Começo as férias interrompendo as férias para publicar esta reportagem do Portal Imprensa:
Em 2010, uma medida liminar da Justiça do Paraná proibiu o repórter e apresentador da Band, Fábio Pannunzio, de fazer qualquer referência a uma quadrilha de estelionatários, com atuação internacional, que vinha denunciando em seu blog pessoal. Meses depois, com o grupo desbaratado pela mídia formal, e devidamente preso, a liminar seria revogada pelo TJ do estado e arquivada por unanimidade.
Durante o período de restrição, Pannunzio uniu-se à jornalista Adriana Vandoni, do blog “Prosa e Política”, que estava – e continua – impedida de comentar ou emitir opinião de juízo sobre as inúmeras ações de improbidade administrativa envolvendo o presidente da Assembleia do MT, José Riva. “Como nós dois estávamos censurados, passei a veicular as denúncias do Riva, e ela, as denúncias da quadrilha. Isso chama permuta de censura”, explica Pannunzio.
Segundo Adriana, as decisões judiciais que vêm legitimando sua mordaça, como a negativa de um agravo de instrumento no TJ de MT, teriam forte influência da atuação de Riva nos bastidores da Justiça local. “A Justiça de MT é absolutamente comprometida com ele. Para você ter ideia, a alegação de um dos desembargadores que me negou o agravo é que eu estava ferindo o direito de privacidade do político ao falar dos processos que ele responde.”
A situação é apenas um exemplo do quadro de crescente judicialização da censura a que a blogosfera brasileira vem sendo submetida e que levou figuras como o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a manifestar recentemente sua preocupação com o assunto, recorrendo ao pensador francês Alexis de Tocqueville, para defender que “os excessos da liberdade se corrigem com mais liberdade”.
Os fatos e os números mostram a facilidade de se remover conteúdos da internet brasileira. Segundo o Committee to Protect Journalists (CPJ), no primeiro semestre de 2011, o Brasil foi o campeão mundial de remoção de conteúdo, com 224 ordens da Justiça remetidas ao Google. Para Thiago Tavares, diretor-presidente da ONG SaferNet Brasil, a situação exige a criação de um observatório para as decisões judiciais da blogosfera. “Em alguns segmentos do Judiciário, me parece que há certa interpretação exacerbada da legislação em que se invertem um pouco o direito à informação e o ferimento da honra e imagem da pessoa. Em ano de eleição, a remoção de conteúdo cresce exponencialmente”, explica.
A experiência de Pannunzio é emblemática para a maior vulnerabilidade do blogueiro no país. “Em 31 anos de profissão na TV, fui processado uma única vez. Já no blog, foram seis processos. A figura do blogueiro é muito mais frágil do que a empresa de comunicação.”
Não são apenas os abusos jurídicos que têm aquecido a discussão. No final de maio, a cidade de Salvador recebeu o “3º Encontro dos Blogueiros Progressistas”, grupo de jornalistas e não jornalistas, que vêm reivindicando a liberdade de atuação na blogosfera como alternativa à atuação da grande mídia.
O evento contou com a gravação de um vídeo do ex-presidente Lula, que exaltou a atuação dos blogs como alternativa ao setor de comunicações do país, segundo ele, “concentrado em poucas empresas, poucas famílias e poucos lugares”. Entre os articuladores do evento, Franklin Martins, antigo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula e um dos principais defensores do marco regulatório da mídia no país. O grupo tem o apoio dos jornalistas Paulo Henrique Amorim, Rodrigo Vianna, Luiz Carlos Azenha, Altamiro Borges, entre outros.
Para Borges, que preside o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, democratizar a rede é um dos principais desafios da blogosfera. “Há, sim, a judicialização da censura, processos que desgastam e levam o profissional à bancarrota, mas há também a dificuldade da democratização da comunicação no Brasil, porque hoje há uma monopolização da mídia brasileira, comandada por sete famílias. É uma aberração democrática”, diz.
Pannunzio rechaça a tese de que os blogs são alternativas essenciais a um suposto “monopólio da grande imprensa”. E ainda critica: “A maioria dos blogueiros que defendem essa tese é da imprensa formal. Começa por aí a contradição deles. Além disso, são parte de um grande projeto de comunicação de pessoas que integravam o governo Lula. Como é que um jornalista de qualquer mídia abre mão de fiscalizar para começar a bajular o poder, a defender a impunidade de gente envolvida com a corrupção, como vem acontecendo?”.
Para Ricardo Noblat, blogueiro político de O Globo, a cisão ideológica dos blogs não é problema – “Sempre vai existir quem é mais próximo do governo e quem é oposição”. A discussão mais delicada, segundo ele, é outra. “O que eu acho complicado é o titular de um blog receber por anúncio veiculado ali. É óbvio que a participação no faturamento publicitário vai implicar conflito de interesse”, afirma. Em meio à asfixia jurídica e às arestas ainda não aparadas da blogosfera brasileira, que a liberdade seja, de fato, a única solução para seus próprios excessos.
Por Guilherme Sardas*
*Com Jéssica de Oliveira