quarta-feira, 31 de março de 2021

Há 20 anos, um americano elaborou uma teoria sobre como nós podemos ser levados a pensar o que um grupo de pessoas quer que nós pensemo



Como todo bom começo, estamos aceitando contribuições, além das boas e velhas sugestões, críticas e comentários. Espero que gostem. Ou que pelo menos seja útil.

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Pense bem antes de responder. Qual sua opinião sobre a legalização do aborto? A descriminalização das drogas? A privatização das universidades públicas? O casamento gay?

Essas e várias outras questões estão postas de alguma forma na sociedade brasileira atual e, provavelmente, você tem uma opinião mais ou menos fundamentada sobre cada um desses assuntos. Mas a pergunta que fica é: será que essa é verdadeiramente nossa opinião ou fomos levados a pensar assim?
Influências

Que as pautas vigentes na sociedade podem ser escolhidas pela imprensa, pelas propagandas, pelos políticos, pelos ativistas, etc, todos nós já sabemos. Mas uma teoria bem mais "recente" – de meados da década de 1990 – e suplementar veio nos mostrar que esses diversos atores sociais podem estar escolhendo não só o que pensamos, mas como.

O conceito foi elaborado por Joseph P. Overton e chamado de Janela. Mais tarde, assim como o Teorema de Pitágoras e as Leis de Newton, o termo assumiu a alcunha do autor e passamos a chamá-lo de Janela de Overton.


Resumidamente, ele estabeleceu que as opiniões sobre todos os assuntos podem ser enquadras num espectro alocado numa faixa que vai desde o absolutamente contrário até o absolutamente favorável. Esse espectro representa onde está alocada a opinião pública (ou da grande maioria dela) e passou a ser chamado de janela.






O conceito demonstra, por exemplo, quais tipos de posições são consideradas aceitáveis para aquela sociedade naquele momento. Nesse cenário, se uma figura pública deseja ser bem quista pela população (ou pela grande maioria dela), então suas opiniões devem variar apenas dentro dessa janela. Extrapolá-la pode significar rejeição.

Mas a teoria de Overton não se limitou a isso e provou que essa tal janela não só é mutável como manipulável. Explico.
Influenciadores

Por ações naturais, a nossa opinião e, consequentemente, do nosso coletivo muda. Compreender isso não é lá tão difícil, basta notar que a menos de 150 anos atrás a escravidão era legal.

O experimento, porém, mostrou também que, além das ações naturais, agentes podem interferir deliberadamente no deslocamento dessa janela e movê-la no sentido que desejarem ao influenciarem a opinião pública. A esses agentes – que podem ser desde políticos até youtubers –, Overton chamou de Think Tank, ou seja, aqueles que desviam o foco da questão principal e começam a pautar assuntos adjacentes para tornar o discurso mais aceitável até que a percepção das pessoas seja deslocada.

Esse jogo de influências foi se profissionalizando com o passar do tempo e hoje existe toda uma indústria de assessores de imprensa, publicitários, relações públicas, cientistas políticos, pesquisadores e tantos outras profissões que estão por aí tentando mover as diversas janelas de acordo com seus interesses – sejam eles louváveis ou não. A Janela de Overton se torna, assim, um conceito fundamental na nossa tentativa de entender melhor a complexidade da sociedade.

Usando o mesmo exemplo: em 1850 era um absurdo propor a libertação dos escravos no debate público da sociedade brasileira. Sabendo que mudar de um extremo ao outro seria muito difícil, primeiro foi proposto apenas a proibição do tráfico de negros. A aceitação a esse tópico específico foi maior e o resultado foi a aprovação da lei Eusébio de Queiroz. 21 anos depois, as opiniões foram novamente deslocadas e a lei do Ventre Livre conseguiu ser aprovada. Levaram mais 13 anos até que a lei dos Sexagenários tivesse o mesmo fim e só em 1888 a lei Áurea foi finalmente sancionada.






Nesse caso, portanto, levou quase 40 anos para que a Janela da escravidão no Brasil se deslocasse do absolutamente favorável ao absolutamente contrário (pelo menos no que diz respeito a lei).

