A CPI da Petrobras foi criada com o objetivo de não pegar os corruptos. Ainda assim, o governo e a liderança do PT no Senado decidiram não correr riscos e montaram uma fraude que consistia em passar antes aos investigadores as perguntas que lhes seriam feitas pelos senadores. A trama foi gravada em vídeo.
Hugo Marques
Era tudo farsa. Mas começou parecendo que, dessa vez, seria mesmo para valer. Em março deste ano, os parlamentares tiveram um surto de grandeza institucional. Acostumados a uma posição de subserviência em relação ao Palácio do Planalto, eles aprovaram convites e convocações para que dez ministros prestassem esclarecimentos sobre programas oficiais e denúncias de irregularidades. Além disso, começaram a colher as assinaturas necessárias para a instalação de uma CPI destinada a investigar os contratos da Petrobras. Ventos tardios, mas benfazejos, finalmente sopravam na Praça dos Três Poderes, com deputados e senadores dispostos a exercer uma de suas prerrogativas mais nobres: fiscalizar o governo. O ponto alto dessa agenda renovadora era a promessa de escrutinar contratos firmados pela Petrobras, que desempenha o papel de carro-chefe dos investimentos públicos no país. Na pauta, estavam a suspeita de pagamento de propina a servidores da empresa e o prejuízo bilionário decorrente da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, operação que jogou a presidente Dilma Rousseff numa crise política sem precedentes em seu mandato. O embate estava desenhado. O Legislativo, quem diria, esquadrinharia o Executivo. Pena que tudo não passou de encenação.
VEJA teve acesso a um vídeo que revela a extensão da fraude. O que se vê e ouve na gravação é uma conjuração do tipo que, nunca se sabe, pode ter existido em outros momentos de nossa castigada história republicana. Mas é a primeira vez que uma delas vem a público com tudo o que representa de desprezo pela opinião pública, menosprezo dos representantes do povo no Parlamento e frontal atentado à verdade. Com vinte minutos de duração, o vídeo mostra uma reunião entre o chefe do escritório da Petrobras em Brasília, José Eduardo Sobral Barrocas, o advogado da empresa Bruno Ferreira e um terceiro personagem ainda desconhecido.
A decupagem do vídeo mostra que, espantosamente, o encontro foi registrado por alguém que participava da reunião ou estava na sala enquanto ela ocorria. VEJA descobriu que a gravação foi feita com uma caneta dotada de uma microcâmera. A existência da reunião e seus participantes foram confirmados pelos repórteres da revista por outros meios — mas a intenção da pessoa que fez a gravação e a razão pela qual tornou público seu conteúdo permanecem um mistério. Quem assiste ao vídeo do começo ao fim — ele acaba abruptamente, como se a bateria do aparelho tivesse se esgotado — percebe claramente o que está sendo tramado naquela sala. E o que está sendo tramado é, simplesmente, uma fraude caracterizada pela ousadia de obter dos parlamentares da CPI da Petrobras as perguntas que eles fariam aos investigados e, de posse delas, treiná-los para responder a elas. Barrocas revela no vídeo que até um “gabarito” foi distribuído para impedir que houvesse contradições nos depoimentos. Um escárnio. Um teatro.
/Ag. Senado
TEATRO: Parecia uma encenação — e era mesmo. As perguntas que seriam feitas pelos parlamentares ao ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli foram enviadas a ele antes do depoimento por José Eduardo Barrocas, chefe do escritório da estatal em Brasília, que aparece no detalhe da foto