“Quase canonizado em vida, José Alencar morreu recusando o gesto que se espera de todo homem que não é canalha: fazer exame de DNA em ação de reconhecimento de paternidade. Renegou a filha mais velha e insinuou que a mãe, enfermeira de Caratinga, era “prostituta”. FICOU DEVENDO”. (Claudio Humberto, jornalista)
A professora aposentada Rosemary de Morais (foto abaixo), 56 anos, cuidava do jardim na tarde de terça-feira, 31 de março passado, no interior de Minas, quando o marido a chamou para ver a televisão: na tela era noticiada a morte de José Alencar.
Para Rosemary, uma notícia que foi motivo de grande tristeza não pela trajetória do homem que construiu um verdadeiro império empresarial e deu emprego a milhares de brasileiros. Nem pelo Zé que chegou ao poder eleito vice-presidente junto com Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas pela pessoa que, segundo decisão da Justiça de Caratinga, era seu pai. Um homem que não teve a chance de conhecer melhor, mesmo no fim da vida.
Desde 2001 Rosemary brigava para que José Alencar reconhecesse sua paternidade. O caso ainda está em curso no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a quem os advogados de Alencar recorreram depois do juiz de Caratinga José Antônio Cordeiro autorizar a professora a ser registrada com o sobrenome do ex-vice-presidente. Alencar sempre se recusou a fazer exame para atestar a paternidade da professora aposentada.
- Ela ficou muito chateada com a notícia da morte, porque nunca conseguiu falar direito com ele. Queria ter tido a chance de conversar pelo menos agora, saber o que aconteceu no passado deles. Mas não tem mais jeito, acabou – disse o caminhoneiro aposentado Amilcar Campos, marido de Rosemary.
A mulher não quis dar entrevistas, segundo ele, por ainda estar abalada, e por temer “falar alguma coisa errada”, que pudesse chatear a família do suposto pai.
- A gente vai ficar aqui quietinho na nossa casa, não devemos ir a velório ou enterro. A não ser que a família dele nos convide, mas acho difícil disso acontecer – disse Amilcar.
Rosemary tinha 43 anos quando a mãe lhe mostrou a foto do filho de Alencar no jornal, Josué Gomes da Silva, dizendo-lhe que ele era seu irmão. Durante a campanha de Alencar ao Senado, em 1998, conseguiu se aproximar do suposto pai e dizer que era sua filha. Um assessor anotou seus telefones, mas ela nunca mais conseguiu fazer novos contatos.
Segundo Rosemary, sua mãe, a enfermeira Francisca Nicolina de Morais teria ficado grávida de Alencar na época em que ele ficou noivo, por isso os dois não se encontraram novamente.
Anos depois, questionado sobre o motivo de não ter aceitado fazer o exame de paternidade, Alencar insinuou que Francisca era prostituta, dizendo que “são milhões de casos de pessoas que foram à zona”.
A postura do político foi motivo de grande tristeza para Rosemary.
Thiago Herdy, O Globo
A História
A professora aposentada Rosemary de Morais (foto acima), 56, desde 2001 tentou ser reconhecida como filha de José Alencar Gomes da Silva (foto) 79, ex- vice-presidente da República. Como Alencar sempre se negou a se submeter ao exame de DNA para que ficasse provada a paternidade, o juiz José Antônio de Oliveira Cordeiro, da comarga de Caratinga (MG), declarou oficialmente ser ele o pai de Rosemary.
Quando alguém se recusa a fazer o exame, é porque há presunção de paternidade, conforme lei sancionada pelo presidente Lula.
Rosemary disse que Alencar teve relacionamento de um ano com sua mãe, a enfermeira Francisca Nicolina de Morais, em 1954, quando ambos moravam em Caratinga. Na época, nenhum dos dois era casado.
A professora apresentou na Justiça testemunhas desse relacionamento. Criada pelos avós paternos, ela contou que soube de sua paternidade pela mãe, já falecida. No cartório, Rosemary consta como filha de Magmar Pinto Neves, com quem Francisca se tinha se casado.
A professora disse que, quando Alencar esteve em Caratinga em campanha para o Senado, ela foi a uma emissora de rádio onde ele estava dando entrevista e contou ser filha dela. “Ele ficou surpreso e disse que estava disposto a me dar toda atenção. Só que nunca mais me ouviu”.Alencar nunca mais voltou lá.
A decisão judicial tornou Rosemary herdeira de Alencar, que possuia várias empresas. A principal delas é Coteminas, do setor têxtil. O empresário era casado com Mariza Campos Gomes da Silva, 74, com quem tem três filhos, Josué Christiano, Maria da Graça e Patrícia. É Christiano que preside o grupo de empresas.
José Diogo Bastos, advogado de José Alencar, disse que a sentença é “totalmente despropositada” e que iria recorrer dela. Ele nunca explicou por que seu cliente sempre se negou a se submeter ao exame de DNA. Alencar chegou a ser intimado em 2008 pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais a doar sangue para a realização do exame, mas ele ignorou.
No processo judicial, Alencar alegou que Francisca era “mulher reconhecidamente frequentada por vários homens” e “habituée da zona de meretrício de Caratinga”.
Geraldo Jordan de Souza Júnior, advogado de Rosemary, disse que se tratava de difamação e que “a justiça tardou, mas não falhou”.
Rosemary afirmou: “Não quero nada daquilo que ele [Alencar] pensa que eu tenho direito”.
Fonte:
Folha e Estado de S.Paulo