Assim, vagarosamente, caminha a maior parte das discussões em tempos de paz em regimes democráticos. A Janela de Overton pode ser definida sem muito prejuízo como a zona de conforto das opiniões públicas.
Cuidados

Essa transformação intencional, porém, deve ser vista com algum cuidado e ratifica a importância de estar sempre questionando nossos princípios e as reais motivações dos temas colocados em pauta (e até dos que não estão colocados). O fato da janela ser manipulável ganha um agravante quando percebemos que ela se desloca por meio do debate público de ideias, mas que estas não precisam, sequer, ser verdadeiras.

Para ilustrar e seguir ao pé da letra a Lei de Godwin, vamos citar o caso do nazismo para encerrar o artigo.







“Uma mentira contada mil vezes torna-se verdade”

Joseph Goebbels – ministro da propaganda na Alemanha Nazista

A frase mais célebre do ministro da propaganda no governo nazista revela muita coisa. Os nazistas sabiam que para mudar as coisas era necessário, antes de mais nada, travar uma batalha no campo ideológico. Não foi a toa que foi criado um ministério da propaganda e que, assim, os nazistas conseguiram convencer os alemães (ou a maioria deles) de que a raça ariana era pura e superior.

Com essa mensagem bem difundida e consolidada, os nazistas facilitaram as coisas pra si. As pessoas foram se deslocando aos poucos do ponto radicalmente contrário ao extermínio de minorias para o apoio ao massacre promovido contra judeus, negros, ciganos, homossexuais, comunistas e assim por diante.

Perceber, portanto, que as batalhas começam a ser travadas no campo do discurso nos faz treinar um olhar mais amplo sobre as transformações pelas quais estamos passando. Ainda que o aspecto comercial seja predominante no mundo globalizado, eles têm um caráter menos decisivo do que outros tantos que também estão colocados como o político, o social, o econômico, o religioso, etc.

Com esses exemplos, fica evidente que a Janela de Overton é um conceito que pode ser igualmente utilizado para o bem ou para o mal. Conhecê-lo não rende nenhuma garantia de se tornar "imanipulável", mas como gosto de dizer, conhecer as regras do jogo torna ele muito mais fácil de jogar.
Unanimidades

Antes de terminar, uma última ressalva. Ao tomar conhecimento desse conceito e, caso você se interesse muito por ele, é preciso tomar cuidado para não cair no outro extremo da ingenuidade: as teorias da conspiração.

Para não começar a achar que simplesmente tudo que você vê, ouve ou pensa faz parte de um plano maior arquitetado por [insira aqui seu adversário], é preciso lembrar que algumas mudanças ocorrem apenas pelas suas próprias forças naturais. Além disso, mesmo algumas daquelas que são orquestradas podem ser benéficas, se o interesse for justo.

A dica é a mesma que todas as outras vezes: exercite a empatia. Procure pessoas com pontos de vista e argumentos diferentes (e distantes) dos seus. Ouça o que ele tem a dizer com atenção, sem tentar convencê-la. Quando você tiver dimensão de todos os atores e espectros de opiniões envolvidos na questão, ficará mais fácil descobrir os interesses por trás. Se assim for o seu caso, desconfie. Toda unanimidade é burra.

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Tecla SAP é uma série de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às quintas-feiras que se propõem a explicar ou traduzir conceitos complexos que estão presentes nas nossas vidas, mas não sabemos ou reconhecemos.

terça-feira, 30 de março de 2021

Petistas Magros não Lutam Sumô


Cedê Silva


A FORÇA DO PETISMO não está (obviamente) na sua capacidade de vencer discussões, mas de pautá-las.

Um petista sempre vai avaliar o adversário antes de escolher o esporte. Se você for magrelo como eu, o petista vai desafiá-lo para um duelo de sumô. Se for gordo e pesado, o petista vai querer competir com você na natação, ou talvez em uma maratona. Se você for bom de briga mas ruim da cabeça o petista te convida para uma amigável partida de xadrez; se for o contrário, para uma luta de boxe.

