sábado, 18 de fevereiro de 2017

O sacerdote



by Ziraldo

Sempre fui palpiteiro. Só virei mesmo um aspite profissional de uns tempos para cá. Aspite, vocês sabem, é o nome correto para a profissão de assessor de palpite. É um neologismo, como o famoso aspone que o Carlinhos de Oliveira criou e que já está registrado no dicionário do Houaiss.

A diferença entre aspone e aspite é que a profissão do segundo não é remunerada. Continuando, apesar disso, minha brilhante carreira, pretendo, hoje, dar um palpitão da maior importância.
Antes, porém, para que vocês vejam que meus palpites têm fundamento " recomendo a leitura de um livro que está na praça chamado "O Aspite" " quero lembrar alguns deles, os de maior impacto, ainda que de pequena eficiência, pois nunca funcionaram como eu sonhava.

Um pouco antes do fim da censura geral no Brasil, no começo da abertura do Geisel, o Fernando Barbosa Lima estreou na TV Tupi, para todo o território nacional, um programa chamado, justamente, "Abertura". Aproveitei o espaço que ele abriu para mim e danei a dar palpites.

O primeiro, me lembro, foi para sugerir a criação da Piscobrás. Seria uma empresa estatal (como a Petrobrás) só para cuidar da criação nacional de peixes na Amazônia " tambaqui, tucunaré e pirarucu " que poderiam alimentar o Brasil inteiro, com muito mais proteínas do que o melhor filé de boi.
(Pirarucu é um bacalhau que não precisa de heroísmo português para chegar à nossa mesa " é, inclusive, muito mais macio " e tambaqui dá até pra fazer churrasco ao ar livre. E com uma vantagem a mais: peixe não precisa de pasto, não morre na enchente nem pega aftosa!)

O outro palpite foi o de mandar todo mundo plantar flores. Onde tem flor, ninguém joga lixo. Viajando pelo mundo, a gente descobre que o hino brasileiro mente quando diz que nossos bosques têm mais flores.Primeiro: não temos nem bosques, temos capoeiras e grotões; segundo: flor, a gente só tem a buganvile que, aqui, nasce como mato.O Brasil podia estar todo coberto de buganviles, de todas as cores, que não precisa nem de ser aguada. Vai passear na África do Sul pra você ver o que é um país florido.

Da cidade do Cabo até Elizabethville tem uma estrada parecida com a avenida Niemeyer " só que ao contrário: o mar fica à direita de quem vai " que, no lado da pedra, durante mais de cem quilômetros, não tem um centímetro sequer, sem flor. Flor não cobra pra nascer.A gente podia florir este país todo se tivesse um pouquinho de gosto. Ah, sim: este palpite até que funcionou: o prefeito de Brasília " como é que ele se chama" " resolveu fazer Brasília parecer com Orlando, na Flórida. Há mais flor em Brasília do que em 200 Belorizontes.

Outro palpite. Foi o do macarrão vitaminado. Vi, um dia, na televisão, uma mulher de rua fazendo sopa de papelão para os filhos: "O papelão engrossa o caldo." " ela explicou.
Aí, falei: macarrão se cozinha até com jornal; se o caminhão cair na estrada, aproveita-se tudo; se não cozinhar, pode-se comer cru; se passar do ponto, vira angu; se der caruncho, não tem problema, caruncho é pura vitamina C.
Por que o governo não inventa um macarrão vitaminado e enche a barriga do brasileiro de macarrão vitaminado" " foi o que pensei. O presidente era o Itamar, meu amigo e conterrâneo, aí, mandou me chamar.

Fui para Brasília com o Betinho e fizemos um vasto banquete de macarrões vitaminados com os burocratas do governo que eram responsáveis diretos pela questão da fome.Com toda a aprovação do Betinho, derrubaram a minha tese de amador. Imagina: dar palpite numa área de especialistas! E inventaram ainda que eu estava a serviço da Rhodia, que fabricava a vitamina. Só tivemos um ganho: o governo incluiu o macarrão na cesta básica, onde ele ainda não tinha entrado.Aliás, não sei se tiraram o feijão da cesta. Feijão demora dois dias pra cozinhar, gasta carvão, lenha ou gás: não é comida de pobre, vocês tinham notado".

