Luiz Peres Neto, da ESPM, explica como os influencers com até 10 mil seguidores ficam abaixo do radar das plataformas quando contribuem para desinformação.
Ilustração: Amanda Jungles/The Intercept Brasil; Getty Images
MENSAGENS DA AUDIÊNCIA denunciando nano influenciadores propagadores de fake news sobre a covid-19 se tornaram frequentes entre as sugestões de pauta enviadas ao Intercept Brasil. Instigada pela recorrência do assunto em minha caixa de e-mail, comecei a pesquisar o tema.
Descobri que, em 2018, o New York Times e o Guardian já haviam publicado matérias que discutiam o poder e a importância dos nano influencers. Em linhas gerais, o Marketing Digital os define como pessoas que têm entre 1 mil e 10 mil seguidores.
Em 2020, a plataforma global de marketing de mídia social Socialbakers apontou que, impulsionados pela pandemia, os nano e micro influenciadores despontaram como recursos de alto valor nas ações digitais e apresentaram alto impacto sem cobrar as grandes somas pedidas pelos macro e mega influencers.
As fake news se confundem com a história da humanidade. Existentes desde a Roma Antiga — segundo o livro “Fake news de la Antigua Roma: engaños, propaganda y mentiras de hace 2000 años”, do arqueólogo Néstor F. Marqués —, elas se popularizaram com Donald Trump durante as eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos. O termo acabou eleito, em 2017, a Palavra do Ano pelo Dicionário Collins.
Por suas pesquisas e seus artigos voltados à comunicação, à ética, à liberdade de expressão, à privacidade digital e ao discurso de ódio, o professor Luiz Peres Neto me pareceu a melhor a fonte para aplacar as inquietações do nosso público.
Neto é professor do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, e da Universidade de Girona, na Espanha, onde mora atualmente. Ele concedeu a entrevista abaixo via Zoom.
Intercept – No atual contexto, por que os nano influenciadores que espalham fake news sobre a covid-19 são perigosos?
Luiz Peres Neto – Essa é uma pergunta muito difícil de responder de uma maneira direta. Eles costumam trabalhar muito com a capilaridade. Esse é um primeiro diagnóstico que precisamos pensar para falar sobre o papel dos nano influenciadores.
Segundo a própria dinâmica das redes, a necessidade daqueles que alçam as posições de influencers é interagir e alimentar uma relação com os seus seguidores. Portanto, eles fazem parte de uma grande cadeia e de uma grande disputa por vozes. Isso acontece no mundo todo, não apenas no Brasil.
‘Esses nano influenciadores têm uma relação de proximidade, que facilita a legitimação de discursos’.
Há 20 anos, pensávamos que a internet seria transformadora porque potencializaria, de alguma maneira, as vozes marginalizadas. Isso aconteceu, mas não da maneira que imaginávamos. Na verdade, a internet não é igual em termos de poder, os nós são desiguais.
Esses nano influenciadores são parte dessas estruturas desiguais. Por isso, para acertar um determinado nicho, eles, muitas vezes, acabam reproduzindo as opiniões que entendem que suas respectivas audiências querem ver validadas.
A ideia dessa relação entre influenciadores e seguidores é quase que possessiva. É sobre a minha audiência, como interajo com ela. Isso ganha uma dimensão quase religiosa. O próprio termo seguidor revela muito dessa lógica.
Por causa dessa desigualdade estrutural da internet e por terem poucos seguidores, muita gente crê que os nano influenciadores não são perigosos, que devem ser ignorados. Podemos fazer isso?
Não podemos. Eles são perigosos, pois legitimam as mensagens. Quando você segue uma pessoa, é por que você entende que ela tem algo a lhe dizer. É um discurso a ser escutado, é um discurso legítimo. É um vínculo. Ou seja, esses influenciadores têm um lugar de fala.
Por exemplo, meu tio de Lins, no interior de São Paulo, por uma relação de confiança e de proximidade, acredita nos influenciadores que segue nas redes sociais. Para ele, o discurso que vem dessas fontes é legítimo e mais importante que um discurso, por exemplo, científico, que vem de outras fontes, que são distantes dele.
