por Bruno Bottiglieri
RESUMO: O presente artigo busca expor ao leitor uma melhor perspectiva sobre o instituto da responsabilidade civil no âmbito das perseguições insidiosas. Traz-se a lume, um estudo aprofundado sobre o stalking, os reflexos de sua existência na atualidade, os prejuízos experimentados pela vítima e por fim, os elementos marcantes que ensejam o dever de indenizar do perpetuador, principalmente pelos danos morais sofridos por suas vítimas.
Palavras-chave: Stalking - Assédio por intrusão – Perseguição insidiosa – Perseguição obsessiva - Responsabilidade Civil.
ABSTRACT: This article exposes to readers a better perspective of the institute of civil liability in the context of stalking. Study this phenomenon, the reflexes of its existence today, the losses experienced by the victims and, finally, the striking elements that give the perpetrator the duty to compensate, especially for the moral damages suffered by its victims.
Keywords: Stalking - Harassment by intrusion - Insidious chase - Obsessive pursuit – Civil Liability.
“Stalking é quando duas pessoas vão para uma longa caminhada amorosa mas, só uma delas sabe disso.” (DUMP A DAY, 2012)
Introdução
Crescente em nossa sociedade mas, ainda de pouca relevância no mundo jurídico, o evento ao qual o agente persegue obsessivamente outrem, causando-lhe os mais variados transtornos, é mundialmente conhecido stalking e, para muitas autoridades internacionais, se trata de uma epidemia em escala global.
Segundo pesquisa do Centro Nacional para Vítimas de Crimes dos Estados Unidos, (The National Center For Victims Of Crime), 7.5 milhões de pessoas são perseguidas por ano, uma em cada seis mulheres e, um a cada dezenove homens são vítimas de perseguidores, estes, motivados pelos mais variados sentimentos e objetivos, invadem a esfera de privacidade da vítima causando-lhe os mais indesejáveis sofrimentos. (STALKING RESOURCE CENTER, 2015)
Face ao aludido, fica claro a gravidade do evento, que é emergente, mundial e de difícil identificação. A rápida evolução das relações sociológicas e tecnológicas, são fatores que fortalecem o surgimento em massa de perseguidores.
Infelizmente, a Legislação Penal Brasileira é antiquada, (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e deixa de acompanhar as constantes evoluções da nossa sociedade e dos crimes que a assombram.
Não há outra saída, se não, buscar através do Diploma Civil Brasileiro, uma forma de tutelar os bens jurídicos do ofendido que são comumente hostilizados pelos seus perseguidores, reparando ainda todo o prejuízo perpetuado.
Diante dos poucos casos levados ao exame do poder judiciário, fica extremamente difícil definir uma vertente robusta à qual o magistrado poderá seguir, mas, com o auxílio de outras fontes subsidiárias de estudo, traz-se à lume, todos os elementos necessários para responsabilizar civilmente estes algozes do cotidiano.
1. Estudo etimológico do termo stalking
O termo stalking[1] tem origem na língua inglesa, nos transmite a concepção de perseguir, espreitar, andar com cautela, ato de aproximar-se silenciosamente, sorrateiramente, com intenção obsessiva, como o tigre persegue silenciosamente sua presa.
Expressão comumente utilizada no âmbito da caça, tendo como principal referência, o predador que persegue a presa de forma contínua e obsessiva, assim como, o stalker[2] oportuna e persegue insistentemente sua vítima.
2. Definição
Stalking, também é conhecido como perseguição insidiosa, obsessiva, insistente, persistente ou assédio por intrusão. Este se configura quando o agente, por meio de vários artifícios, invade a rotina e a esfera de privacidade de outra pessoa repetitivamente, na maioria dos casos, sem violência física, resultando em considerável sofrimento mental, psicossomático e social não só à vítima, mas também as pessoas mais próximas a esta.
Na prática, o evento poderá se manifestar de variadas formas como por exemplo: perseguição no trabalho, na rua, em casa, em redes sociais, inúmeras mensagens, cartas ou presentes enviados ao mesmo destinatário, inúmeras ligações, repetidas injúrias, espera de passagem nos lugares que frequenta, ofensas, difamações ou declarações em locais públicos para uma pessoa, dentre muitas outras.
Inúmeros são os motivos inspiradores para perseguidores darem início a uma perseguição, os mais comuns são: violência doméstica, inveja, vingança, rejeição, ódio, brincadeira ou/e erotomania[3].
Não é possível estabelecer um perfil exato de um perseguidor em potencial, os agentes comumente flagrados realizando estas condutas são: companheiros, ex-companheiros, amigos, ex-amigos, namorados, ex-namorados, admiradores e inimigos.
3. Aspectos doutrinários relevantes
Pioneiro no Brasil, o Ilustre Professor Damásio de Jesus, define o stalking como uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, contratação de detetives particulares, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. (JESUS, 2009)
Damásio discrimina seis peculiaridades da perseguição obsessiva: invasão de privacidade da vítima, repetição de atos, dano à integridade psicológica e emocional do sujeito passivo, lesão à sua reputação, alteração do seu modo de vida, restrição à sua liberdade de locomoção.
São livres e inúmeras as formas de se perseguir alguém, como por exemplo, chantagens, calunias, difamações, espalhar boatos, tudo em pró da criminalização do cotidiano da vítima, para assim, conquistar aos poucos, o controle sobre a vida desta.
Sobre o tema, Eduardo Luiz Santos Cabette entende que a expressão "Assédio por Intrusão" e o termo em inglês "Stalking" designam a ação de perseguição deliberada e reiterada perpetrada por uma pessoa contra a vítima, utilizando-se das mais diversas abordagens tais como agressões, ameaças ou ofensas morais reiteradas, assédio por telefone, e–mail, cartas ou a simples presença afrontante em determinados lugares freqüentados pela vítima (escola, trabalho, clubes, residência etc.). (CABETTE, 2010)
O Dr. Wanderley Elenilton Gonçalves Santos, parafraseando o professor Jorge Trindade entende que é bastante difícil delimitar os comportamentos que configuram o fenômeno do stalking. Na realidade, trata-se de uma constelação de condutas que podem ser muito diversificadas, mas envolvem sempre uma intrusão persistente e repetida através da qual uma pessoa procura se impor à outra, mediante contatos indesejados, às vezes ameaçadores, gerando insegurança, constrangimentos e medo na vítima. Em decorrência dessa invasão na sua privacidade, a vítima também inicia um conjunto de comportamentos evitativos, tais como trocar o número do telefone, alterar a rotina diária, os horários, os caminhos e os percursos que costumava fazer, deixar avisos no trabalho ou em casa, ou aumentar os mecanismos de segurança e proteção pessoal, podendo transitar da evitação para a negociação e mesmo para o confronto. (SANTOS W. E., apud TRINDADE, 2008, p. 352-323)
Casos envolvendo perseguições decorrem do término indesejado do relacionamento são considerados os mais recorrentes, principalmente logo após a separação do casal. Talvez pela inferioridade física, ou então, pela dependência econômica no âmbito familiar, as mulheres são as principais vítimas não só das perseguições, mas também das mortes que sucedem a estas.
Por muitas vezes, a vítima, se acostuma com a rotina perturbada do stalker ou, cansada das incessantes perseguições por parte de seu ex-companheiro, muda seu estilo de vida, horários, afazeres, hobbies, esportes, faculdade, carro, local da residência e até local de trabalho.
Embora as condutas variem mantém em comum certos traços como a reiteração dos atos, a violação da intimidade e da privacidade da vítima e o constrangimento com consequente dano psicológico e emocional ao ofendido. Nesse quadro será também comum a ofensa à reputação da vítima, mudanças forçadas de seu modo de vida e restrições à sua liberdade de ação e locomoção (JESUS, 2009).
Como retro mencionado, não existe uma formalidade ou um padrão seguido por perseguidores, mas, através de relatórios oficiais e relatos de vítimas, podemos concluir que modus operandi de um stalker consiste em basicamente: Ofensas sexuais, violência doméstica, vandalismo, cyberstalking, introdução a espaços vedados, uso abusivo do telefone, violações de restrições judiciais ou medidas protetivas, assédio, maus tratos a animais, voyeurismo, violência em local de trabalho ou estudo, agressões, furtos e invasão à residência da vítima, envio de inúmeras mensagens, visita aos locais que frequenta, publicação ou circulação de fotos ou informações íntimas da vítima, monitoração de computadores e do histórico de internet, relevar informações pessoais da vítima, homicídio e instigação ao suicídio.
