalto há um país dividido. E tem haver muito cuidado para que amanhã não haja uma crise. É preciso calçar a sandália da humildade. A Dilma, na reta final das eleições, quando precisou da ajuda do Nordeste, recorreu ao Lula. Até então quase não se via o Lula participar das eleições, ele estava mais focado na disputa de São Paulo. A Dilma tem de compartilhar mais, de participar mais. Não pode ser como vinha sendo, o PT escolhendo o que quisesse, principalmente os melhores ministérios, e deixando o resto para os outros. Não pode e não deve ser assim. A Dilma tem dois meses para provar que as coisas não vão ser assim.
Qual o caminho natural para a presidência da Câmara? Antes uma aliança entre o PT e o PMDB era importante porque juntava muitos votos e quase conseguia maioria. Era um rodízio que se impunha por serem as duas grandes bancadas da Casa. Agora mudou a configuração e essas duas legendas não fazem 140 votos. O fato de elas se entenderem não é nenhuma garantia de que farão o presidente da Casa. Deve-se buscar o candidato que reflete o sentimento da Casa, da independência, que procure angariar apoio tanto da base quanto da oposição. Há, hoje, um PMDB que não votou em Dilma. Nessa configuração confusa e muito dividida, acho que o discurso vencedor vai ser de quem falar pelo Parlamento. Eu acho inevitável que o PMDB procure a todos, oposição e governo, e caracterize o discurso de Parlamento.
Há hoje um nome alternativo ao Eduardo Cunha? Não. Ele é a indicação da bancada. O Eduardo tem credibilidade, é respeitado pelos parceiros, pelos adversários e cumpre acordos. É um nome muito forte.
O senhor está na Câmara há 44 anos. Está preparado para não viver mais essa rotina?Preparadíssimo. Eu passei a minha vida inteira morando em hotel sozinho, passava dois ou três dias com a família e viajava. Imagine o que é pegar um avião toda terça e quinta ao longo de todo esse tempo. Agora eu estou preocupado com a minha qualidade de vida. Eu tenho uma empresa de comunicação e vou ficar no comando do PMDB do meu Estado. Continuo na política. Mas quero ter mais qualidade de vida, fazendo o que eu gosto.
E a possibilidade de assumir algum ministério? Muitos querem que eu fique em Brasília. Há pressão nesse sentido pela experiência que eu tenho aqui. Eu poderia ficar fazendo um meio de campo entre o Michel Temer e o Eduardo Cunha. Mas a indicação que eu tenho agora é ter uma qualidade de vida melhor.
Então o senhor descarta tornar-se ministro? Descarto. Qualquer ministério. Ministério é pior, porque a gente tem de estar aqui de segunda a sexta. A política sacrifica muito a família. Eu tenho dois filhos que quase não vejo. A gente começa a ver que o tempo está passando e está perdendo algumas oportunidades. Então há coisas que vêm pelo bem. Eu tenho um jornal, uma TV e vou ter participação política, mas vivendo com mais estabilidade.
Quem poderia ser capaz de fazer esse meio campo e melhorar o diálogo com o Parlamento? O Jaques Wagner, ex-governador da Bahia, é uma boa pessoa. Ele é experiente, competente, malandro. Eu acho que ele vai para Relações Institucionais. A Dilma não pode mais correr riscos. O país está dividido.