Publicado em 29 de abril de 2014 | por Partice Béconne and Jason Iannone
Meu nome é Partice Beconne. Eu cresci na Romênia comunista sob o olhar despótico do presidente Nicolae Ceausescu. Eu vi meu país ser reduzido a farrapos – e não o vi se recuperar. Provavelmente você consegue imaginar os elementos mais óbvios de uma sociedade comunista – os blocos cinzentos implacáveis que não conseguem se passar por arquitetura, as filas sem fim até mesmo para os produtos mais básicos, o humor subversivo, porém compreensível de Yakov Smirnoff – mas houve um lado muito mais estranho em nossa sociedade comunista que ninguém menciona. Por exemplo …
#5. J.R. Ewing do seriado Dallas foi a primeira pessoa a nos apresentar à liberdade
Embora os romenos oficialmente tenham deixado o comunismo para trás no final de 1989, nós ansiamos por uma vida melhor antes disso. Por que desejamos o que não podíamos ter? Vai saber? Talvez o espírito humano saiba o que significa ser livre; talvez as pessoas soubessem que o sistema trabalhava contra nós; ou talvez um dos grandes burocratas se enganaram e acidentalmente nos mostraram algo da TV americana uma vez.
É. Foi principalmente o último.
Se esse show tivesse existido em 1787, nossa Constituição seria … basicamente a mesma coisa.
Ceausescu não permitia nada estrangeiro em nosso país, com algumas excessões bem raras. Uma delas foi a série
Dallas, que ele liberou por pura propaganda. O personagem principal, J. R. Ewing, era um barão do petróleo sociopata e sem piedade, que não se importava em destruir seus amigos e família se isso significasse ganhar um dólar. Ele explorava políticos, atormentava seus conhecidos, traía sua esposa, e geralmente parecia um cachorro-quente enrugado em um chapéu de caubói. Em geral, ele representava o capitalismo em seu pior. Que maneira melhor de
nos voltar contra seus inimigos que nos mostrando a encarnação viva do Malvado Porco Capitalista?
Toda vez que você vê esse rostinho, um anjo coloca US$ 350 milhões em uma conta bancária no exterior.
Ceausescu estava levando tão a sério a ideia de usar
Dallas para retratar os males do capitalismo que
ele chegou ao ponto de pagar Larry Hagman, o ator que representava J. R., pelo direito de colocar sua foto sorridente em um
outdoor gigante na lateral de um prédio residencial no centro de Bucareste. Desse modo as pessoas veriam todo santo dia a pior versão de um americano malvadão.
Depois da queda da União Soviética, Ewing continou tão popular que o usaram para vender óleo lubrificante russo. Em 1999.
Enfim, essa era a teoria. Na realidade, assistimos Dallas e nos apaixonamos por tudo que o seriado mostrou. Ao invés de rolar em desgosto sobre a prova da ganância americana, nos maravilhamos por todas as coisas legais que os americanos tinham – mesmo os personagens secundários que supostamente eram “pobres” e “explorados”. E a simples ideia que as pessoas podiam vir do nada e de fato tornarem-se ricas? Aquilo nos deixou absolutamente de boca aberta. A maioria de nós nem mesmo considerava a riqueza como uma opção antes de um ditador perdido chegar e dizer: “Estão vendo? Essassão as desvantagens de ser magnificamente rico!”. Depois de várias temporadas testemunhando uma boa vida, todos nós coletivamente nos perguntamos, “Por que não nós, também?”. Após alguns passos lógicos, tivemos uma revolta sangrenta e violenta.
Claro, a revolução romena e a queda do Império Soviético foram questões vastas e complexas – mas ainda assim, de uma forma bem sutil e pequena, é correto dizer que J. R. Ewing nos ajudou a derrubar o comunismo.