Apresentadas as peculiaridades das perseguições obsessivas, surge a necessidade de individualiza-las em meio a outros eventos que com ele se assemelham, (bullying e mobbing).
A palavra bullying é originada do termo inglês bully[4] e, ocorre predominantemente no ambiente escolar, sendo comumente praticado por crianças e adolescentes, são nada mais que atitudes agressivas, intencionais, repetitivas e diretas à uma pessoa, com o único e exclusivo propósito de sub julga-la, ao contrário do stalking, que busca reatar ou criar laços de afeto com a vítima.
O mobbing, é a sucessiva humilhação da vítima em decorrência de tratamento vexatório por um grupo de pessoas. A coletividade é a característica marcante deste fenômeno, pois, a vítima segue intimidada pelo grande número de pessoas as quais a submetem a este tratamento degradante. As diferenças dos institutos retro evidenciados são claras, todos possuem suas especificidades quanto a intenção e seu modus operandi[5], mas em todos os casos, assedia-se a moral da vítima, merecendo assim, serem estudados e legalmente combatidos no âmbito de suas competências.
4. Cyberstalking
Na atualidade, a maioria dos eventos envolvendo stalkings são pela internet ou tiveram alguma contribuição desta, surgindo a modalidade de cyberstalking. É o uso da internet, e-mail, ou outro tipo de tecnologia computadorizada para a prática de assédio ou perseguição. (Carvalho apud Gregorie, 2001).
A utilização da internet como ferramenta para obtenção de dados pessoais de terceiros em redes sociais é um exemplo marcante da modalidade. Seguem alguns relatos de ciberstalkers, (perseguidores cibernéticos):
Eu trabalho com segurança em TI então tenho acesso a algumas ferramentas pra Stalker, tenho keyloggers e VNC[6] oculto em 7 computadores de 6 pessoas diferentes, na verdade nem são necessariamente mulheres apenas algo como aquele ditado: "Mantenha seus amigos próximos e seus inimigos mais próximos ainda". (Forum UOL, 2014, sic.)
Segundo pesquisa realizada pela Universidade de Bedfordshire, na Inglaterra, a incidência de casos onde e-mails e aplicativos de mensagens instantâneas são utilizados para perseguir e importunar ingleses são colossais.
A pesquisa ainda constatou que, do ano de 2005 ao ano de 2009, a perseguição virtual e o bullying, aumentou cerca de 300%. Houveram 53 mil denúncias, mas apenas 8.650 casos foram julgados na corte inglesa. Desse número, somente 6.646 foram considerados culpados. Em 2010, houve 10.990 julgamentos e 8.487 condenações. (MARTZ, 2012)
5. Evolução histórica
Stalking é um fenômeno tão antigo quanto o próprio homem, a primeira referência ao evento foi encontrada no ano de 527 D.C., no Código Justiniano, mais precisamente no quarto livro, título IV, capítulo IV, onde dispunha da seguinte redação: “Ser um incômodo, seguindo uma mulher casada, menino ou criança poderá levar à acusação”.[7]
Em 1886 na Alemanha, Richard von Krafft-Ebing, pioneiro ciência psiquiátrica, já havia escrito sobre mulheres que, de forma obsessiva perseguiam e viajavam atrás de atores aos quais idolatravam.
Em 1921, outro psiquiatra francês Gaëtan Gatian de Clérambault, em sua obra Les Psychoses Passionelles, em português, As Psicoses Passionais, apresentou a Síndrome de Clèrambault, também conhecida como Erotomania. (GRAMARY, 2008)
Em suma, a patologia consiste na convicção por parte do paciente que, uma pessoa estranha é apaixonada por este. Nas palavras da Professora Juliana Bressanelli e do Professor Antônio M. Ribeiro Teixeira, ambos da UFMG:
“é a certeza de estar em comunhão amorosa com um personagem eleito, isto é, a convicção do sujeito que o outro o ama”. (BRESSANELLI e TEIXEIRA, 2012)
Há quem entende que o stalker sofre de um amor patológico, uma espécie de doença, esquecendo de todas as suas obrigações e responsabilidades para iniciar uma empreitada eterna em busca da correspondência de seu afeto. J. Reid Meloy, psicólogo especializado em medicina legal e professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia (San Diego), em meados de 1980 coletou dados sobre o assunto e concluiu que o stalking poderia ser definido um comportamento anômalo e extravagante, causado por vários distúrbios psicológicos como o narcisismo patológico, pensamentos obsessivos, entre outros, nutridos por mecanismos inconscientes como raiva, agressividade, solidão e inaptidão social, podendo ser classificado como patologia do apego. (ALMEIDA, 2009)
O stalking servia de prelúdio para a execução de outros crimes, nem o então candidato a presidência dos Estados Unidos, em 1981, Ronald Reagan, escapou de acontecimentos envolvendo perseguidores.
Rebecca Schaeffer, modelo e atriz, foi assassinada em 1989 por um fã na porta do edifício ao qual morava. Robert Jhon Bardo, assassino e fã incondicional, perseguia insistentemente Schaeffer a aproximadamente três anos, tendo esta, registrado por diversas vezes queixas nas delegacias da região, estas reclamações foram parar na mão da imprensa, causando impacto negativo às autoridades da época.
Após o assassinato de Schaeffer, no mesmo ano, morreram mais quatro mulheres, vítimas de constantes perseguições de ex-companheiros, todas haviam registrado queixas às autoridades e, infelizmente, desamparadas de qualquer diploma legal da época, foram esquecidas, resultando assim em suas mortes.
Nos Estados Unidos, Hollywood, os atores mundialmente conhecidos estão acostumados com o assédio dos fãs, já experimentaram desta situação perturbadora: Alec Baldwin, George Harrison, Jennifer Aniston, John Lennon, Kirsten Dunst, Lindsay Lohan, Madonna, Paris Hilton e Paula Abdul. (REVISTA QUEM ON-LINE, 2015)
Recentemente, merece destaque também o ocorrido no Brasil, com Ana Hickman, modelo e apresentadora da Rede Record, que sofreu um grave atentado contra sua vida culminando na morte do agressor, além de sua assessora gravemente ferida por arma de fogo.
Infelizmente, só após sucessivos acontecimentos reprováveis como os citados, foram capazes de incentivar discussões e criações de medidas específicas por parte das autoridades competentes.
6. Do impacto negativo do stalking sobre as vidas das vítimas.
O stalking é amparado pela repetitividade, persistência e imprevisibilidade, comprometendo não só a saúde física da vítima, como a mental, o estilo de vida e seu patrimônio.[8]
Comprometendo a Saúde física, temos: distúrbios digestivos, alterações de apetite, náuseas, dores de cabeça, insónias, pesadelos, fraqueza, cansaço, exaustão, alterações na aparência física (exemplo: mudar a cor e/ou cortar o cabelo). Ainda comprometendo a saúde física e, lembrando as hipóteses de lesões por parte do perseguidor, a vítima ainda pode sofrer de hematomas, queimaduras, ferimentos de arma branca e arma de fogo, entre outros.
"O ex-namorado dela tentou matá-la e perseguia-a. Roubou-a, ela descobriu, confrontou-o e ele tentou enforcá-la com um lenço. Os vizinhos ouviram os gritos, veio a Polícia e a Maria apresentou queixa. Uma queixa de que nunca desistiu. Ele chegou a ameaçá-la, dizendo que ia dar ordem ao pittbull que tinha para a matar". (JORNAL DE NOTICIAS, 2015)
A Saúde mental: medo, culpa, hipervigilância, desconfiança, sensação de perigo iminente, sentimentos de abandono, desânimo, confusão, falta de controle, comportamentos de evitamento, perturbações de ansiedade, como Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT), Síndrome de Estocolmo[9], depressão, tentativas de suicídio, aumento do consumo de medicação ou automedicação, aumento do consumo de álcool/tabaco, entre outros.
Ontem tive consulta de psicologia. Chorei muito, muito, muito. Tudo porque foi confrontada com a pergunta: "Quais são os efeitos que neste momento ainda sentes por causa desta situação?". Infelizmente os efeitos são muitos, mas referi um muito pesado, muito difícil para mim de falar. Sinceramente nem me apetece escrever aqui. Perdi-me neste processo todo, perdi quem eu era, perdi amigos, liberdade, inocência e esperança no Futuro. Sinto que fui violada, com todo o respeito pelas pessoas que o foram fisicamente. A psicóloga disse-me que era natural que me sentisse assim, porque foi o que de facto aconteceu psicologicamente. Fui desrespeitada e toda a minha vida foi invadida apesar de eu ter deixado bem explícito de que não o queria. Tal como uma violação, sinto que este pesadelo me deixará traumatizada para toda a vida. (PERSEGUIDA, 2011)
Estilo de vida: alteração de rotinas diárias, redução dos contatos sociais abandono e/ou evitamento de atividades sociais, mudança de cidade, de residência, de carro, de número de telefone, e/ou de emprego, aumento de encargos económicos/despesas em resultado da necessidade de adquirir ou reforçar medidas de segurança, como por exemplo, mudar a fechadura de casa, aquisição de alarmes, etc., redução no rendimento/produtividade profissional, académica e/ou escolar, aumento do absentismo e/ou redução da assiduidade diminuição do salário devido a dias de trabalho perdidos, entre outros.