O outro palpite que também causou alguma discussão foi o da Criação do Serviço Nacional da Perereca. Ou da mobía, como querem alguns.Metade das enxaquecas brasileiras, grande parte do aspecto doentio de nosso povo, das dores nas juntas, das artrites, da preguiça e do encosto, meus amigos, é o foco dentário!Quando eu era menino, achava que tinha raça humana com dente branco e raça humana com dente preto, tantas eram as gigantescas cáries da população de minha pobre cidade. Ni que arrancaram todos os dentes de um tio encostado que eu tinha, ele virou derrubador.

Derrubador é aquele cara que cobrava dez mil réis pra acabar com uma capoeira em uma semana com um machado só, de tanta saúde que tinha. Acabemos com o foco dentário que a gente resolve metade dos problemas de saúde deste país.Vocês podem dizer que esta é uma idéia cruel, mas acho que o incômodo de uma dentadura, é muito menor do que uma alimentação diária de pus, que é o que o foco dentário fornece ao organismo do brasileiro.

Cheguei a ser convidado por dentistas para falar sobre isto. Mas vieram com as contra-partidas: dentadura também faz mal à vida. A minha pergunta é: na mesma medida que faz um dente podre" E outra pergunta: dá tempo de tratar canal de cem milhões de brasileiros"

Bom, teve mais um monte " na área de educação, então, nem eu mesmo güento " mas, os que citei, me parecem, foram os mais notórios. Agora, vamos ao meu derradeiro " até agora " e mais importante palpite. É o seguinte: eleitor, brasileiro, para o novo Congresso de seu país, não reeleja ninguém!!!
Não dê seu voto a ninguém que já esteja neste Congresso que está aí. Renove todo mundo! Ah " alguém dirá ", mas tem muita gente boa no Congresso. É verdade, mas são muito poucos. Vamos ter que ter uma visão bíblica: sofram os justos pelos pecadores.

Os 20 ou 30 sujeitos sérios, amantes da pátria, verdadeiros sacerdotes da ação política, tão necessária à felicidade de uma Nação, vão me desculpar, mas temos que ser drásticos diante de um país que chegou ao estágio de degradação política a que chegamos.E acrescento mais: não votem em branco. Pelo amor de Deus! Votar em branco não é protestar. É fugir da responsabilidade cívica que temos, cada um de nós. O voto em branco favorece o candidato fisiológico, o que compra voto, o candidato de sempre. Olha: eu exagerei!!!

Esqueçam a Bíblia: tem gente no Congresso que merece ficar: os intransigentes, os verdadeiros. Procurem saber quem são eles. Estão nos pequenos partidos que não se vendem " poucos " e têm feito do seu mandato, uma verdadeira missão.Ser deputado é uma escolha: sua vida é dura e feita de renúncias! O deputado verdadeiro tem que ser um sacerdote!

Biografia de Ziraldo


Ziraldo (1932) é um cartunista, desenhista, jornalista, cronista, chargista, pintor e dramaturgo brasileiro. É o criador do personagem de quadrinhos infantil “O Menino Maluquinho”. Foi um dos fundadores da revista humorística “O Pasquim”.

Ziraldo Alves Pinto nasceu em Caratinga, Minas Gerais, no dia 24 de outubro de 1932. Seu nome vem da combinação dos nomes de sua mãe, Zizinha e o de seu pai Geraldo. Desde criança já mostrava seu talento para o desenho. Com seis anos teve um desenho seu publicado no jornal Folha de Minas.

Ziraldo estudou no Grupo Escolar Princesa Isabel. Em 1949 foi com a avó para o Rio de Janeiro, onde estudou por dois anos no MABE (Moderna Associação de Ensino). Em 1950 retornou para Caratinga e concluiu o científico no Colégio Nossa Senhora das Graças.
Carreira

A carreira de Ziraldo começou na revista “Era Uma Vez”, quando fazia colaborações mensais. Em 1954, começou a trabalhar no jornal “Folha da Manhã” (hoje Folha de S. Paulo), desenhando em uma coluna de humor.

Em 1957 foi para a revista O Cruzeiro, publicação de grande prestígio na época. Nesse mesmo ano, formou-se em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. Em 1958, casou-se com Vilma Gontijo. Com quem teve três filhos, Daniela, Antônio e Fabrízia.