Como conquistaram a hegemonia nas redações, na universidade, nos sindicatos, nos “movimentos sociais” etc. os petistas possuem um imenso poder de agenda, de pauta, sempre deslocando-a em favor dos seus interesses.

Um exemplo recente: a Operação Carbono 14, deflagrada em uma sexta-feira (1º), trouxe à tona o incômodo caso Celso Daniel. Celso Daniel incomoda porque os mesmos petebas que berram “que se investigue tudo!” querem dar por encerrado um mistério que envolve, atenção, pelo menos sete OUTROS cadáveres. O caso também expõe diretamente a incoerência daqueles que cobram menos violência, mais moderação, etc. Ora, imaginem que um prefeito petista fosse assassinado hoje. Como reagiria o PT? Pediriam, corretamente, investigação, apuração, etc. custe o que custar, até tudo ser esclarecido. Porque isso não vale para Celso Daniel podemos apenas imaginar.

Quem acompanhou a sexta-feira na internet viu o silêncio geral dos petistas. Falavam de flores…

Mas um dia depois da Carbono 14 eis que surge a capa da IstoÉ. Bendita capa! Bendita foto! Os petistas se agarraram a ela com muito gosto. O assunto, a pauta, passou a ser a misoginia, o machismo, etc. Por que os petistas não falam da capa de VEJA, que além de ter circulação e audiência muito maiores sempre foi sua inimiga favorita? Porque VEJA, esta semana, traz na capa a foto de Celso Daniel, e isso não interessa. Petistas Magros Não Lutam Sumô: eles escolhem o esporte que mais lhes apetece, e é precisamente por isso, e apenas por isso, que vencem.

Dá na mesma quando um petista — ignorando total e completamente a delação do LÍDER DO GOVERNO DILMA NO SENADO, as declarações da Andrade Gutierrez ou tudo aquilo que Rui Falcão, Jaques Wagner, Mercadante e o faraó Lula disseram e está gravado — repercute aos mil ventos uma planilha da Odebrecht para a qual não existe uma só boa razão para faltar o nome de Dilma, cujo partido recebeu da empreiteira, só em 2013 (!), R$ 6 milhões declarados.

É por isso que digo que, quando um reaça diz “veja, até a Luciana Genro disse que…” ou “vejam, até a Marina Silva…”, ele já perdeu. Porque entregou a legitimidade de sua causa ou de sua agenda para uma terceira parte (ou, no caso destas duas personagens, para o Outro Lado mesmo).

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Esta semana a internet está sendo acometida por uma nova onda. Pela coincidência de pautas entre os AstroTurfs de sempre, podemos notar que essa onda tem o carimbo ou pelo menos a anuência do Comando Central do Partido. Trata-se da “não perca amizades por política”, aí necessariamente entendido o “não brigue por causa de opiniões”.

A pauta interessa muitíssimo ao PT. Quando você está tomando uma surra dos fatos, um recurso interessante é mudar o esporte para uma saudável e amigável disputa de opiniões. Desta maneira, defender o governo vira uma mera questão de opinião, de gosto, um capricho, como escolher um time de futebol ou gostar de azeitona. Se é tudo questão de opinião, os fatos podem ser deixados de lado, como o cardápio logo depois que bons amigos escolhem o que pedir. E assim as comprovadíssimas pedaladas fiscais, o petrolão, o documento do Bessias, as promessas de Mercadante, a longuíssima delação de Delcídio, etc. etc. viram, quando muito, palpites, isso se forem lembrados.

Pelo menos dois jogos de tabuleiro reproduzem esta dinâmica. Em “Campaign Manager 2008”, o jogador deve deslocar o assunto em pauta em cada Estado — defesa ou economia — antes de amealhar os eleitores. Já em “Gym”, que será lançado no fim do ano, o jogador pode usar bullies — crianças ruins de esporte mas boas de confusão — para atrasar as competições nas olimpíadas da escola: dos seis eventos possíveis, apenas quatro serão realizados, sendo os outros dois cancelados pelas crianças marrentas.