Sou solteira, vivo sozinha e cheguei a sentir medo de vir para a minha própria casa, pois o dito senhor me esperava à porta de casa. Se ia a um café ele aparecia, se ia a um bar ele aparecia, basicamente ele era que nem Deus: omnipresente! tinha 29 anos e estamos a falar de um homem que tinha 30, não estamos a falar de um garoto. (COSTA, 2011)
7. Tipificação penal atual
Atualmente, a conduta de perseguir outrem insidiosamente, constrangendo, intimidando, humilhando ou causando-lhe qualquer espécie de malefício, assemelha-se da contravenção penal elencada no artigo 65 da Lei de Contravencoes Penais, (Perturbação da Tranquilidade). [10]
Podemos concluir em análise ao instituto que, tendo em vista as contravenções penais serem infrações consideradas de menor potencial ofensivo, pouca foi a importância dispensada ao evento, haja visto, existirem, inúmeras ofertas de medidas despenalizadoras à disposição do contraventor.
As vítimas seguem desamparadas pelo ordenamento jurídico penal vigente em território nacional. Trata-se de um verdadeiro descaso legislativo que vem, sucessivamente, incentivando o surgimento de novos casos, afinal, os agentes estão cientes que, às chances de acabarem proporcionalmente punidos pelo mal injusto e grave que causam aos seus perseguidos são ínfimas.
O Projeto de Lei de nº 236 de 2012, que institui o Novo Código Penal, em seu artigo 147, traz o evento como um novo tipo penal com pena de prisão de dois a seis anos, procedendo somente mediante representação do ofendido.
Enquanto não aprovado o Projeto de Lei nº 236/12, as vítimas estão desmuniciadas de mecanismos para proteger os seus bens jurídicos mais íntimos, sendo constantemente frustradas em sua rotina diária.
Nesse norte, a Dra. Natalia Gomes de Vasconcelos e o Prof.º e Me. Marconi Neves Macedo,(2015), salientam:
Partindo do pressuposto do princípio penalista da proporcionalidade, as penalidades atuais consonantes com a legislação vigente (Lei de Contravencoes Penais, Lei Maria da Penha, etc.) se imposta ao Stalker verificam-se inconsistentes e destoantes da função social da pena, devido à tamanha agressão ao direto íntimo e inerente à vítima causada pelo Stalker, visto que são extremamente brandas, não oferecendo a segurança jurídica necessária à dinamicidade na qual se apresenta o Stalking na sociedade. (VASCONCELOS e MACEDO, 2015)
8. Estatísticas e dados mundiais
No Brasil, não há nenhum registro que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou qualquer outro órgão, tenha feito uma única pesquisa sobre o presente tema, enquanto isso, autoridades internacionais, dispõem de dados relevantes.
A Doutora em Psicologia Clínica, Carla Alexandra dos Santos Paiva, pioneira no estudo do stalking na Europa, apresentou em seu trabalho para Universidade de Minho, em Portugal, dados que servirão de parâmetro para considerações no presente estudo. (PAIVA, 2007)
De acordo com os estudos da Psicóloga portuguesa, em 2010, 19,5% dos entrevistados tinham sido vítimas de stalkers em algum momento de suas vidas, em 40,2% das situações o agressor era conhecido, colega, familiar ou vizinho da vítima, em 58,5% das situações, o agressor aparece em locais habitualmente frequentados pela vítima e, 80% das perseguições os assédios persistentes eram diários ou semanais.
As perseguições obsessivas são compostas por uma série de atos indesejados e repetidos. Curiosamente alguns destes atos são existentes em praticamente todas as relações, mudando somente, a frequência a qual se dão.
Podemos concluir que, stalking vem deixando de ser uma "simples" vigilância exacerbada de outro individuo para dar espaço à violência física e outras condutas ainda mais gravosas.
Ainda nos Estados Unidos, o Centro Nacional de Vítimas de Crimes, situado em Washington, publicou recentemente em sua página na internet um artigo, (NCVRW Resource Guide), contando com as últimas pesquisas realizadas sobre stalking pelo órgão no ano de 2015. A pesquisa ponderou diversas circunstâncias peculiares sobre o evento em território americano resultando nas seguintes percepções:Durante o período de um ano, 7.5 milhões de pessoas de 18 anos ou mais, foram perseguidas;
Em algum momento de suas vidas 15,2 % das mulheres e 5,7% dos homens experimentaram de ser perseguidos, sentindo medo ou acreditando que alguém por perto estaria pronto para matá-lo;
Sobre as mulheres perseguidas, 88,3% reportaram ter sido perseguidas por homens e 7,1% por outras mulheres. Já os homens, 48% por outros homens e 44% por mulheres;
A maioria das vítimas de stalking, são perseguidas por pessoas que conhecem;
Os maiores medos das vítimas são: serem agredidas ou terem parceiros e filhos agredidos, que as perseguições nunca acabem, perder a liberdade, a morte, entre outras;11% das vítimas perseguidas nos EUA, estão sendo perseguidas por cinco anos ou mais;
46% das vítimas americanas experimentam estas perseguições ao menos uma vez na semana;
Uma a cada sete vítimas, mudaram suas vidas em decorrência das incessantes perseguições.
É colossal o número de pesquisas internacionais existentes internet. No Japão por exemplo, os relatos de perseguições aumentaram dez vezes na última década, com mais de 21.000 casos notificados no ano de 2013, (ALJAZEERA, 2014)
Mário Paulo Lage de Carvalho, mestre em medicina legal pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar em Portugal, em seu estudo, reuniu os seguintes dados sobre o Reino Unido em 1998, (CARVALHO, 2010):
4% das mulheres e 1,7% dos homens foram vítimas de perseguições persistentes e não desejadas durante o ano anterior;
Na Alemanha existe um grupo de estudo do stalking, que reportou uma taxa de 11.6% do total de vitimizações existentes;
Os resultados destes dois estudos epidemiológicos europeus são comparáveis aos de estudos similares realizados nos Estados Unidos da América e na Austrália;
Na Itália, o National Statistics Institute (ISTAT) supervisionou um estudo epidemiológico que revelou uma percentagem de vitimização por stalking de 18,8%, numa amostra feminina, na altura da separação e/ou divórcio, e num contexto de violência doméstica;
9. Da Responsabilidade Civil
Segundos Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano a responsabilidade é uma obrigação derivada, (um dever jurídico sucessivo), de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências estas que podem variar de acordo com os interesses lesados. (REIS, 2014 apud GAGLIANO e FILHO, 2009)
A responsabilidade civil esteve sempre presente na história do homem e seu marco foi através da promulgação da Lex Aquilia ainda no Império Romano.
Esta figura clássica do Ordenamento Jurídico Romano foi genericamente incorporada ao nosso Diploma Civil, mais precisamente no artigo 927.
Destarte, para incorrer nas penalidades obrigacionais de reparação de danos causados, é necessário que o agente tenha praticado uma das situações previstas nos artigos 186 e 187 do Diploma Civil, institutos que dizem respeito aos atos ilícitos e os elementos para sua configuração.
Importante lembrar ainda que, segundo o Artigo 935 do mesmo diploma, a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
10. Do ato ilícito em decorrência do abuso de direito
Em análise às disposições retro evidenciados podemos concluir que há três espécies de ato ilícito previsto no Código Civil, dos quais nos interessam dois:
Art. 186. CC Ação + Violação de direito + Dano + Nexo de causalidade.
Art. 187. CC = Ato ilícito = Abuso de direito + Violação de direito + Dano + Nexo Causal.
Stalking é forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos, nessa linha, configura-se sucessivos e repetidos abusos de direito por parte dos perseguidores.
Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como fato de usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a Sociedade permitem.
O titular de prerrogativa jurídica, de direito subjetivo, que atua de modo tal que sua conduta contraria a boa-fé, a moral, os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, incorre no ato abusivo. Nesta situação, o ato é contrário ao direito e ocasiona responsabilidade. (FERREIRA, 2013 apud VENOSA, 2003, p. 603 e 604).