Em outubro de 1960, Ziraldo lançou a primeira revista brasileira de quadrinhos e colorida, de um só autor, intitulada “Pererê”. As histórias da revista já vinham sendo publicadas em cartuns nas páginas da revista O Cruzeiro, desde 1959.

As histórias se passavam na floresta fictícia “Mata do Fundão”. A publicação da revista durou até abril de 1964, quando foi suspensa pelo regime militar. Em 1975, a revista foi relançada com o nome de “A Turma do Pererê”, mas só durou um ano.


Em 1963, Ziraldo ingressou no Jornal do Brasil. Nessa época, em plena ditadura militar, lançou os personagens “Supermãe”, “Mineirinho” e “Jeremias, o Bom”, homem atencioso, elegante, vestido com terno e gravata e que estava sempre disposto a ajudar os outros. O personagem marcou as charges fazendo críticas os costumes e o comportamento da época.



Em 22 de junho de1969, foi lançado o semanário “O Pasquim”, um tabloide de humor e de oposição ao regime militar, que renovou a linguagem jornalística, do qual participavam diversas personalidades importantes, como os cartunistas Jaguar e Henfil, os jornalistas Tarso de Castro e Ziraldo, entre outros.

Em novembro de 1970, toda a redação do jornal foi presa depois da publicação de uma sátira do célebre quadro do Dom Pedro às margens do Rio Ipiranga. A publicação, que fazia muito sucesso, circulou até 11 de novembro de 1991.

Em 1969, Ziraldo lançou seu primeiro livro infantil “Flicts”, que relata a história de uma cor que não encontrava seu lugar no mundo. Nesse livro usou o máximo de cores e o mínimo de palavras. Nesse mesmo ano, recebeu o Prêmio Nobel Internacional do Humor, no 32.º, no Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas.

Em 1980, Ziraldo lançou o livro "O Menino Maluquinho" um dos maiores fenômenos editoriais no Brasil. O menino maluquinho é uma criança, que vive com uma panela na cabeça, é alegre, sapeca, cheio de imaginação e que adora aprontar e viver aventuras com os amigos.

Em 1981, o livro recebeu o "Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro". Em 1989, começou a publicação da revista e das tirinhas em quadrinhos do personagem. A obra serviu de inspiração para adaptações no o teatro, televisão, quadrinhos, videogames e cinema.



As obras de Ziraldo já foram traduzidas para diversos idiomas e publicadas em revistas conhecidas internacionalmente, como a inglesa "Private Eye", a francesa "Plexus" e a americana "Mad". Em 2004, Ziraldo ganhou, com o livro "Flicts," o "Prêmio Internacional Hans Christian Andersen". Em 2008, Ziraldo recebeu o "VI Prêmio Ibero Americano de Humor Gráfico Quevedos".

Em 2009, foi lançado o livro “Ziraldo em Cartaz”, que reúne cerca de 300 ilustrações para peças elaboradas pelo cartunista. Em 2016, Ziraldo recebeu a Medalha de Honra da Universidade Federal de Minas Gerais.

    Obras de Ziraldo
  • Flicts (1969)
  • Jeremias, o Bom (1969)
  • O Planeta Lilás (1979)
  • O Menino Maluquinho (1980)
  • A Bela Borboleta (1980)
  • O Bichinho da Maçã (1982)
  • O Joelho Juvenil (1983)
  • Os Dez Amigos (1983)
  • O Menino Mais Bonito (1983)
  • O Pequeno Planeta Perdido (1985)
  • O Menino Marrom (1986)
  • O Bicho Que Queria Crescer (1991)
  • Este Mundo é Uma Bola (1991)
  • Um Amor de Família (1991)
  • Cada Um Mora Onde Pode (1991)
  • Vovó Delícia (1997)
  • A Fazenda Maluca (2001)
  • A Menina Nina (2002)
  • As Cores e os Dias da Semana (2002)
  • Os Meninos Morenos (2004)
  • O Menino da Lua (2006)
  • Uma Menina Chamada Julieta (2009)
  • O Menino da Terra (2010)
  • Diário de Julieta (2012)

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