A força do petismo está em seus bullies. 

UM partido que transformou um Pais Rico e próspero em uma nação de perversos e pervetidos. Os que escapam, são vítimas de.

 


A desordem gera desordem. Conheça a Teoria das Janelas Quebradas



Por Monaliza Montinegro

    No final da década de 60, psicólogos americanos resolveram dar início a uma curiosa experiência. Deixaram dois automóveis idênticos abandonados em bairros diferentes do Estado de Nova York, um em bairro nobre e outro na periferia[1]. O resultado não poderia ser diferente. O carro que estava na periferia foi rapidamente depredado, roubado e as peças que não serviam para venda foram destruídas.     O carro que estava na área nobre da cidade permaneceu intacto. Mas isso os pesquisadores já poderiam prever. O que eles queriam mesmo comprovar era um outro fenômeno. Com isso, prosseguiram quebrando as janelas do carro que estava abandonado em um bairro rico e o resultado foi o mesmo que aconteceu na periferia: o carro passou a ser objeto de furto e destruição. Com isso, chegaram os pesquisadores, precipitadamente (talvez intencionalmente), a conclusão de que o problema da criminalidade não estava na pobreza e sim no desenvolvimento das relações sociais e na natureza humana.
    As bases teóricas dessa constatação veio com a Teoria das Janelas Quebradas, desenvolvida na escola de Chicago por James Q. Wilson e George Kelling. Explica que se uma janela de um edifício for quebrada e não for reparada a tendência é que vândalos passem a arremessar pedras nas outras janelas e posteriormente passem a ocupar o edifício e destruí-lo. O que quer dizer que a desordem gera desordem, que um comportamento anti-social pode dar origem a vários delitos. Por isso, qualquer ato desordeiro, por mais que pareça insignificante, deve ser reprimido. Do contrário, pode ser difusor de inúmeros outros crimes mais graves. Serve as bases daquilo que a sociedade e a alguns setores da mídia hoje defendem: a tolerância zero, que por coincidência também é o nome atribuído a uma teoria desenvolvida tempos atrás pelos mesmos estudiosos da Escola de Chicago.
    Essas teorias foram construídas naquela época para serem utilizadas pelo prefeito de Nova York como forma de empregar uma política repressiva e autoritária no combate a criminalidade, como fundamento para combater qualquer comportamento que fuja dos padrões sociais. Essas medidas foram aplicadas junto a um conjunto de fatores que direcionaram para o desenvolvimento social e a limpeza nas ruas de modo que foi capaz de produzir resultados favoráveis.
    Na verdade, a tal teoria parece interessante e bastante convincente. Pois, de fato, a desordem gera desordem. Só não se sustenta porque tal construção visa atacar um conflito apontando como solução um problema maior ainda. Visa penalizar com a prisão aqueles que foram gratuitamente sancionados com a falta de estrutura física e social. No Estado de New York funcionava mais ou menos assim: aqueles que sofriam com o vício do álcool, por exemplo, ao invés de serem encaminhados para um tratamento psicológico e médico eram presos. Posso ainda ilustrar com um caso mais extremo, que ficou conhecido como caso Kathy Franklin[2]. A história ganhou repercussão em razão do ato monstruoso incorporado pelo Estado norte americano de algemar uma criança de 6 (seis) aninhos de idade e manda – lá para uma instituição de saúde mental, só porque teria feito “birra com uma professora do primário”. Ouso em dizer que aqui no Brasil funcionaria, inicialmente, mais ou menos assim: mendigos, flanelinhas, catadores de lixo, negros, crianças e adolescentes abandonados por suas famílias se cometessem o mínimo deslize deveriam ir pro xadrez. Afinal, quem mente rouba. Pois, pobreza não é desculpa para criminalidade e quem quer dá um jeito de vencer na vida.
    Foi tentando contrapor esse pensamento que os autores Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Edward Rocha de Carvalho escreveram excelente artigo afirmando o que a teoria norte americana esqueceu de constatar: é que as pedras, às vezes, também vem de dentro e podem ainda atingir os que estão do lado de fora[3]. Esse ponto foi relegado pela teoria porque aqueles que estão do lado de fora não parecem merecer atenção, desde que não façam o revide de jogar a pedra de volta.