A Jornada do Superior Tribunal de Justiça, em seu Enunciado de nº 37, corrobora com vosso entendimento, afirmando que a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.
A partir do momento em que os abusos de direitos são praticados pelo perseguidor por exercer seus direitos, como a liberdade de locomoção, excedendo os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, iniciam sucessivas lesões a bens jurídicos de terceiros protegidos por nosso ordenamento jurídico, gerando dano a este, emanando a obrigação de indenizar em decorrência de ato ilícito originado pelo abuso de direito.
Por exemplo: Ligações nos telefones celulares, residenciais ou comerciais, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores e presentes não solicitados, entre outros, exercício em excesso do direito de comunicação, ou, permanência na saída da escola ou trabalho, espera da passagem da vítima por determinado lugar, campana na residência da vítima ou lugares aos quais esta comumente frequenta, frequência no mesmo local de lazer, supermercados, academias, entre outras, exercício exacerbado do direito de locomoção.
Nada impede do ato ilícito ser configurado pela ação do perseguidor, porém, na maioria dos casos os tribunais já entendem que as perseguições se valem do exercício exacerbado de direitos, como segue:
Civil. Responsabilidade civil. Danos morais. Stalking. Ação indenizatória. Abuso de direito. Assédio moral e psicológico. Rompimento de relacionamento amoroso. União estável. Constituição de novo vínculo afetivo pela mulher. Ex-companheiro que, inconformado com o término do romance, enceta grave assédio psicológico à sua ex-companheira com envio de inúmeros e-mails e diversos telefonemas, alguns com conteúdo agressivo. Perseguição na residência e no local de trabalho. Ameaça direta de morte. Condutas que evidenciam abuso de direito e, portanto, ilícito a teor do disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002. Tipificação da conduta ilícita do stalking. Danos morais reconhecidos. Indenização fixada com proporcionalidade e razoabilidade diante das circunstâncias do caso concreto. Sentença mantida. Recurso desprovido. [11]
O julgador, ainda, no corpo da sua decisão faz questão de mencionar a prática do abuso de direito, e acentua com clareza quando o agente deu início ao abuso, ou seja, exacerbou o exercício de seu direito:
Decerto que por amor, paixão ou saudade, qualquer pessoa pode (e em muitos casos, deve) tentar por todos os meios reconciliar-se com o objeto de seus sentimentos, mas não se pode fazê-lo a outrance. Há limites e o limite é a integridade psicológica do outro. É a paz interior. O inconformismo do amante não pode se transformar num estorvo nocivo à vida de ex-namoradas, mulheres e companheiras. O limite é o bom senso e aqui o apelante extrapolou do que se considera razoável. Abusou de seu direito de reconquista e, por isso, praticou ato ilícito (artigo 187 do Código Civil de 2002). Evidente, assim, a ocorrência de dano moral.
Ciente que essas comissões persecutórias são consideradas pela jurisprudência atual, um abuso de direito, ainda se faz necessário o estudo das outras elementares que compõe o ato ilícito, (Violação de direito + Dano + Nexo de causalidade), para assim, haver a possibilidade de condenar o agressor à obrigação de indenizar. [12]
11. Da violação de direitos
A segunda elementar do ato ilícito é a violação de direito. Os bens jurídicos comumente violados pelos perseguidores estão expressamente garantidos pela Magna Carta e também, assegurados em legislações infraconstitucionais, separamos alguns a seguir.
11.1. Da intimidade e da vida privada
Os institutos da intimidade e da vida privada, segundo ensinamentos do Professor Alexandre de Morais, apresentam grande interligação, podendo, porém, serem diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo.
Ainda nas palavras do Professor, intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc. (MORAES, 2006 apud FILHO, 1997, p. 35)
Segundo o artigo 21 do Código Civil, nenhum estranho poderá intrometer-se às relações particulares de terceiro, seja no âmbito da intimidade ou, em sentido mais amplo, em sua vida privada. A disposição retro evidenciada não só, garante a inviolabilidade destes direitos personalíssimos, como também, outorga ao magistrado, o cargo de guardião desta inviolabilidade, podendo o ofendido, a qualquer momento, requerer providências a fim de impedir ou cessar ataques.
O artigo 12 da Declaração Universal dos Direito do Homem, instituiu o the right to be alone, em português, o direito de ficar sozinho, ou seja, ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. (UNICEF)
As campanas em frente a residência, trabalho e faculdade da vítima e, a frequência aos locais habitualmente visitados pela vítima como shoppings, mercados, bares e restaurantes configuram sucessivas violações do direito à intimidade e à vida privada.
Mesmo diante de todas essas garantias apresentadas, a vítima, infelizmente, desfruta do contraditório desta explicação, experimentando a violação dos mais íntimos bens jurídicos garantidos ao ser humano, como relata:
Observo para quem entrego meu endereço. Tomo cuidado para quem entrego meu número de telefone. Muito, mais, muito raro, eu dou meu número de telefone para alguém. Eu avisei o casal que são meus vizinhos que se eles virem alguma pessoa, era para ligar imediatamente para os policiais.(CHESTER, 1999, p.64, [tradução nossa])
Na atualidade, o ciberstalking tem grande influência nessas constantes violações, o acesso a dados de amigos, relações familiares, fotos, preferências artísticas, musicais e comerciais, dados profissionais, afazeres diários entre muitas outras, tornando a vítima vulnerável para os mais variados ataques.
Merece destaque que, no ano de 2015 no Brasil, deu-se início a um gigantesco número de reclamações na Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo - PROCONSP. (G1 SÃO PAULO, 2015)
Clientes de prestadoras de serviço de telefonia, internet e tv à cabo se queixaram de incessantes assédios por parte de atendentes de telemarketing.
Diante dos contatos telefônicos realizados por clientes pelos mais variados motivos consumeristas, os atendentes de telemarketing, se valendo dos dados pessoais dos consumidores facilmente disponibilizados em tela pelo sistema interno da empresa, começaram a entrar em contato com estes em seus telefones particulares, desferindo cantadas, mensagens inconvenientes e até, de conotação sexual.
Os funcionários flagrados assediando consumidores em seus números de telefones particulares, violam preceitos básicos da intimidade, da vida privada e, principalmente o the right to be alone.
Destacamos que esta responsabilização do caso retro evidenciado segue amparada pelo manto do Estatuto Consumerista, ou seja, com advento responsabilidade objetiva patronal.
Na prática, a empresa responderá independente de culpa perante atos lesivos ao consumidor, praticados por seus funcionários, preceito este, que é expressamente reconhecido pelo artigo 932, inciso III, combinado com artigo 933, ambos do Código Civil.
11.2 Da honra e da imagem
Assim como a intimidade e a vida privada, a honra e a imagem também se encontram dentro do rol de Direitos da Personalidade, e estão interligadas, costumam ser alvo de ataque por parte de perseguidores e estão previstas no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal.
A honra se trata de um conjunto de conceitos positivos atribuídos a um ser humano pela sociedade. A boa fama e a respeitabilidade são classificados como corolários à honra e também merecem destaque.
Há uma conexão explícita entre a honra e a dignidade da pessoa humana, logo, uma pessoa vítima de ofensa à sua honra, não tem por reconhecida sua dignidade como cidadão. É neste norte que o Pacto de San José da Costa Rica, recepcionado pelo Brasil, institui que toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.
A honra dispõe tanto de proteção na esfera penal, (sendo protegida de injúrias, calúnias e difamações), como na esfera civil, (direito à reparação do dano) e, de acordo com Nelson Rosenvald e Cristiano Farias, a “honra é a soma dos conceitos positivos que cada pessoa goza na vida em sociedade”.
Ao contexto do presente estudo, pode-se impedir alguém de usar a imagem de uma pessoa sem o consentimento desta, é neste norte que o artigo 20 do Código Civil protege a imagem.
Um exemplo atual de violação simultânea da honra e da imagem, são as extorsões praticadas por ex-companheiros. O agente deixa de divulgar imagens íntimas de seu ex-parceiro em troca da vítima continuar relacionando-se com o perpetuador, conseguindo desta forma reatar seu relacionamento ilicitamente:
Um dia, um amigo meu manda-me uma sms a perguntar-me se eu tinha aberto uma pag no site Tagged. Eu respondi-lhe que não. E ele voltou a responder-me mandando-me o endereço directo. Quando cheguei a casa, escrevi o endereço e qual a minha supresa. Estavam 36 fotografias, umas minhas, outras que ele me tinha tirado sem eu saber, outras não sendo minhas, expostas naquela pag., cuja apresentação constava eu ser bissexual, estar interessada em ter relações sexuais com homens ou mulheres, casados/as, divorciados/as, solteiros/as, etc, com comentários às fotos e com imagens que eram um autêntico atentado à minha pessoa e integredidade física, moral e psicológica. (COSTA, 2012, sic.)
