Todos os anos, dezenas de milhares de meninas indianas desaparecem de suas casas.
Elas são sequestradas e vendidas para trabalhar como prostitutas, escravas domésticas e, cada vez mais, para se casar no Norte do país, onde a diferença entre a população masculina e feminina é grande em função de outro grave problema: o aborto de fetos do sexo feminino, que levou de 25 a 50 milhões de mulheres a "sumirem" das estatísticas demográficas indianas, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Unicef.
Uma das vítimas desse crime, Rukhsana varria o chão quando a polícia chegou na casa em que vivia há cerca de um ano. "Quantos anos você tem? Como chegou aqui?", perguntaram.
"Quatorze", respondeu a menina, magra e de olhos arregalados. "Fui sequestrada."
Uma mulher mais velha tentou convencer os policiais que Rukhsana mentia - e que teria 18 anos e estava na casa com o consentimento de seus pais. Mas, por fim, a menina foi levada de volta para casa, perto da fronteira da Índia com Bangladesh.
Rukhsana conta que foi sequestrada por três homens quando tinha 13 anos, no caminho de casa para a escola: "Eles me mostraram uma faca e disseram que me cortariam em pedaços se eu resistisse."
Depois de uma viagem de três dias em carro, ônibus e trens, o grupo chegou a uma casa no norte do estado indiano de Haryana e Rukhsana foi vendida para uma família com três filhos homens.
Por um ano, a menina não foi autorizada a sair de casa. Ela conta que foi humilhada, espancada e estuprada frequentemente pelo mais velho dos três filhos, que dizia ser seu "marido".
"Ele me dizia: 'Eu te comprei, para que você faça o que eu digo'", lembra Rukhsana. "Pensei que nunca veria minha família de novo. Chorava todos os dias."
Falta de mulheres
Apesar de não haver estatísticas oficiais sobre quantas meninas são vendidas para casamento na Índia, ativistas de defesa dos direitos humanos acreditam que o problema está crescendo, impulsionado pela procura de mulheres nos Estados ricos do norte e pela pobreza em outras partes da Índia.
"Nós não temos meninas suficientes aqui. E eu paguei um bom dinheiro por ela", dizia a mulher que comprou Rukhsana, tentando convencer a polícia a não levá-la de volta para casa.
"No norte da Índia, homens jovens não estão conseguindo encontrar mulheres e estão frustrados", afirma o ativista Rishi Kant, da organização Shakti Vahini, que colabora com a polícia para resgatar vítimas.
Em apenas um distrito no Estado de Bengali Ocidental, a BBC visitou cinco aldeias e todas tinham crianças desaparecidas, a maioria delas do sexo feminino.
De acordo com as últimas estatísticas oficiais, 35.000 meninas desapareceram na Índia em 2011 - sendo mais de 11.000 de Bengali Ocidental. Além disso, a polícia estima que apenas 30% dos casos vieram a ser notificados.
O problema do tráfico escalou na região depois que um ciclone destruiu suas plantações de arroz, há cinco anos.
O agricultor Bimal Singh, por exemplo, foi um dos milhares de habitantes do Estado que ficaram sem renda, por isso ele achou que foi uma boa notícia quando um vizinho ofereceu à sua filha Bisanti, de 16 anos, um emprego em Nova Déli.
"Ela entrou no trem para partir e me disse: 'Pai, não se preocupe comigo, eu vou voltar com dinheiro suficiente para que você possa me casar", conta Bimal. Mas o agricultor nunca mais ouviu falar da filha.
"A polícia não tem feito nada por nós. Uma vez eles bateram na porta do traficante, mas não o prenderam" , diz Singh.
Traficante
Em uma favela de Calcutá, um homem que vende meninas para viver fala sem remorsos sobre esse comércio, sob condição de anonimato.
"A demanda está aumentando, o que tem me permitido ganhar muito dinheiro. Já comprei três casas em Nova Déli", diz.
"Tenho homens que trabalham para mim. Dizemos aos pais das meninas que vamos encontrar empregos para elas em Nova Déli, então a levamos para as agências. O que acontece depois disso não é da minha conta."
O traficante conta que sequestra e vende de 150 a 200 meninas por ano, com idades entre 10 e 17 anos. Com a venda de cada menina, consegue cerca de 55 mil rúpias (R$ 2.049). O apoio de alguns políticos locais e da polícia, segundo ele, são cruciais para a continuidade do negócio.
"A polícia está bem consciente do que fazemos. Subornamos policiais em cada Estado - Calcutá, Nova Deli e Haryana", afirma o traficante.
"Já tive problemas com as autoridades, mas não tenho medo - se for para a cadeia, tenho dinheiro para pagar suborno e garantir minha saída."
O chefe da Unidade de Investigação Criminal encarregada das operações contra o tráfico humano em Bengali Ocidental, Shankar Chakraborty, reconhece o problema da corrupção policial, mas diz que ao menos sua unidade está totalmente empenhada em combater o sequestro de meninas na região.
"Estamos organizando campos de treinamento e campanhas de conscientização. Também recuperamos muitas meninas, de diferentes áreas do país", diz.
