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Talvez não saibam quem foi Boris Berezovsky. Este homem acaba de morrer em Londres e continuamos sem saber se se suicidou ou se alguém o assassinou. Digamos que Boris Berezovsky foi uma das figuras mais ricas e influentes da Rússia antes do atual presidente Vladimir Putin chegar ao poder.
Oligarca, grande mestre de jogos políticos, "fazedor de presidentes", "padrinho do Kremlin", "Rasputin do Kremlin", "encarnação do Mal" – estes são apenas alguns dos apelidos que ele ganhou nas últimas décadas.
A sua morte caiu como uma bomba na Rússia e na Grã-Bretanha. O maior inimigo do atual presidente russo morreu, mas a polêmica sobre o que realmente aconteceu na manhã do último dia 23 de março, nos arredores de Londres, onde vivia exilado, continua dia após dia: são várias as versões da sua morte e poucas as informações fornecidas pela polícia britânica.
Uma vida excepcional
Boris Berezovsky, de origem judaica, conseguiu, durante a presidência de Yeltsin, nos anos 90, ditar as suas regras do jogo quer na Rússia, quer nos países pós-soviéticos. Ele foi um dos primeiros capitalistas russos a fazer uma enorme fortuna com a promiscuidade entre a política e os negócios. São muitos os que dizem que Boris Yeltsin só conseguiu ser reeleito em 1996 graças ao oligarca. Também teria sido precisamente ele quem sugeriu o atual presidente russo como "sucessor" de Yeltsin. No fim dos anos 90, Boris Berezovsky era um dos maiores magnatas da mídia na CEI e sabia que o controle da imprensa lhe trazia dinheiro e poder.
Só que, em 2000, o atual presidente russo iniciou uma guerra aos oligarcas. Boris Berezovsky, tal como muitos outros, fugiu para Londres, onde obteve o estatuto de refugiado político, se tornando no maior crítico e inimigo do Kremlin.
A sua morte tem provocado inúmeras especulações.
Antes de analisar as versões sobre as causas da morte, vejamos alguns fatos sobre o que aconteceu nesse dia e alguns dias antes.
Uma morte insólita
O empresário foi encontrado morto no sábado de manhã às 9:30 na mansão de Ascot onde vivia, pertencente à sua ex-mulher, no banheiro, que estava fechado por dentro. Segundo a polícia, não havia sinais de violência e Berezovsky tinha um pedaço de tecido à volta do pescoço, havendo outro pedaço na haste do chuveiro. A única testemunha foi o guarda-costas, um ex-veterano da Mossad, que encontrou o corpo por volta das 15:00, altura em que chegou à casa. Todos os outros guarda-costas haviam sido dispensados por Berozovsky algumas semanas antes. Não havia qualquer carta de despedida, não tendo a polícia encontrado vestígios de quaisquer pessoas estranhas em casa. A câmera de vigilância do local também não registrou ninguém suspeito a sair ou entrar na casa. Segundo diversas fontes, o oligarca estaria deprimido por ter perdido recentemente diversos processos judiciais e teria dificuldades financeiras.
Tudo aponta para uma tese de suicídio. Mas teria sido isso mesmo que aconteceu?
O mais interessante nisto tudo é que, logo a seguir à morte, as autoridades russas anunciaram que Boris Berezovsky teria, há alguns meses, escrito uma carta a Vladimir Putin, onde se desculpava pelos erros antigos e pedia autorização para regressar à Rússia.
Embora a última namorada do oligarca, Katerina Sabirova, de 23 anos, tenha confirmado o envio da carta, o assessor de imprensa do presidente russo, Dmitri Peskov, já disse que a esta nunca será publicada, o que leva muitos a pôr em dúvida a sua existência.
A própria filha de Berezovsky, Lisa, nega veementemente que o pai tenha escrito tal carta, "porque isso seria totalmente o contrário do que ele fez a vida toda. Seria a última coisa que ele faria".
Suicídio ou assassinato?
Digamos que a opinião pública se divide em dois campos: os que acreditam no seu suicídio e os que julgam que possa ter sido assassinado.
Há até quem diga que o oligarca possa ter repetido o destino de Alexander Litvinenko, alegadamente morto com polônio radioativo por alguém ligado aos serviços secretos russos.
A ideia principal que pretendemos tratar é que Boris Berezovsky nem se suicidou nem foi assassinado. O oligarca pode ter encenado a sua morte, com o conhecimento dos serviços secretos ingleses, porque era a única saída vantajosa para ele.
Todos os elementos do enorme puzzle que a imprensa russa e inglesa nos faz chegar diariamente desde sábado se conjugam para este final lógico: só uma morte encenada está psicologicamente de acordo com a personalidade de Berezovsky e com os seus atos nas últimas semanas. Afirmando-se "cansado", só uma "morte" encenada lhe permitiria resolver todos os seus problemas jurídicos, financeiros e o deixaria viver em paz.
Vejamos os fatos que se conjugam com uma morte
encenada e não se conjugam com as outras versões.