Talvez, a publicidade de vídeos e fotos íntimas adquiridas na consonância do relacionamento seja o método mais popular e gravoso de atingir a honra e a imagem da vítima na atualidade.
As exposições de vídeos íntimos em sites pornográficos são diárias, merecendo punições de acordo com o gravame atribuído a vida pessoal da vítima, afinal, atitudes como esta, geram efeitos permanentes à intimidade da pessoa.
11.3 Direito à vida e a saúde
O Direito à vida é, logicamente, o mais importante bem jurídico tutelado pela Constituição Federal de 1988 sendo previsto e protegido à luz do artigo 5º caput, afinal, de nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos sem elencar a vida como o principal deles.
Alegar que as perseguições não estão diretamente ligadas a vida da vítima seria um grande equívoco. Como no mencionado no capítulo 1.6 deste trabalho, as perseguições servem de introdução para algo muito mais grave se não interrompido.
Constantemente ameaçadas, estas vítimas perdem suas vidas para seus perseguidores ou, abrem mão destas através do suicídio. Isso, são consequências de transtornos adquiridos na consonância das perseguições, estas disposições confluem-se com o direito a integridade moral, prevista no Art. 5º, V e X da Constituição Federal e que será tratado em um momento mais oportuno.
Com o objetivo de provar a potencialidade da conduta, trazemos a história da bailarina Ana Carolina Vieira, brasileira, 30 anos, que foi assassinada em 4 de novembro de 2015 pelo ex-namorado que chegou a confirmar a um jornal de grande circulação que matou Ana Carolina por estrangulamento e que o motivo seria ciúme.
Amigos e parentes diziam que Ana Carolina reclamava há um mês da pressão do ex-namorado. "Ela falou que ele estava ligando demais e importunando." Uma tia e uma prima da vítima confirmaram as queixas. "Ele já ligou 100 vezes no mesmo dia para ela". (FELIX, 2015)
São casos como o de Ana Carolina que comprovam o perigo ao direito mais básicos inerentes ao ser humano, que é a vida, assim, por mais implícito que este preceito esteja instituído, consagra-se desta forma, a garantia de que nenhum particular poderá prejudicar a saúde física ou psicológica de terceiro.
Segundo os relatórios da Doutora Carla Alexandra dos Santos Paiva, a maioria das vítimas de stalking procuram tratamentos psicológicos para combater os medos, anseios e outros malefícios trazidos pelo evento ora estudado. Como prova:
Letícia chegou bastante tensa à sessão de terapia. “Estou à beira do desespero. Há três meses, desde que terminei minha relação com Mário, não tenho sossego. No início, pensei que fôssemos ficar amigos, afinal, foram quatro anos de vida em comum. Mas não tem jeito, ele não se conforma com a separação. Ontem, quando cheguei do trabalho, mais uma vez levei um susto tão grande que meu coração parecia que ia sair pela boca. Eu estava abrindo o portão do meu prédio, quando ele pulou na minha frente. Tinha ficado me esperando escondido atrás das árvores. Isso sem falar nos inúmeros recados que deixa no meu celular e os bilhetes na caixa de correio do prédio. No trabalho, quando saio para almoçar, já vou com medo. Já o vi algumas vezes à espreita. A sensação é que estou sendo perseguida 24 horas por dia. Tenho pesadelos com ele entrando no meu quarto e me enforcando. A minha vontade é de desaparecer. Socorro!"Este é um caso de stalking. (IG, 2010)
11.4 Direito à liberdade
Princípio significante para digna existência humana e, previsto no artigo 5º caput, inciso XV e LXI da Constituição Federal, a liberdade se caracteriza pela faculdade de realizar ou deixar de realizar atos de sua vida sem a interferência do Estado ou de terceiros.
Esta é a maior fonte de supressão do perseguidor, o direito de liberdade de locomoção, direito este, comumente abdicado pela vítima, vencida pelo medo e pela incerteza da sua rotina diária.
Na prática, as pessoas perseguidas deixam de praticar atos ou deslocar-se para evitarem incessantes perseguições, logo, acabam por aprisionarem-se em suas residências, deixando de trabalhar, sair com outras pessoas ou estudarem, como segue:
Fui para a casa da minha avó e vivi com ela por um tempo. Ele parava em frente a minha casa, ligava para mim no trabalho ameaçando me matar."Você não pode me largar. Eu não vou deixar você me abandonar. Eu vou te matar". E daí eu comprei meu próprio apartamento e a mesma coisa aconteceu, ele estava com o carro estacionado lá fora me procurando por aí. Uma vez eu e um amigo saímos por uma hora para a casa da minha mãe e ele estava tentando nos jogar para fora da estrada. Finalmente eu consegui uma ordem de restrição. (Chester, 1999, p.33, [tradução nossa])
12. Do dano
É a penúltima elementar para caracterização do ato ilícito e, consequentemente, o último requisito para emanar o dever de reparação.
O dano, do latim damnu, é a lesão ao bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico, para ser indenizável ou responsabilizado, deverá ser real, atual e certo. É possível haver ilícito sem dano, ou seja, há ação e há violação de direito, mas esta última, não foi suficiente para gerar dano.
O dano é gênero e possui duas espécies distintas, dano patrimonial e extrapatrimonial.
12.1 Do dano patrimonial
Consiste no resultado do prejuízo experimentado por terceiro diante de ação, omissão antijurídica ou abuso de direito por parte do agente. É a consequência da diminuição ou deterioração do patrimônio do sujeito.
Assim o Código Civil dispõe sobre as modalidades de danos patrimoniais no Art. 402, diante da redação deste dispositivo, emanam duas subespécies de dano patrimonial, o dano emergente e o lucro cessante.
Os danos emergentes são os prejuízos materiais efetivamente experimentados pelo lesionado. Nos dizeres de Silvio de Salvo Venosa, é a que mais se realça a primeira vista, o chamado dano positivo, que traduz uma diminuição do patrimônio, uma perda por parte da vítima. Sendo geralmente, na prática, o dano mais facilmente avaliável, porque depende exclusivamente de dados concretos. (CARVALHO, 2011)
Muitas vezes a vítima se sujeita a uma série de estratégias evasivas para esquivar-se das incessantes perseguições, procura alterar sua rotina e seu estilo de vida, em consequência, sofre um considerável aumento em seus encargos econômicos.
Outro fato notório a ser considerado, são os sucessivos decréscimos patrimoniais em decorrência de lesões às propriedades e objetos da vítima, bem como as inúmeras despesas com medicamentos, tratamentos médicos e psicológicos. Nesta senda:
Ele invadiu minha privacidade de novo. Minhas amigas são putas, falam de homens, brincam sobre a beleza deles. Eu sou puta, eu entrei na brincadeira. Eu não sou gente, não sou digna de estar com uma pessoa como ele. Dessa vez, xingamento não foi o limite, fui empurrada da casa, bateu no carro com a mão ao ponto de amassar, meu celular sentiu a queda até o chão inúmeras vezes até um amigo separar. (JORGE, 2016)
Como o objetivo principal da reparação do dano material é reintegrar aquela parcela perdida do patrimônio da vítima, é necessário que esteja devidamente comprovada todas essas perdas, só assim poderá o magistrado, incumbir alguém a reparação ao status quo ante. Sobre despesas médicas da vítima, a artigo 949 do Código Civil é autoexplicativa, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. Deve-se restar clara e detalhada as provas ao Juízo competente todos os danos sofridos em decorrência do abuso de direito, não se pode se presumir o dano, é esse o entendimento unânime da jurisprudência que, visa, coibir o enriquecimento ilícito ou sem causa[13]. Não existe estimativa de dano material.
A segunda subespécie de dano patrimonial, lucro cessante, consiste no que a vítima significativamente deixou de ganhar em decorrência do ato praticado pelo seu perpetuador.
Deste modo, a responsabilidade civil abrange não somente a diminuição do patrimônio da vítima, mas também, tudo que a vítima teria ganho se não houvesse sido praticada a injusta agressão aos seus direitos.
Previsto na segunda parte do artigo 402 do Código Civil, também é caracterizado pela necessidade de prova contundente do dano a fim de impossibilitar o enriquecimento ilícito ou sem causa, só assim, poderá o magistrado arbitrar o valor que a vítima realmente deixou de ganhar.
