Segundo pesquisadora que coordenou estudo, a concentração está entre as mais altas reportadas no mundo. Local é um dos principais pontos turísticos da capital, usado para banho, passeio e pescaria.
Por Caroline Borges, g1 SC
Pesquisadores da UFSC identificam até cocaína em água da Lagoa da Conceição
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2025/p/U/Iigy9iQAe8eYY7opx6IA/whatsapp-image-2025-02-13-at-13.00.18.jpeg)
Imagens aéreas mostram alagamento na Lagoa da Conceição, em Florianópolis
— Foto: Corpo de Bombeiros/ Divulgação
A Lagoa da Conceição, em Florianópolis, está contaminada com cocaína, e em concentrações que estão entre as mais altas reportadas no mundo, segundo pesquisa desenvolvida e divulgada pela Universidade Federal Santa Catarina (UFSC) nesta quinta-feira (13). O resultado impacta a fauna e flora locais (leia abaixo quais são os riscos).
Além da droga, o estudo encontrou cafeína, diferentes tipos de medicamentos antibióticos e analgésicos. Ao todo, foram 35 "contaminantes emergentes", nome dado às substâncias de uso diário, como cosméticos e produtos de higiene pessoal que são despejados na água.
Professora do departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFSC, Silvani Verruck explica que os índices de cocaína e da benzoilecgonina (principal metabólito da droga) na lagoa são "surpreendentes, mas esperados", já que as substâncias são liberadas pelos humanos na urina e fezes e foram encontradas em outras pesquisas, como a que achou os ilícitos em tubarões da Bacia de Santos. A pesquisa de Santa Catarina usou metodologia semelhante.
"São dados bastante expressivos. Claro, a pesquisa chamou a atenção por causa da cocaína, mas a gente tem um número muito grande de medicamentos, além de outros produtos, inclusive as drogas ilícitas, principalmente a cocaína e outros derivados.", disse.
Como eles chegaram na lagoa? Apesar do estudo não focar em como as substâncias chegaram ao local, a pesquisadora explica que uma possibilidade é o esgoto não tratado, o descarte ilegal direto na água, ou até mesmo de embarcações.
Procurada, a Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Capital afirmou que os "resultados refletem os impactos das atividades humanas sobre o meio ambiente". Já a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) disse que a condições acontecem por causa do "crescimento populacional e o descarte inadequado de esgoto" (leia íntegra da nota mais abaixo).
Os pesquisadores ainda não divulgaram os números e outros dados quantitativos sobre a droga e seus derivados, pois organizam outro artigo para publicação com os dados. A expectativa é de que o estudo seja publicado ainda neste ano.
Cafeína e remédios
O estudo mencionou ainda o encontro da cafeína em maior concentração, seguida pela ciprofloxacina, antibiótico utilizado em infecções causadas por bactérias. A clindamicina, outro antibiótico, e o diclofenaco também foram detectados. Para a professora, essas substâncias preocupam
"Nós temos algumas substâncias, os antibióticos, que acabam sendo bastante resistentes. É algo que nos chama a atenção porque muito provavelmente, em algumas concentrações, eles vão sim afetar a flora local, e fauna local, os peixes, siris", explicou.
Lagoa da Conceição, em Florianópolis, está contaminada com cocaína: dados 'surpreendentes, mas esperados' — Foto: Divulgação/PMF
Balneabilidade e risco de consumo
Em relação à balneabilidade, a pesquisadora explica que os contaminantes emergentes identificados na lagoa "não são considerados para o estabelecimento da qualidade de banho no locais". O Instituto do Meio Ambiente (IMA) avalia nove pontos do espaço semanalmente com base na concentração de coliformes fecais.
Na última avaliação, na sexta-feira (7), dois dos nove pontos estavam impróprios para o banho. Em resposta ao estudo, o IMA destacou que o trabalho de balneabilidade é diferente da pesquisa apresentada pela UFSC e que os critérios para nos locais segue o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) (leia nota na íntegra abaixo).
Em relação ao consumo, o estudo não mostrou risco do pescado da região. "Então, quanto a isso, o monitoramento contínuo seria o mais importante para seguir avaliando a segurança. Por ora, quanto aos contaminantes avaliados, o consumo humano é seguro", disse a pesquisadora.
Ambientalista em Florianópolis, o também professor da UFSC Paulo Horta explica que na prática, a pesquisa é um indicativo de que o "sistema de saneamento é ineficiente. Além destes contaminantes, temos metais pesados e outro xenobióticos, que fazem mal para a saúde da fauna e flora, e claro faz muito mal para a saúde de banhistas entre outros usuários".
Pesquisa
O estudo faz parte do Programa de Recuperação Ambiental proposto pela Casan como forma de compensar as consequências do desastre ambiental provocado após o rompimento da lagoa artificial de infiltração que recebe efluente tratado da Estação de Tratamento de Esgotos da região. Veja outras informações da pesquisa abaixo:
➡️ Início em a partir do início de 2021.