Esses nano influenciadores têm uma relação de proximidade, que facilita a legitimação de discursos. Principalmente, quando têm discursos similares ao que a audiência gostaria que fosse verdade.
De onde vem isso?
Eles herdaram a cultura de comunidade lá do começo da Web 2.0, das comunidades no Orkut, dos grupos no Facebook, entre outros. Por exemplo, qual era a preocupação do cara que era criador de uma comunidade no Orkut? Era cuidar do rebanho mesmo. Ele criava aquela comunidade, atraía as pessoas e cuidava daquele quinhão da internet que entendia que era dele.
Os nano influenciadores têm muito disso. Pois, dali, eles vão construir possibilidades de ganhar alguns trocados, reputação, aparecer, de ter visibilidade, de lacrar, de fazer com que as suas opiniões ressoem. É uma construção que mistura vínculos pessoais, de afeto — afeto no sentido de afetação — e de interesse mútuo.
Do lado dos seguidores, temos que falar sob a perspectiva de uso e gratificações. Por exemplo, eles podem pensar: o que esse influencer vai me dar?, vai me entreter?, vai me abrir os meus olhos para alguma coisa?, vai me dar algo?
Luiz Peres Neto é professor da ESPM e da Universidade de Girona. Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal
E no recorte da covid-19 e fake news, qual o impacto que eles causam em seus seguidores?
É um paradoxo. Enquanto esses nano influenciadores apresentam um risco para a credibilidade das plataformas porque estão espalhando informação errada, fake news, etc, a presença deles alimenta os ganhos das mesmas.
Para tentar resolver a questão, as plataformas começaram a etiquetar informações e remetê-las às fontes institucionais. Sob a perspectiva do Vale do Silício, isso é tranquilo. Por mais que Trump tenha tentado e levado tudo ao extremo, os Estados Unidos são um país onde as instituições são fortes.
No entanto, há países onde elas são débeis. Por exemplo, no Brasil, se um médico manda, em uma rede social, nebulizar cloroquina para salvar pacientes, e a referência que a plataforma coloca é a do Ministério da Saúde, temos um problema, pois esse órgão já reforçou o uso da cloroquina.
Dessa forma, o propagador de fake news sai legitimado. Por quê? As diretrizes do próprio Ministério da Saúde começam a ser questionadas. E os seguidores pensam: “esse cara, que é médico e está perto de mim, deve saber alguma coisa”. Com a proximidade, o discurso dele é muito mais legítimo do que o outro, que está longe.
Na atual conjuntura, vira e mexe, as big techs lançam campanhas e ações contra as fake news relacionadas à covid-19. Apesar disso, os nano influenciadores saem ilesos. Você poderia explicar por que eles não são atingidos?
Porque essas soluções são pouco eficazes para essa categoria de influenciador. Vamos usar uma peneira como metáfora. Se eu tiver uma piscina e passar a peneira para limpar a água, só vou limpar a superfície. Eu não conseguirei limpar o fundo. Com ela, só poderei limpar o que é mais evidente.
A partir dessa metáfora, vemos que as medidas adotadas pelas plataformas são soluções que só controlam o que está na superfície. O que está nas profundezas permanece com as mesmas dinâmicas e passa, muitas vezes, despercebido. Por isso, esses nano influenciadores podem, sem que percebamos, impactar, proporcionalmente, um grande número de pessoas.
De acordo com o site StatCounter, as redes sociais mais acessadas no Brasil, neste momento, são o Facebook, o Pinterest, o YouTube, o Twitter, o Instagram e o Tumblr. A partir disso, há como definir um padrão de como esses nano influenciadores ligados à covid e à fake news agem nessas redes sociais? Como o WhatsApp e o Telegram ficam nessa?
Nessa classificação que você passou, o WhatsApp não está entre os mais usados. Nesse aspecto, tem uma coisa que nunca podemos esquecer quando falamos do Brasil. No país, o acesso à internet se dá, basicamente, via celular. Então, esse é um fator que temos que colocar na mesa. Não só quais são as redes sociais mais acessadas, mas quais são as mais consumidas.
Nesse acesso mobile, grande parte do tráfego acontece nas redes que não consomem dados dos planos. Então, talvez, o número de acessos não seja a variável que mais explique o tempo de uso e consumo em uma determinada rede.