Assim é entendido pelo Superior Tribunal de Justiça, “o lucro cessante não se presume, nem pode ser imaginário. A perda indenizável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar. A prova de existência do dano efetivo constitui pressuposto ao acolhimento da ação indenizatória."[14]
Trazemos ainda como exemplo, a perda de produtividade da vítima em seu ambiente profissional por influência das perseguições ou até a demissão desta em decorrência de vexames e transtornos experimentados em seu local de trabalho.
O que ele pretendia: destrui-me em termos de carreira e pessoalmente, porque me disse uma vez que me havia de destruir. Felizmente, o meu chefa da altura foi compreensivo e aconselhou-me a concentrar-me no trabalho e esquecer o resto. Como sou professora contratada, infelizmente não consegui ficar mais tempo na escola onde me encontrava. (COSTA, 2012, sic)
Os lucros cessantes possuem ainda, um novo desdobramento chamado: a perda de uma chance.
Se trata da perda de uma oportunidade ou expectativa perdida em decorrência do ato violador. Segundo Venosa, no exame dessa perspectiva, a doutrina aconselha, efetuar o balanço da das perspectivas contra e a favor do ofendido. Da conclusão resultará a proporção para ressarcimento.
Outrossim, devemos nos ater às características retro elencadas do dano, (deverá ser real, atual e certo), não devendo se admitir indenizações por prejuízos hipotéticos, vagos ou genéricos.
É possível que a perda de uma chance possa ser incorporada a uma ação de reparação de danos patrimoniais ajuizada por uma vítima de stalking, o motivo mais provável para um pedido desta natureza, seriam as inúmeras oportunidades de empregos ou negócios perdidos pela vítima em decorrência de atos vexatórios praticados por perseguidores como escândalos, calúnias, difamações e injúrias em público, como segue:
No meu caso em particular, falo de alguém q tudo fez para me prejudicar. De alguém q, deliberadamente, elaborou um plano para me destruir pessoal, social e profissionalmente. (COSTA, 2012, sic.)
A reparação do dano material é proveniente da perda significativa do patrimônio do ofendido, estas, como evidenciado, deverão ser devidamente instruída de provas, comprovando de forma líquida e certa, todos os prejuízos sofridos.
A reparação dos danos materiais possui três especificidades distintas: indenizatória, ressarcitória e de equivalência.
12.2 Do dano extrapatrimonial
O dano extrapatrimonial abrange duas espécies, o Dano Estético, instituto novo que em suma, se trata do dano à beleza física da pessoa, que não merece atenção em nosso estudo pois, pode até subsistir no âmbito das perseguições mas, ocupa uma frequência menor que o Dano Moral, a segunda espécie de dano extrapatrimonial que será amplamente explorado a seguir, ápice de todo nosso estudo, observado ser o maior resultado das perseguições, o dano moral desintegra um conjunto de direitos inerentes a pessoa.
12.2.1 Do Dano Moral
Este, sem dúvida, é um dos institutos mais discutidos no Diploma Civil atual e, uma ferramenta indispensável para responsabilizar o perpetuador por todos os danos não abrangidos pelo dano emergente e pelo lucro cessante.
O dano moral se trata de uma lesão que afronta os direitos mais básicos de um sujeito em meio ao seu convívio social, os direitos da personalidade. Segundo obra coordenada por Wander Garcia, consiste na ofensa ao patrimônio moral da pessoa, tais como nome, a honra, a fama, a imagem, a liberdade de ação, a autoestima, o respeito próprio e a afetividade. (GARCIA, 2015)
Certo, é que, a vítima do dano moral não busca a indenização como fim de reparação de seu sofrimento, mas pretende aliviar parcialmente as consequências da ofensa, devendo assim ser tratada com cautela pelo poder judiciário e pelos operadores do Direito, que muitas vezes não possuem sensibilidade o bastante para mensurar sua aflição. (NETTO, 2015)
O artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso X, garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e/ou moral decorrente de sua violação.
Sérgio Cavalieri ensina que só se deve reputar como dano moral, verbis:
(...) a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso diaadia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (TRENTIN e DUTRA, 2012 apud GONÇALVES, 2003, p. 549 e 550)
Medo, culpa, hipervigilância, desconfiança, sensação de perigo iminente, sentimentos de abandono, desânimo, confusão, falta de controle, comportamentos de evitamento, perturbações de ansiedade, como Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT), depressão, tentativas de suicídio, aumento do consumo de medicação ou automedicação, aumento do consumo de álcool/tabaco, vinculação de notícias e fotos íntimas ou falsas, injúrias, calúnias, difamações, entre muitos outros ônus são consequências arcadas pela vítima de perseguições e merecem serem reparadas e ressarcidas em sua integralidade.
Todos esses resultados deverão ser analisados criteriosamente pelo magistrado, haja visto, a subjetividade e delicadeza que lhe é atribuída ao caso concreto.
Tendo em vista as perseguições serem constituídas de uma série de atos coordenados que abalam moralmente a vítima, se o espectador, equivocadamente olhar para um único incidente, talvez não identifique a real proporção do problema.
É por este motivo que o presente estudo se faz necessário, através de uma exposição massiva dos prejuízos, das consequências e da complexidade do fenômeno, poderão os operadores do direito no âmbito de suas atribuições, quando se depararem na prática com o fenômeno, ter uma melhor perspectiva sobre como solucionar a questão ou, no caso em destaque, discutir o melhor quantum indenizatório.
Só porque uma mulher não tomou um soco no rosto não significa que ela não está sendo perseguida, assassinada ou qualquer outra coisa, mas existem muitas outras maneiras que você pode contar. Se há um comportamento consistente, você sabe, se há uma linha de eventos habituais de diversão, e isso é basicamente stalking. É uma série de eventos isolados que culminam em algo que faz sentido. (...) Mas então, como o meu amigo disse: "Se você olhar para cada incidente ao longo dos cinco meses que ocorreram, você vê um padrão claro". E é isso que as pessoas de justiça penal não entendem. Eles não sabem nada sobre isso. (CHESTER, 1999, p.35, [tradução nossa])
Destarte, o magistrado deverá avaliar em conjunto todo conteúdo probatório apresentado pelo Requerente, sopesando a cada violação, se este dano merece repercutir no âmbito da responsabilidade civil, caso contrário, iremos nos deparar com a figura no mero dissabor.
O mero dissabor ou, mero aborrecimento, consiste na efetiva violação de direito de um sujeito, causando dano a este mas, insignificante do ponto de vista da tutela jurisdicional.
O mero dissabor não possui previsão legal, mas sim jurisprudencial e foi fruto de um combate dos Tribunais contra a famosa indústria do dano moral e do enriquecimento sem causa, onde agentes, se aproveitavam de pequenos danos à sua moral para adquirir por parte do Poder Jurisdicional uma indenização descabida em comparação com a lesão sofrida.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, através do Resp. 1.399.931-MG, entende que meros dissabores normais e próprios do convívio social, não são suficientes para originar danos morais indenizáveis. Assim apresenta-se a figura do mero dissabor no âmbito das perseguições nos tribunais:
DANOS MATERIAIS E MORAIS. FIM DE NAMORO. PERTURBAÇÕES. MENSAGENS E TELEFONEMAS CONSTRANGEDORES. DISSABORES.
1. Sete mensagens enviadas para o celular do ex-namorado, e, frise-se, somente para seu celular, não têm o condão de gerar ofensa ao seu direito da personalidade. (...) No caso em comento, embora evidenciada o envio de mensagens via telefone móvel, não se pode concluir pelo abalo aos direitos da personalidade de qualquer das partes (...) Reconhece-se que houve aborrecimentos consideráveis, porém esses fatos são característicos da ruptura de relacionamento afetivo, que, em regra, são circunscritos por mágoas e ressentimentos, circunstâncias que não são suficientemente idôneas para gerar o abalo moral. (...) Dano material igualmente não configurado.[15]
É necessário muito cuidado ao caracterizar o mero dissabor, visto que, caso não o seja, além da sensação de injustiça experimentada pelo autor vencido da demanda indenizatória, sua Moral restará fragilizada.
13. Nexo de Causalidade
O nexo de causalidade é considerado a liame entre os abusos ou atitudes violadoras cometidas pelo agente e o dano experimentado pela vítima. É elementar, ou seja, requisito necessário para configuração do ato ilícito e, consequentemente, requisito.
Em suma, a responsabilidade só se caracteriza quando o dano foi causado pela conduta do agente, caso contrário, não será possível responsabilizar o agente pelo prejuízo experimentado.
