Os silêncios de Robin Williams
Nas entrevistas, a fala dele era uma tempestade de vozes, sotaques e personalidades – seguida por momentos perturbadores de vazio e calmaria
ANA MARIA BAHIANA, DE LOS ANGELES
15/08/2014
O que assustava em Robin Williams eram os silêncios. Eles vinham de repente, depois de uma saraivada frenética de ideias, palavras e imitações, presas umas às outras por livre associação, pontuadas por vozes diferentes, idiomas diferentes, sotaques diferentes. No tempo que daria para encher um parágrafo de texto, Williams pulava do inglês para o francês, para o alemão, para o espanhol. Transformava-se num motorista de táxi de Nova Jersey, numa garotinha de jardim de infância, num entediado crítico gastronômico, num professor de Oxford. Descrevia uma refeição memorável num bistrô de Paris, sua reação ao ver o filme Doutor Jivago pela primeira vez, como a dramaturgia de Brecht podia mudar a visão de mundo de um ator e como eram os bailinhos com garotas no internato só de meninos onde passara sua infância. “Eu me sentia como Quasímodo numa delicatéssen.”
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E aí, de repente, vinham os silêncios. Williams rangia silenciosamente os dentes, a mandíbula exterior levemente estendida, o olhar perdido nalgum ponto distante além da interlocutora, além da sala, além do prédio, além.
Como a visão retrospectiva é sempre perfeita, é fácil hoje definir esse silêncio como triste, tristíssimo, desesperadoramente triste. No momento, a sensação que se tinha era de susto, desconforto. Parecia que o brinquedo quebrara, que a presença da interlocutora não era mais bem-vinda, ou que algo absolutamente grave e bizarro acontecera. No começo, eu achava a sensação semelhante à breve calmaria que se segue a uma série de ondas grandes e violentas. Hoje, a acho mais próxima da vazante extrema que anuncia um tsunami. Hoje, sei também que, nesses silêncios, vivia a coisa mais parecida com o “verdadeiro Robin Williams” que eu jamais veria.
E aí, de repente, vinham os silêncios. Williams rangia silenciosamente os dentes, a mandíbula exterior levemente estendida, o olhar perdido nalgum ponto distante além da interlocutora, além da sala, além do prédio, além.
Como a visão retrospectiva é sempre perfeita, é fácil hoje definir esse silêncio como triste, tristíssimo, desesperadoramente triste. No momento, a sensação que se tinha era de susto, desconforto. Parecia que o brinquedo quebrara, que a presença da interlocutora não era mais bem-vinda, ou que algo absolutamente grave e bizarro acontecera. No começo, eu achava a sensação semelhante à breve calmaria que se segue a uma série de ondas grandes e violentas. Hoje, a acho mais próxima da vazante extrema que anuncia um tsunami. Hoje, sei também que, nesses silêncios, vivia a coisa mais parecida com o “verdadeiro Robin Williams” que eu jamais veria.
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Entrevistei Robin Williams pela primeira vez em dezembro de 1987. Estava em Los Angeles havia meros seis meses, e Robin lançava o filme Bom dia, Vietnã, que deflagrou sua trajetória como astro cinematográfico.
Com uma bela carreira na televisão desde o final da década de 1970, Williams começara a se deslocar para a tela grande com alguns filmes – o controvertido Popeye, de Robert Altman (1980), O mundo segundo Garp (1982) e Moscou em Nova York (1984). Este último, dirigido por Paul Mazursky, figura essencial do cinema independente americano, pôs Williams definitivamente na mira como ator, não apenas comediante. No papel de um artista de circo russo que decide abandonar a trupe em excursão pelos Estados Unidos e ficar em Nova York, Williams, nas palavras do ilustre crítico Roger Ebert, “desaparece tão inteiramente no personagem, com tantas nuances delicadas, divertidas e complicadas, que parece inteiramente plausível que ele seja russo mesmo”.
Entrevistei Robin Williams pela primeira vez em dezembro de 1987. Estava em Los Angeles havia meros seis meses, e Robin lançava o filme Bom dia, Vietnã, que deflagrou sua trajetória como astro cinematográfico.