J. R. Ewing e o bolo daquele cara.
#4. Uma mulher aleatória era responsável por praticamente todo o nosso entretenimento
Ceausescu baniu todos os seriados não-texanos da TV, como também filmes, video games, música, e qualquer coisa que você pudesse colocar os olhos e achar engraçado. A maioria de nós não podia bancar um videocassete, e de qualquer modo a TV romana não tinha muito o que gravar. Em vários momentos você estava destinado a assistir em preto-e-branco um homem perseguindo uma cabra, antes que você trocasse de canal para a reprise de Dallas. Felizmente, nós romenos tínhamos milhares de filmes ilegais para escolher, graças quase que totalmente a uma mulher.
E vários contrabandistas corajosos.
Em 1986,
Irina Nistor, até então apenas uma tradutora oficial da TV estatal, foi contratada por vários contrabandistas para traduzir filmes de Hollywood que outras pessoas tinham contrabandeado para o país. Mas ela não traduziu roteiros e os entregou para um elenco variado de dubladores capacitados – o que você pensa que aquilo era, Rollywood? Quem tinha essa quantidade de tempo e dinheiro disponível? Certamente não Irina, então ela apenas dublou por conta própria todas as vozes em inglês em todos os filmes. Ela era literalmente a voz da mídia romena. Quando o comunismo caiu e assistir
The Breakfast Club não era mais punível com a morte, ela já havia traduzido e dublado cerca de 3.000 filmes. Somente ela e sua solidão.
Foto de: Marilyn Monroe, Audrey Hepbum, Lon Cheney, John Wayne …
E ela fez a maior parte do seu trabalho às cegas. Ela nunca tinha visto os filmes banidos antes e estava obviamente muito ocupada para sentar e assistir milhares de horas de filme antes e depois gravar suas milhares de horas de locuções. Não havia espaço para ritmo, ou nuances, ou impressões complexas para cada personagem – havia apenas uma mulher romena de meia-idade falando em sua própria voz, com sua própria cadência, preenchendo todos os papéis em todos os filmes que passaram pela gente. Ela era Bruce Lee. Ela era Chuck Norris. Ela era tudo: todos os nossos heróis, nossos vilões, nossas sedutoras sensuais, e nossos Sylvester Stallones eram Irina Nistor.
Sim, até mesmo nossos Tony Montanas.
#3. Trabalho não-assalariado era a lei na Romênia
Na Romênia dos anos de 1980, todos os soldados, professores e estudantes eram obrigados a particpar de algo chamado
practica agricola.
Todo o árduo trabalho agrícola sem nada daquela maldita “propriedade de terra”.
Há uma razão para as crianças acima não parecerem muito contentes (mesmo se nós considerarmos a careta padrão que é confundida com o “sorriso comunista”). Practica agricola não era sobre aquela coisa tipicamente comunista de “compartilhar o fardo igualmente” – estava bem mais próximo de trabalho escravo na cara dura. Há uma linha muito tênue separando os dois o tempo todo, e a practica agricolaescavou essa linha com uma enxada improvisada e enterrou seus sonhos e esperanças nela. Todos eram forçados a ir em uma dessas “viagens de campo” para fazendas especiais. Uma vez lá, plantava-se sementes o dia inteiro, não importando o clima ou sua riqueza pessoal. Nada atrapalhava – nem escola, nem educação, nem treinamento militar, nem carreira. Meus pais eram engenheiros, o que significava apenas que eles tinham que colher pêssegos e maçãs da maneira mais engenhosamente possível.
O que acaba sendo apenas segurá-las como lágrimas normais e em seguida sufocá-las.
Haviam cotas rígidas para cumprir, o pagamento era inexistente, a situação teria que melhorar muito para ficar péssima e a participação era obrigatória para todos, sem exceção. Se você se recusasse a trabalhar, a punição variava de perda de créditos, perda de trabalho, à perda da vida. Apenas … de sua vida.