14. Da Reparação (Indenização)
A indenização por violações de direitos, que resultem danos patrimoniais, não gera maiores repercussões no mundo acadêmico pois, uma perícia técnica ou despesas devidamente comprovadas numa demanda, liquidam os danos materiais e os tornam exigíveis.
Já a indenização por violação de direitos que acarretem em danos extrapatrimoniais possui divergências significantes no âmbito da jurisprudência e doutrina, mas, Atualmente, não restam mais dúvidas sobre a possibilidade de ser responsabilizado por prejuízos a moral de uma pessoa, mas, as oito assertivas ainda demostram as dificuldades de se calcular um bem jurídico interior e totalmente subjetivo.
Conclui-se portanto, que a reparação não é só possível, como necessária, porém, o magistrado, detendo-se na análise do caso concreto, deverá dispor dos valores ou interesses que motivaram ou estimularam as disposições normativas existentes para decidir o litígio daquela forma, no caso concreto, ao patamar daquela indenização. (NETO, 2015 apud SANCHÍS, 1987, p.35)
15. Do cálculo da indenização em decorrência de prejuízo moral
A princípio, não existem parâmetros ou critérios legais objetivos para mensurar o dano sofrido pela vítima. Sabe-se que os danos morais são verdadeiras marcas nos sentimentos mais íntimos da pessoa, tendo em muitos casos inclusive, um reflexo negativo em sua vida pessoal, que poderá se arrastar até o fim desta.
Enquanto a indenização decorrente de danos materiais exercer função de recompor o patrimônio perdido da vítima, no caso dos danos morais, a indenização possui função dúplice, compensatória, punitiva, ou seja, compensar a vítima pelo prejuízo sofrido e punir o agressor pela injusta agressão ao bem jurídico violado. Há julgados que foram estudados e serão expostos a seguir, que entendem por uma função tríplice, compensatória, punitiva e preventiva, esta última, com o objetivo de inibir novas violações.
O judiciário brasileiro, comparado com o americano, ainda é muito tímido com relação ao cálculo das indenizações mas, ao longo dos anos, vem incorporando ao cenário das indenizações à guisa de reparação de danos morais, a teoria do punitive damage, também conhecida como teoria do valor de desestímulo, esta, basicamente consiste em adicionar uma função ainda mais punitiva com o intuito de prevenção, majorando o valor da indenização, com o propósito de que o agente não reincida na prática do ato violador.
Carlos Alberto Bittar, salienta:
Nesse sentido é que a tendência manifestada, a proposito, pela jurisprudência pátria, é da fixação de valor de desestímulo como fator de inibição a novas práticas lesivas. Trata-se, por tanto, de valor que, sentido no patrimônio do lesante, possa fazê-lo conscientizar-se de que não deve persistir na conduta reprimida ou, então, deve afastar-se da vareda indevida por ele assumida. [16]
O Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade de explicitar, em várias ocasiões, a importância da teoria do desestímulo para as indenizações em decorrência de danos morais.
Em caso interessante, um bicheiro carioca, enciumado porque sua mulher teria trocado olhares com um estudante de engenharia de 22 anos, o perseguiu, junto com seus seguranças, e disparou vários tiros, deixando o rapaz paraplégico. A indenização por dano moral, no caso, foi fixado em 1.500 salários mínimos. Segundo o Ministro, em seu voto, a indenização "deve procurar desestimular o ofensor a repetir o ato". [17]
Mesmo tendo o Superior Tribunal de Justiça declarado seu apoio a teoria, os magistrados de primeiro grau de jurisdição ainda se baseiam no binômio razoabilidade X proporcionalidade, onde a compensação do ofendido deve ser razoável e dependente da possibilidade econômica do violador.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, foi um dos primeiros Tribunais a consolidar a condenação de ex-companheiros que expuseram indevidamente imagens após o término de seus relacionamento, atitude conhecida nos Estados Unidos como revenge porn, em português, "vingança pornográfica", atitude usualmente cometida por stalkers.
A Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, manteve a condenação de dez mil reais à guisa de reparação de danos morais onde à ré e apelante, enviava para a família e amigos do ex-marido, e-mails com conversas e fotos íntimas entre ela e o rapaz, atitude típica de perseguidores. (COMUNICAÇÃO SOCIAL TJSP, 2015)
Dez mil reais podem parecer valores significativos, mas, não é de difícil compreensão que, a exposição da intimidade de um sujeito nesta proporção perdurará muito mais tempo do que o alcançado pela indenização. Em entendimento contrário segue a Corte Americana que, aplica multas e indenizações de valores catastróficos aos infratores.
Como as indenizações abrangidas radicalmente pela teoria do desestímulo têm por objetivo inibir a prática de novas exposições pelo agente violador, caso isto não ocorra, surge a banalização da ofensa, como no caso do revenge porn, o exemplo é o site myex.com[18].
No âmbito das perseguições, nos Estados Unidos, James L. Dingwall, de 72 anos, perseguiu e assediou a filha de seu falecido amigo na Flórida.
E-mails para vítima com frases de conotação sexual como, "Eu morreria com um sorriso no rosto após fazer sexo com você", oferecer dinheiro para se relacionar sexualmente com a adolescente, constantes ameaças caso se recusasse seus convites, e também, a abertura de contas bancárias no nome desta para convence-la de seus convites sexuais, tudo isso foi feito por Dingwall.
Em resposta a injusta perseguição da adolescente, a justiça americana, em 2012 o condenou ao pagamento de 4,8 milhões de dólares à título de repreensão e compensação pelos transtornos causados à vítima. (G1- GLOBO, 2012)
Talvez, diante da falta de precedentes em nosso Judiciário, do pouco conhecimento sobre o stalking no Brasil e, do manto de subjetividade que agasalha o tema, é extremamente difícil elaborar um parâmetro à ser seguido pelo magistrado ao calcular o dano experimentado pela vítima, mas, desde já, podemos afirmar, que ainda estamos muito longe das catastróficas indenizações americanas.
Importante esclarecer, um valor exorbitante como o arbitrado à Dingwall, também deixa de ser adequado, até porque, sabe-se que na maioria dos casos, este montante nunca será adimplido, mesmo em fase de cumprimento forçado de sentença.
O Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Dr. Marco Antonio Ibrahim, em sede de Decisão, da uma verdadeira lição sobre a timidez ao mensurar indenizações:
A verdade é que a timidez do juiz ao arbitrar tais indenizações em alguns poucos salários mínimos, resulta em mal muito maior que o fantasma do enriquecimento sem causa do lesado, pois recrudesce o sentimento de impunidade e investe contra a força transformadora do Direito. A efetividade do processo judicial implica, fundamentalmente, na utilidade e adequação de seus resultados.[19]
Em estudo aos únicos casos levados à apreciação do Poder Judiciário e muitos outros que se assemelham pelo modus operandi do agressor, danos e resultados experimentados pela vítima, encontramos alguns arbitramentos que merecem destaque:
Tribunal de Justiça do Distrito Federal - Sete mensagens enviadas para o celular do ex-namorado, e, frise-se, somente para seu celular. Assim, certo é que o conteúdo dos recados enviados não se qualifica como atos lesivos ao seu direito da personalidade. Reconheceu-se que houve aborrecimentos consideráveis, porém, esses fatos são característicos da ruptura de relacionamento afetivo, que, em regra, são circunscritos por mágoas e ressentimentos, circunstâncias que não são suficientemente idôneas para gerar o abalo moral. Em primeiro grau foram julgados improcedentes os pedidos formulados na inicial, (dano moral e dano material), e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), o Tribunal conheceu do apelo da vítima e autora da demanda e negou-lhe provimento. [20]
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Término da sociedade conjugal. Importunar de forma agressiva e ostensiva a autora. Stalking. Perversidade. Tentativa de desqualificar a autora perante seu círculo. Compeli-la a desistir de alimentos fixados na separação judicial. Violação da privacidade e intimidade da apelada e constrangimento por ela suportados, com consequente dano psicológico-emocional. Em primeiro grau o Réu foi condenado ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) à guisa de danos morais, corrigida monetariamente e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, contados da data da decisão, condenando-o, ainda, ao pagamento das custas judiciais e honorários de sucumbência, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Tribunal manteve a decisão de primeiro grau.[21]
Tribunal de Justiça do Estado do Acre - A autora, que era amante, demonstrou a existência de dano a ensejar o respectivo valor da indenização, pois sua rotina pessoal teria sido alterada pelo episódio de que participara, em face da sua mudança de domicilio para outro município, em vista da situação vexatória pela qual passou, (Agressões verbais e físicas em local público envolvendo Esposa e o Marido infiel). Mantida a decisão monocrática do Juízo de primeiro grau que condenou os Apelantes Agressores ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) à título de danos morais solidariamente. Tribunal manteve a decisão monocrática de primeiro grau por unanimidade. [22]
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - Inconformado com o rompimento do relacionamento e sua condenação a prestar alimentos à ex-esposa, o Réu teria dado início a uma série de atos de perseguição, tanto em seu local de trabalho, quanto em sua residência, enviou diversos e-mails e telefonemas, alguns com conteúdo ameaçador, culminando agressão ao casal e danos materiais aos veículos de ambos. Em primeiro grau o Réu foi condenado em R$ 19.000,00, (dezenove mil reais), quantia que deverá ser atualizada a partir da data do julgado até o efetivo pagamento, acrescida de juros de 1% ao mês, contados da data da mensagem ofensiva e ameaçadora mais antiga.[23]
CONCLUSÃO
Stalking e, a falta de sua previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro um problema que vivemos na atualidade e, diante desta deficiência, cabe a nós, operadores do direito, buscarmos uma solução efetiva para o caso apresentado.