🗺️ Colaboração do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA);
📚 Publicada em 1º de fevereiro de 2025 na revista Science of the Total Environment;
💰 Financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa, Tecnologia e Inovação de SC (Fapesc);
👩🔬 🧑🔬 Integrantes: Alice Cristina da Silva; Luan Valdemiro Alves de Oliveira; Luan Amaral Alexandre, Mateus Rocha Ribas, Juliana Lemos Dal Pizzol, Gustavo Rocha, Jussara Kasuko Palmeiro, Maurício Perin, Maurício Perin, Rodrigo Hof, Silvani Verruck
As amostras foram coletadas em pontos estratégicos da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, considerando áreas próximas à estação de tratamento de esgoto, às áreas urbanizadas e às regiões de maior biodiversidade.
Busca por solução
O objetivo do estudo é avaliar o impacto ambiental no local, que é um espaço bastante urbano, além de apresentar iniciativas para mitigar ou resolver o problema no local. Por isso, em paralelo à análise o grupo desenvolveu e aperfeiçoa uma ferramenta mais eficiente para o tratamento da água.
O equipamento é chamado de "REACQUA", foi desenvolvido pela UFSC e usa um sistema de destilação de água a base de luz solar para reuso da água limpa.
"A gente fez alguns testes de remoção [das substâncias encontradas na água contaminada] e consegue ele [sistema REACQUA] consegue ir superbem. Só que claro, é um processo que a gente ainda está otimizando, pois ainda é lento. Agora, a gente quer destilar essa água em maior escala", explica a professora.
Doutorando Luan Valdemiro Alves de Oliveira, que participou da pesquisa, ao lado do sistema REACQUA — Foto: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC
O que diz a prefeitura de Florianópolis
A Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável informa que tomou conhecimento do estudo realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sobre a presença de contaminantes emergentes na Lagoa da Conceição e irá analisar os dados apresentados. A partir dessa avaliação, serão adotadas as providências cabíveis dentro da competência da Secretaria, em diálogo com os órgãos responsáveis pelo saneamento e pela preservação ambiental.
Os resultados refletem os impactos das atividades humanas sobre o meio ambiente. Reafirmamos nosso compromisso com a qualidade da água e a proteção do ecossistema local, além da importância do monitoramento contínuo e da busca por soluções para minimizar esses efeitos e promover um desenvolvimento mais sustentável.
O que diz a Casan
A CASAN informa que o efluente tratado na Estação de Tratamento de Esgoto da Lagoa da Conceição é destinado à Lagoa de Evapoinfiltração (LEI), não sendo lançado na Lagoa da Conceição. Os resultados apresentados pela UFSC não têm relação com o efluente tratado pela CASAN.
A Companhia destaca ainda, que neste ano divulgou o resultado do monitoramento feito ao longo de quatro anos. O acompanhamento foi iniciado após o acidente na encosta de dunas da LEI em janeiro de 2021, quando foram registrados 422,3 milímetros de chuva, enquanto o esperado era de 138,6 milímetros. Foram analisadas características físicas, químicas e microbiológicas de amostras de água salobra, de sedimento, da biota aquática (plâncton e bentos), além de toxicidade da água e sedimentos da Lagoa da Conceição.
Os resultados indicam que a qualidade da água varia entre as diferentes regiões da lagoa, e o acidente não deve ser considerado responsável por essas alterações, uma vez que a água da lagoa já se renovou pelo menos quatro vezes nesse período. As condições observadas são influenciadas, principalmente, por fatores como o crescimento populacional e o descarte inadequado de esgoto.
O que diz o IMA
A análise feita pelo IMA segue os critérios de balneabilidade em águas brasileiras, exigidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e tem o objetivo de informar aos banhistas os pontos considerados seguros, do ponto de vista sanitário, também serve para auxiliar os gestores municipais na área de saneamento básico, na tomada de decisões sustentáveis e em relação à necessidade de se investir em ações voltadas ao esgotamento sanitário, sejam elas estruturais ou estruturantes, preventivas ou corretivas.
Metodologia e legislação
As amostras são analisadas pelo método fluorogênico tendo como substrato o Colilert-18, conforme diretrizes do Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 24ª edição, Método 9223 B que consiste na quantificação dos coliformes totais e Escherichia coli. Conforme a Resolução Conama nº 274, de 29 de novembro de 2000, o ponto é considerado “PRÓPRIO” quando em 80% ou mais de um conjunto de amostras coletadas nas últimas 5 semanas anteriores, no mesmo local, houver no máximo 800 Escherichia coli por 100 mililitros. O ponto é considerado “IMPRÓPRIO” quando em mais de 20% de um conjunto de amostras coletadas nas últimas 5 semanas anteriores, no mesmo local, for superior a 800 Escherichia coli por 100 mililitros ou quando, na última coleta, o resultado for superior a 2000 Escherichia coli por 100 mililitros.
O monitoramento realizado pelo IMA considera, em especial, a qualidade sanitária das águas buscando informar aos usuários a propriedade ou impropriedade do ponto de vista sanitário.
Portanto, são análises e trabalhos diferentes.