#2. Tínhamos pouca noção do mundo exterior
Graças ao bloqueio quase completo de Ceausescu a todas as coisas exceto o comunismo, toneladas de informações sobre o mundo exterior simplesmente passaram batido pela gente. Dia após dia, ano após ano, o noticiário local era apenas o mesmo: um pouco de propaganda pró-commie, talvez alguma boa notícia sobre a cota de colheita sendo alcançada antes do prazo (ou “boas notícias” sobre aqueles que falharam em cumprir a cota não sendo mais um fardo sobre o proletariado).
Graças a esses “limpadores de fardos” garantidos pelo governo.
Enquanto isso, os feitos incríveis do mundo exterior mereceram apenas uma menção passageira. Em 1969, quando o EUA enviou o homem à Lua pela primeira vez, o
jornal nacional romeno brevemente mencionou “
um grande sucesso para o pensamento científico – o homem na lua!” junto com algumas linhas do telegrama do presidente Nixon. E era isso: cerca de metade do espaço que você esperaria que um tabloide dedicasse ao novo penteado da Beyonce. Isso foi tudo que a
porra da aterrissagem na Luamereceu. O que poderia ter sido uma maior manchete aquela semana? Ceausescu dirigindo um Dacia 1100, é claro!
É como se um Cadillac defecasse um Datsun.
Sim, era a estreia do novíssimo modelo Dacia 1100, e o próprio Ceausescu foi até a fábrica inspecionar o primeiro produzido. Todo aquele negócio da Lua teve tanta atenção quanto um pequeno incêndio na loja de pornôs local teria em um jornal americano atual. Os noticiários daquela semana ignoraram completamente a humanidade colocando o pé em solo extraterrestre pela primeira vez, em prol de um homem fingindo dirigir um carro que provavelmente pegaria fogo se ele desse realmente a partida.
#1. Haviam imitações comunistas “de Marca” de Tudo
Não foi apenas entretenimento estrangeiro que Ceausescu baniu – foi tudo de origem estrangeira. Se não fosse feito por mãos comunistas, não teríamos. Sem bananas, sem cigarros Marlboro, sem camisinhas, sem nada (embora tívessemos laranjas, também conhecidas como “a Dallas do reino das frutas”, por razões que nunca foram completamente explicadas).
Mas hey, infância não faz muito sentido para qualquer um.
Tudo não foi apenas banido, mas trocado por
genéricos comunista de baixa qualidade. Café, por exemplo, foi condenado como um luxo muito grande para nós camponeses. Bebíamos
Nechezol, uma lavagem sem cafeína que era uma parte café e 20 partes lama de sarjeta congelada. Cozinhávamos com óleo
fake feito de soja não-refinada, comíamos queijo
fake artificialmente remexido com farinha (provavelmente
fake), e bebíamos o que eu suspeito que fosse urina do demônio diluída homeopaticamente que chamavam de
Cil-Cola. Carne? Esqueça. Se tínhamos algo parecido com isso, tínhamos as
dregs, algo tipo garras de galinha, pernas que eram nada além de pele e osso, e salame feito de farinha de ossos. Mmm, você consegue sentir o gosto dos ossos! E sentí-los. Quebrando seus dentes.
Felizmente, a farinha de ossos serve como um bom creme para seu café de mentira.
O Papai Noel também foi banido. Um cara gordo e feliz que traz presentes opulentos para as crianças boazinhas? Soa como uma capitalista corporativista para mim! Mas temos que dar crédito ao governo, eles não se recusaram abertamente a deixar nós, crianças pobres, celebrarem. Não, ainda tínhamos o dia dos presentes, trazido para nós por um homem sisudo vestindo calças compridas e roupão de banho:
Esse é o
Mos Gerila. Ele era magro, triste e sisudo, e aparecia em 30 de Dezembro. Quatro dias depois do Papai Noel, mas ao menos seus presentes eram muito, mas muito piores.
// Tradução de Robson Silva. Revisão de Russ Silva e Ivanildo Terceiro. |
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