Tendo em vista as peculiaridades do caso ora em tela, não restam dúvidas que, o instituto da responsabilidade civil é o único recurso jurídico hábil a repelir e reparar as injustas agressões comumente praticadas no âmbito das perseguições, isto, pois, a prática forense vem ao longo dos anos provando que, a pena pecuniária é mais eficiente que a restrição da liberdade, concluindo-se pela maior efetividade da responsabilidade civil face a penal.
A inexistência de parâmetros ou critérios legais para mensurar o dano sofrido pela vítima e, sabendo que os danos morais são verdadeiras marcas nos sentimentos mais íntimos da pessoa, as vítimas e seus respectivos casos merecem uma atenção maior, evitando assim, maior grave durante o desfecho da lide.
Somente após um estudo aprofundado sobre a complexidade e potencialidade do fenômeno stalking, uma análise criteriosa dos prejuízos experimentos pela vítima e a aplicação efetiva da teoria do desestímulo no caso concreto, podemos chegar a uma solução efetiva, bem como, a um patamar justo da pena civil, isto porque, um quantum indenizatório apropriado afasta o sentimento de impunidade, investe a força transformadora do direito, transparece a utilidade e adequação do processo judicial e por último, manifesta a todos a mais almejada sensação de Justiça.
BIBLIOGRAFIA
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[1] Stalk - pursue or approach stealthily: a cat stalking a bird. harass or persecute (someone) with unwanted and obsessive attention: for five years she was stalked by a man who would taunt and threaten her - perseguir ou aproximar-se sorrateiramente, como um gato persegue um pássaro ou, importunar alguém com intenção obsessiva. Exemplo: por cinco anos uma mulher foi perseguida, ou, ("stalkeada"), por um homem que a insulta e ameaça. (OXFORD UNIVERSITY PRESS, 2012, tradução nossa)
[2] Stalker - Aquele que persegue, molesta, aquele que acomete a caça, acossador, perseguidor, espreitador. (WORDREFERENCE.COM)
[3] Erotomania - consiste na convicção delirante de uma pessoa que acredita que outra pessoa, geralmente de uma classe social mais elevada, está secretamente apaixonada por ela. (DICIONÁRIO PORTUGUÊS [ON-LINE], 2015)
[4] Bully - brigão, amedrontar, intimidar. (MICHAELIS, 2001)
[5] Em português: modo, maneira de agir (MICHAELIS, 2001)
[6] Keyloggers e VNC: ferramenta utilizada por hackers para invasão de computadores.
[7] Em latim: Iniuria commititur si quis matrem familias aut praetextatum praetextatamve adsectatus fuerit. Traduzido para o inglês por (ROYAKKERS, 2000), being a nuisance by following a married woman or a boy or girl can lead to prosecution. [Tradução nossa para o português.]
[8] As sequelas mais comuns as quais as vítimas experimentam foram extraídas do portal da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, (APAV, 2013).
[9] Síndrome de Estocolmo: Trata-se de uma síndrome onde o paciente, diante das circunstância de um sequestro ou perseguição, desenvolve um laço afetivo pelo seu perpetuador. (BROTTO, 2016)
[10] (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. 2ª Turma Criminal. Apelação nº: 20111210063564. Relator: Roberval Casemiro Belinati, Data de Julgamento: 11/07/2013. Disponível em: http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23711200/apelacao-criminal-apr-20111210063564-df-000659.... Acesso em: 23/10/2016)
[11] (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 2008.001.06440. Relator: Marco Antonio Ibrahim. Data do Julgamento: 10/06/2008. Disponível em: http://www.trt4.jus.br/portal/portal/EscolaJudicial/biblioteca/noticia/info/NoticiaWindow?cod=907313.... Acessado em: 22/10/2016.)
[12] (BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 2ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 468.232-0. Relatora: Evangelina Castilho Duarte. Data do Julgamento: 9/3/2005. Disponível em: http://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/ tjmg/2237/1/0196-TJ-JC-045.pdf. Acessado em: 21/10/2016. )
[13] Enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico. (REDE DE ENSINO LUIZ FLÁVIO GOMES, 2009 apud FRANÇA, 1987)
[14] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Recurso Especial nº 107.426. Relator: Barros Monteiro. Data do Julgamento: 20/02/2000. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/314074/recurso-especial-resp-107426-rs-1996-0057519-3.Ace... em: 23/10/2016).
[15] (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. 2ª Turma Cível. Apelação Cível nº 0004295-21.2008.807.0005. Relator: Waldir Leôncio C. Lopes Júnior, Data de Julgamento: 27/04/2009, Data de Publicação: 18/05/2009)
[16] (BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 12ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 10115080140763001 MG. Relator: Domingos Coelho. Data de Julgamento: 11/12/2013. Disponível em: http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/118543260/apelacao-civel-ac-10115080140763001-mg/inteir.... Acessado em: 23/10/2016)
[17] (NETTO, 2008 apud BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Recurso Especial nº 183.508. Relator: Sávio de Figueiredo Teixeira. Data de Julgamento: 10/06/2002.)
[18] O site www.myex.com se trata de uma página de internet americana onde usuários podem expor imagens de ex-companheiros. As fotos são enviadas para o site e ficam expostas em uma espécie de galeria pública junto com os dados pessoais das vítimas.
[19] (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 22ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 00293415120098190002 RJ. Relator: Marco Antonio Ibrahim. Data de Julgamento: 01/04/2013. Disponível em: http://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/117602581/apelacao-apl-29341512009 8190002-rj-0029341-5120098190002. Acessado em: 21/10/2016)
[20] (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível nº 42952120088070005 DF. 2ª Turma Cível. Relator: Waldir Leôncio C. Lopes Júnior. Data de Julgamento: 27/04/2009. Disponível: http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5862644/apelacao-ci-vel-apl-42952120088070005-df-000429.... Acessado em: 22/10/2016)
[21] (BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 13ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 1.0024.08.841426-3/001. Relator: Alberto Henrique. Data de Julgamento: 31/03/2011. Disponível em: http://bd.tjmg.jus.br/jspui/handle/tjmg/2237. Acessado em: 22/10/2016)
[22] (BRASIL. Tribunal de Justiça do Acre. 2ª Câmara Cível. Agravo Regimental nº 0018238-46.2012.8.01.0001/50000. Relator: Júnior Alberto. Data de Julgamento: 10/08/2015. Disponível em: http://esaj.tjac.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=55847&cdForo=0. Acessado em: 23/10/2016)
[23] (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 20ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 2008.001.06440. Relator: Marco Antonio Ibrahim. Data de Julgamento: 04/06/2008.Disponível em:http://srv85.tjrj.jus.br/ConsultaDocGedWeb/faces/ResourceLoader.jsp?id.Documento=000360155333E9681E6.... Acessado em: 22/10/2016.)
Coautoria: Guilherme de Macedo Soares. Graduado em Faculdade de Direito pela Universidade Católica de Santos (1990), e Mestrado em Direito, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP (2009). Atualmente é Juiz de Direito - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, titular da 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Santos. Coordenador do Juizado Especial - Anexo Unisanta e Corregedor Permanente da Unidade Avançada de Atendimento Judiciário junto ao Terminal Marítimo de passageiros Giusfredo Santini - Concais e professor titular da Universidade Santa Cecilia Foi assessor da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pelo biênio 2012/2013. Ganhador do Prêmio Inovare, em 2012 - Projeto Jovem Eleitor - na categoria Juiz.