Com uma bela carreira na televisão desde o final da década de 1970, Williams começara a se deslocar para a tela grande com alguns filmes – o controvertido Popeye, de Robert Altman (1980), O mundo segundo Garp (1982) e Moscou em Nova York (1984). Este último, dirigido por Paul Mazursky, figura essencial do cinema independente americano, pôs Williams definitivamente na mira como ator, não apenas comediante. No papel de um artista de circo russo que decide abandonar a trupe em excursão pelos Estados Unidos e ficar em Nova York, Williams, nas palavras do ilustre crítico Roger Ebert, “desaparece tão inteiramente no personagem, com tantas nuances delicadas, divertidas e complicadas, que parece inteiramente plausível que ele seja russo mesmo”.
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É bom lembrar que nessa época, para um ator, os mercados de televisão e cinema eram rigorosamente segregados. Fazer boa carreira num não era garantia de sucesso no outro, muito pelo contrário. Isso era ainda mais verdadeiro quando se tratava de comediantes. A geração de Williams, que inclui seu grande amigo e alma gêmea John Belushi, mais Eddie Murphy, Dan Aykroyd, Bill Murray e Tom Hanks, foi a vanguarda na derrubada dessas fronteiras.
É bom lembrar que nessa época, para um ator, os mercados de televisão e cinema eram rigorosamente segregados. Fazer boa carreira num não era garantia de sucesso no outro, muito pelo contrário. Isso era ainda mais verdadeiro quando se tratava de comediantes. A geração de Williams, que inclui seu grande amigo e alma gêmea John Belushi, mais Eddie Murphy, Dan Aykroyd, Bill Murray e Tom Hanks, foi a vanguarda na derrubada dessas fronteiras.
Na época, Williams estava no meio de uma de suas melhores fases: longe da bebida e da cocaína, os dois aliados que encontrara para combater um inimigo antigo, a depressão, o perverso combustível que impulsionava seu talento para o improviso. “É muito fácil para mim ser um monte de pessoas ao mesmo tempo – isso evita ao máximo que seja eu mesmo”, ele me diria, em 2002. Ele já escorregara de volta para a bebida, depois de meses difíceis e solitários filmando Insônia, de Christopher Nolan, no Alasca. Em 1987, Williams se definia como “feliz, muito feliz”. “Moro numa casa pequena em San Francisco, num bairro muito interessante, cheio de rapazes (Castro District, coração da comunidade gay). É uma casinha muito acolhedora e muito feliz.” As visitas semanais do filho Zachary, de seu primeiro casamento – cujo nascimento fora o estopim de sua sobriedade –, e as novas ofertas de trabalho eram uma fonte de felicidade, ele me disse. “Ter um filho faz com que você saia de si mesmo, veja as coisas em sua devida proporção, faz você se sentir – sei que parece meio sentimentaloide, mas é verdade – parte da família humana.”
E aí houve um silêncio.
Voltando a todos os meus encontros com Williams, aparecem, claros, o tema recorrente – a fuga de si mesmo – e as marés de fala ininterrupta, quase uma possessão, espirais maníacas de ideias perseguindo ideias. “Se realocarmos todos os gays dos Estados Unidos para o Canadá, nunca mais teremos a cerimônia dos Tonys. Ou dos Oscars.” “O homem nasce com dois cérebros, um na cabeça e outro no pênis. Infelizmente, só dá para oxigenar um de cada vez.” “Sou tão peludo que tenho medo de que um dia o pessoal do Peta (associação de proteção aos animais) me atire tinta numa estreia.” Frases como essas eram seguidas, subitamente, pelo silêncio.
Houve uma estranha espécie de clareza, em agosto de 1998, quando Williams divulgava o filme Amor além da vida, cujo tema central é a vida após a morte. Mais especificamente, o suicídio. “Meus filhos estão naquela idade em que me perguntam muito sobre a morte, sobre morrer. Querem saber se vovô estará esperando por eles lá do outro lado, se eu estarei esperando por eles… São perguntas difíceis, e percebo que elas me obrigam a criar uma visão minha sobre o assunto. Gostaria de que existisse um lugar pacífico onde pudesse me reencontrar com meu pai, com minha mãe, com meus amigos que se foram. Um lugar onde houvesse apenas paz.”