Acho que isso é o primeiro passo. As dinâmicas são muito diferentes, e os grupos de WhatsApp são um assunto à parte. Os nano influenciadores, que estamos falando, estão muito mais centrados nas plataformas do que, propriamente, nos grupos de WhatsApp, Telegram e outros aplicativos de troca de mensagem.
Em geral, tanto os das fake news quanto os outros, é isso?
Não, a indústria das fake news usa tudo e tem um poder muito forte com a utilização de bots e grupos de WhatsApp. Por mais que o WhatsApp tenha tentado limitar a rede de fake news no Brasil, ela foi estabelecida via esse comunicador instantâneo.
Se pensarmos em plataformas como o Instagram, o Twitter e o Facebook, esses nano influenciadores de fake news estão ali capitalizando a visibilidade deles, construindo, de alguma maneira, reputação. Esse trabalho não está sendo feito no WhatsApp porque ele não monetiza diretamente.
Outro ponto são alguns influenciadores que criam grupos privados no WhatsApp, mas isso é uma migração. Geralmente, eles usam prioritariamente uma plataforma — digamos, tradicional —, depois podem ter os subsidiários de mensagem instantânea.
No caso de encontrar um nano influenciador propagador de fake news ligadas à covid-19, o que os usuários comuns devem fazer?
Essa pergunta ninguém sabe responder. Sabemos que é uma coisa que está corroendo a democracia, corroendo a cidadania, que está corroendo os valores mais humanos que nos constituem como tal — que são a solidariedade, a empatia, o respeito pelo outro, a valorização da vida, entender a vida como bem-supremo.
‘Não temos controle sobre os algoritmos, eles não são auditáveis’.
Chegamos a um ponto que perdemos isso, e o comportamento desses nano influenciadores têm um papel fundamental nessa desconstrução, nessa corrosão do humano.
Nesse atual contexto de segmentação das audiências e dessas dinâmicas das redes, vejo pouco espaço para que nós, enquanto audiência, façamos algo.
Até porque as plataformas nos dão os limites da nossa ação. Por exemplo, o Facebook e o Twitter limitam o que vamos fazer, como podemos fazer e o alcance de nossas ações. Não conseguimos fazer nada fora da internet. Não estar nas plataformas é ser excluído do mundo digital. No entanto, ao mesmo tempo, estamos espremidos entre as dinâmicas que limitam muito o que podemos fazer e o que conseguimos ver.
Não temos controle sobre os algoritmos, eles não são auditáveis. Estamos submetidos a receber informações desses nano influenciadores e o que podemos fazer é checar de forma exaustiva.
Diante desse cenário desanimador, como identificá-los?
Primeiro, desconfiar de tudo. Segundo, resgatar uma coisa tão importante para o jornalismo e que, hoje em dia, nos é pouco cara, que é a questão da credibilidade. Sem credibilidade não se constrói nada. Para nós, audiência, vivemos a pior situação, porque a crise dos intermediários é evidente.
Nesse sentido, temos que entender e repensar o nosso estar nas redes. Por que estamos lá? O que queremos por lá? E refletir que nem toda informação é, necessariamente, verídica.
Com matérias publicadas no New York Times e no Guardian, o poder da nano influência voltado ao marketing está sendo discutido desde, pelo menos, 2018. No ano passado, levantamentos como o relatório do estado do marketing de influência da Socialbakers apontou 2020 como um ano bom para os nano influenciadores, ou seja, eles já fazem parte do nosso cotidiano. Nesse contexto, há como separar o joio do trigo?
Não há uma resposta para isso. Quem falar que sabe, mente. Precisamos dialogar para entender o que estamos fazendo com os meios digitais. Enquanto grupo, podemos investir em letramento digital, ou seja, saber se comunicar em diferentes situações no mundo online, saber encontrar informações e compreendê-las, saber selecionar o que é pertinente e avaliar a sua credibilidade.
E isso não tem nada a ver com formação universitária ou com formação intelectual. É trabalho transversal, que deve ser voltado a todos.
*Colaborou Ana Paula Carvalho.