Primeiro, de acordo com a última namorada, Ekaterina Sabirova, ele nunca falou de suicídio mas disse um dia: "Imagina, se eu deixar de existir, todos os problemas desaparecerão logo". Mesmo assim, ela afirma que não entendeu estas palavras como desejo de suicídio. Para além disso, todos os amigos e pessoas próximas, conhecendo-o bem, são unânimes em não acreditar que se tenha suicidado. Na véspera ele passou o dia a falar ao telefone, combinou com Ekaterina encontrar-se com ela em Tel-Aviv, deu indicações para marcação de hotel, conversações de negócios, etc.
Nessas conversas telefônicas, os amigos afirmam ouvir um Berezovsky enérgico, cheio de entusiasmo, com planos para o futuro.
Boris Berezovsky teve pelo menos dois encontros com jornalistas nos últimos dias antes da "morte", o que não é compatível com uma pessoa com depressão grave. Na última, apenas algumas horas antes de "morrer", ele afirma-se cansado da política e diz que gostaria de voltar ao país de origem. Parece pois, que não desejava continuar o seu combate contra a Rússia.
A tese de assassinato, seja por alguém ligado aos serviços secretos, seja por algum dos seus inúmeros inimigos no meio empresarial, não encontra nada concreto que a suporte: a polícia britânica, depois de detalhada investigação do local, afirmou não haver sinais de violência e não apresentou quaisquer dados ou provas compatíveis com assassinato.
Alguns meses antes da "morte", entre outubro de 2012 e março deste ano, a companhia de investimento Salford Capital Partners liquidou as empresas offshore de Boris Berezovsky, o que pode ter proporcionado ao oligarca 300 milhões de dólares. Este fato não é muito compatível com a tese de suicídio devido a dificuldades financeiras.
Berezovsky tinha de fato problemas nos tribunais ingleses: ele não chegou a entregar aos investigadores britânicos as suas declarações sobre o processo de Alexander Litvinenko, morto em Londres em 2006 e seu antigo colaborador. Neste processo devia ser analisada a sua implicação na morte de Litvinenko. O juiz havia recomendado que Berezovsky entregasse as suas declarações por escrito até ao dia 22 de março. No dia seguinte, Berezovsky "morreu". Convenhamos que a "morte" foi uma forma muito oportuna de resolver o problema.
Relações com os serviços secretos ingleses
Eram do conhecimento público as relações estreitas de Berezovsky com os serviços secretos ingleses. Ora estes não teriam interesse na morte do oligarca, nem o deixariam facilmente regressar à Rússia, uma vez que ele dispunha de muita informação confidencial sobre diversas figuras da atual elite política e empresarial russa, bem como sobre muitos processos ocorridos durante as "revoluções de veludo" na CEI, que ele financiou. Pelo contrário, foram as autoridades inglesas que há alguns anos lhe deram uma nova identidade (Platon Lebedev), pela qual é conhecido nos tribunais ingleses e com base na qual chegou a visitar a Geórgia e outros países da CEI, não obstante a Rússia fazer tudo para a sua extradição. Seria difícil ao MI-6 simular a morte de Berezovky, proporcionar-lhe uma nova identidade em troca de informação sensível sobre a Rússia? Não seria naturalmente difícil, bem como "orientar" a investigação da polícia britânica no sentido pretendido.
Onde está a foto?
O argumento mais curioso desta versão é o comportamento lacônico e contraditório da polícia inglesa: NÃO há ainda qualquer foto do falecido, as autoridades não falam com os jornalistas, remetendo-os para breves informações no site da entidade.
Ao que tudo indica, Boris Berezovsky, considerado culpado de fraude na Rússia e condenado à revelia a muitos anos de prisão, pode até ter escrito alguma carta ao presidente russo mas quase de certeza que não lhe pediu perdão porque sabia o que o esperava se voltasse a Moscou. Como escreveu um jornalista, "só idiotas podem acreditar no arrependimento de Bererzovsky". Não julgo que serviços secretos russos tenham tido ligação à sua "morte", uma vez que a atividade política do empresário em Londres tinha diminuído ultimamente e já não representava perigo para Moscou, especialmente depois de ter perdido em Londres um grande processo judicial contra Roman Abramovich. Berezovsky tinha até declarado a sua desilusão com os políticos ocidentais, que não entenderam as suas ações para "desmascarar Putin" e continuavam a apertar a mão ao presidente russo.
Por fim, Berezovsky tinha uma característica que muitos sublinham: ele era (ou é) um jogador nato, fazia as suas combinações financeiras e políticas não por desejo de dinheiro e poder mas porque gostava do jogo. Nunca poderia ele ter reconhecido o seu fracasso. Num dos últimos programas da TV russa sobre a sua "morte", programa no qual aliás também participou Andrei Lugovoi, alegado autor de envenenamento de Alexander Litvinenko, há um adjetivo aplicado a Berezovsky que é repetido por quase todos os intervenientes: grande mistificador.
Há poucos dias, a filha mais velha de Berezovsky, Lisa, disse em Londres, onde também reside, estar certa de que o pai "deixou algumas surpresas, que deixarão todos estupefatos".
O grande mistificador pode ter simulado a sua morte como a última cartada de um jogador cansado, mas não vencido.
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4.04.2013, 15:27, hora de Moscou