Direito Penal
“Tudo me era interdito: ser filho de quem eu sou,
casar-me com quem me casei”(Édipo Rei – Sófocles)
A notícia de um relacionamento amoroso entre Monica Mares e Caleb Peterson, mãe e filho, no estado americano do Novo México, traz à tona um tabu de todas as sociedades: o incesto.
Ao contrário do que se imagina, há enorme variação nas sociedades, no que se refere à proibição de condutas. Há inúmeros comportamentos que, tidos em nossa sociedade como inaceitáveis, foram permitidos em outras sociedades. Vejam-se os exemplos do infanticídio e da castração. Em certas tribos indígenas no Brasil o infanticídio é algo socialmente aceito. Na Itália dos séculos XVI ao XIX, a castração era feita em adolescentes, para que cantassem como mulheres, que eram proibidas nos coros dos mosteiros. Para nós, as duas práticas soam como abomináveis.
O incesto é uma exceção, pois, na antropologia se reconhece a “quase universalidade do princípio da proibição do incesto” (Norbert Rouland).
Na mitologia grega, Édipo, cumprindo uma profecia, sem conhecer seus pais biológicos, mata o próprio pai, Laio, e se casa com Jocasta, sua mãe. Em Édipo Rei, Sófocles assim imortalizou o desespero do rei que, ao saber que praticara incesto e parricídio, arrancara os próprios olhos: “Mas ninguém mais me arrancou os olhos; fui eu mesmo! Desgraçado de mim! Para que ver, se já não poderia ver mais nada que fosse agradável a meus olhos?”
Baseado no mito grego, Freud descreveu o “complexo de Édipo”, que é, no menino, o sentimento de ódio em relação ao pai e o desejo sexual pela mãe. Tais sentimentos, no entanto, são socialmente reprováveis, razão pela qual, diz Freud, “a todo ser humano é imposta a tarefa de dominar o complexo de Édipo…”
Ocorre que, apesar da censura social, tal qual Jocasta e Édipo, Monica e Caleb, mãe e filho, vivem uma relação incestuosa. A diferença fundamental é que sabem.
A atração sexual foi despertada quando o jovem, que foi entregue a outra família quando nasceu, veio a conhecer sua mãe biológica, em dezembro de 2015. O relacionamento pode sujeitá-los à condenação penal.
Os sites jornalísticos informam que o incesto é crime em todos os Estados americanos.
E no Brasil, há crime de incesto?
Apesar de universalmente proibido, o fato é que no Brasil o incesto não é definido como crime. Há, não raro, relações incestuosas que configuram crime, como o pai que pratica ato sexual com a filha menor de 14 anos, ou o pai que constrange a filha maior de 14 anos, com violência ou ameaça, a ato sexual. Esses fatos configuram, respectivamente, o estupro de vulnerável (art. 217-A, CP), com pena de 8 a 15 anos de reclusão, e estupro (art. 213, CP), pena de 6 a 10 anos.
Porém, não é a circunstância de haver uma relação incestuosa que caracteriza o crime. No primeiro caso, o crime decorre da idade da vítima que, segundo a lei, não tem capacidade para decidir sobre questões sexuais, e, no segundo caso, do fato de haver uma relação sexual não consentida, a que foi obrigada a pessoa, mediante violência ou ameaça. O fato de se tratar de incesto, o autor sendo ascendente da vítima, apenas levará à majoração da pena, que sofrerá um acréscimo de metade (art. 226, II, CP).
É certo que o Código Civil proíbe o casamento entre ascendente e descendente, seja o parentesco natural ou civil (art. 1.521, I, CC), mas essa proibição apenas tem reflexo penal se houver um casamento entre pessoas que sabem do parentesco, mas se casam omitindo esse fato ou se um deles sabe disso e induz o outro a erro, omitindo o parentesco. Caracteriza-se o crime descrito no art. 236 ou o do art. 237 do Código Penal. Mas, novamente, não é a relação incestuosa que se pune, mas a fraude caracterizada com a prática de um casamento proibido civilmente.
A prática do incesto é uma conduta puramente imoral e não interessa ao direito penal condutas imorais que não causam nenhuma lesão a bem jurídico (Roxin). Por tal razão, no Brasil, se ascendente e descendente (maior de 14 anos) viverem livremente uma relação incestuosa, por mais que repugne a todos, crime não se configura. Monica e Caleb, aqui, poderiam viver esse estranho amor livremente.
Vocabulário da Psicanálise. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Rouland, Norbert. “Incesto”. Verbete in: Dicionário de Cultura Jurídica. Organização Denis Alland e Stéphane Rials. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2012, pp. 938-940. roxin, Claus. Derecho penal: parte general. Trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997. Tomo I. Sófócles. Édipo Rei. Trad. J. B. de Mello e Souza. eBook, 2005.