Segundo Chakraborty, a própria existência de sua unidade mostra a crescente determinação do governo em atacar o problema. E ativistas confirmam que a polícia está mais consciente do problema.
Hoje, todas as delegacias de Bengali Ocidental têm uma autoridade antitráfico. Mas o número de casos é impressionante e os recursos para investigá-los, escassos.
"Não adianta fazer reformas só na polícia", diz Rishi Kant. "Precisamos de mais políticas sociais e um sistema judiciário que funcione."
Justiça e atitudes
Kant defende a criação de tribunais especiais que possam tomar decisões com rapidez para lidar com os casos de tráfico de meninas e novas regras para evitar que os acusados possam responder em liberdade por este crime após pagar uma fiança.
Ativistas como ele também ressaltam a urgência de uma mudança de atitude.
Duas semanas antes do estupro em Nova Déli, um grupo de influentes anciãos da aldeia Haryana se reuniram para discutir temas como estupros, abortos ilegais e leis de casamento.
Ao falar sobre o aumento "alarmante" nos casos de abusos sexuais na região, um orador disse: "Você já viu como as meninas andam de scooter de forma sugestiva? Não há mais decência na forma como as mulheres se vestem ou agem hoje em dia."
O discurso de outro homem sobre as causas do grande número de abortos de fetos do sexo feminino também mostra a necessidade de uma mudança de atitude.
"A sociedade está cada vez mais educada e o nossas meninas agora estão escapando (do domínio dos pais). Elas trazem vergonha para seus próprios pais - então quem vai querer ter uma menina?" , perguntou.
Na mesma região em que o encontro de anciãos ocorreu vive Rupa, uma mulher de 25 anos que foi traficada de Bihar para Haryana para se casar com um homem local.
A família de seu marido a forçou a ter dois abortos até que ela finalmente ficou grávida de um menino.
A violência que sofreu nos últimos anos é apenas um entre milhares de casos que mostram que na Índia o ciclo de abusos continua.
BBC Brasil
Pai de vitima de estupro quer nome da filha revelado
Ele afirma que isso ajudaria a 'dar coragem a outras mulheres que sobreviveram a esses ataques'.
O pai da mulher indiana que foi estuprada em Delhi e morreu em seguida diz que seu nome da vítima deve ser tornado público para que ela possa servir de inspiração a outras vítimas de crimes sexuais.
O pai disse ao jornal britânico Sunday People: "Nós queremos que o mundo saiba o seu nome real".
A lei indiana protege as vítimas de crimes sexuais, proibindo a identificação.
Um ministro, Shashi Tharoor, pediu às autoridades a revelar o nome para que possa ser usado em uma lei anti-estupro.
A mulher, de 23 anos, morreu na semana passada em um hospital em Singapura, de ferimentos sofridos durante o ataque do mês passado.
'Encontrar força'
O pai disse ao jornal: "Minha filha não fez nada de errado, ela morreu ao proteger a si mesma. Estou orgulhoso dela. Revelar seu nome vai dar coragem a outras mulheres que sobreviveram a esses ataques. Eles vão encontrar a força da minha filha".
As leis sobre a identificação foram introduzidas para proteger as vítimas do estigma social associado ao estupro.
Manifestantes se reuniram em frente ao tribunal de Saket, Delhi, no sábado, onde uma audiência para cinco dos acusados foi realizada.
A polícia abriu um processo contra a emissora de notícias Zee emissora, depois que esta realizou uma entrevista com o amigo que estava com a vítima durante o ataque.
Amigo da vítima não foi nomeado, mas seu rosto foi mostrado e a polícia está investigando se a Zee News quebrou leis de radiodifusão relacionadas à divulgação da identidade da vítima.
No entanto, ainda não está claro o que poderia ser feito se o pai escolher nomear publicamente sua filha.
Na semana passada, o Sr. Tharoor, o ministro junior da Educação, apelou às autoridades para que revelem o nome da vítima, para que a nova lei anti-estupro leve o nome da vítima.
'Morte para todos os seis'
Ele escreveu: "A menos que os pais se oponham, ela deve ser homenageada e dar nome à nova lei anti-estupro. Ela era um ser humano com um nome, não apenas um símbolo.".
O Sunday People disse que o pai havia dado permissão ao jornal para que fossem citados o nome dele e da filha.
O jornal trazia uma foto do pai, mas disse que a família havia solicitado que nenhuma fotografia da vítima fosse usada.
Na entrevista, o pai também renovou seus apelos para os homens que levaram a cabo o ataque sejam enforcados.
"Morte para todos os seis deles. Estes homens são bestas. Eles devem ser um exemplo de que a sociedade e não vai permitir que tais coisas aconteçam", disse ele.
Cinco homens foram acusados de estupro, rapto e assassinato. Um sexto suspeito deverá ser julgado como menor infrator.
A pré-audiência na corte dos cinco acusados foi realizada na área Saket, no sábado, e os homens foram convocados para comparecer em tribunal na segunda-feira. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
by Estadão