    Lamentavelmente, nos dias de hoje, o clamor pelo direito penal máximo retrocede até a Teoria das Janelas Quebradas para colocar a punição, a exclusão, o sentimento de vingança coletivo, acima do desejo de ressocializar. Na sociedade que não questiona, deixa-se de lado o que realmente poderia ajudar: tentar entender porque a primeira janela foi quebrada. Efetivamente, é difícil tentar entender algo ao meio de tantas informações prontas, de tantas vozes, mesmo que falando em nome de tão poucas pessoas. É mais fácil, então, reproduzir. E se esse discurso não atrapalhar o meu conforto, mais fácil ainda. Daí que nascem pérolas do tipo: é da natureza do ser humano praticar delitos. Essa é a explicação mais profunda que os meios de controle podem difundir.
    É justamente o discurso do jeitinho brasileiro, desse instinto ruim do povo descendente das piores espécies de gente trazidas há mais de 500 anos de Portugal (como se no resto do mundo inteiro não existisse corrupção) que destrói o que há de mais elementar no ser humano: a capacidade de procurar encontrar soluções das mais variadas para os mais variados problemas. É a clássica reprodução de massa que, usando desse determinismo prosaico, cria seres sem capacidade de autodeterminação. Seja porque incute na sociedade o sentimento de abandonar quem já está perdido, seja porque aquele que abandona quem está perdido abandona também sua capacidade de pensar, de refletir e de questionar.     Ou ainda, nas palavras de Hanna Arendt “aqueles que condicionam o comportamento de outros tornam-se condicionados pelo próprio movimento de condicionar”[4].
Com base nisso, a sociedade brasileira tende a procurar na lei a solução para todos os problemas.                Talvez porque as próprias pessoas que são estratificadas para pensar o direito trocam suas reflexões pela letra fria da lei, quando na melhor das hipóteses aderem a um posicionamento (pensado, diga-se de passagem) consolidado dos tribunais superiores. Talvez porque a maioria dos operadores do direito não são mais pensadores do direito. Porque a construção da justiça só acontece nos tribunais superiores. Lamentavelmente, o sistema jurídico atual induz a isso. A começar pelo concurso público que hoje obriga o candidato a deixar de pensar para passar. Perde-se a consciência crítica. Perde-se a capacidade de desenvolver soluções para os problemas. Nesse viés, não seria extremo lembrar que essa perda de reflexão já levou um dia a prática de terríveis massacres contra a humanidade como o nazismo, a produção de guerras, e outros tantos absurdos cometidos em nome da norma. Mas isso é assunto pra um outro artigo.
    Retornando a Teoria das Janelas Quebradas, a pergunta principal é: quem atirou a primeira pedra? Na história da Bíblia, ninguém. Quando Jesus, indagado sobre a Maria Madalena, afirmou que atirasse a primeira pedra aquele que não tivesse pecados ninguém atirou[5]. Os que estavam ali para julgá-la saíram todos, um de cada vez, começando com os mais velhos. Infelizmente a sociedade esqueceu essa lição. Jogam-se pedras o tempo todo. De dentro pra fora e de fora pra dentro. Joga-se pedras quando se defende o caos na periferia. Defende-se que crianças e adolescentes possam ser presos como se fossem adultos e quando se defende o extermínio de quem não se amoldar a norma, através a pena de morte e da prisão perpetua. Há até quem se indigne com bolsas de faculdade para pobres e até com o assistencialismo do auxílio bolsa-escola. Afinal de conta, depois do bolsa-escola ninguém mais quer trabalhar.
    O que apedrejadores esquecem de extrair desse contexto é que o caos nunca permanece imóvel. Que acostumar as pessoas com a desordem é transformá-las em instrumentos do crime. E que conflitos que chegam as áreas mais nobres são determinados por uma conjugação de fatores criados normalmente de forma aleatória pela maioria da população. Uso a palavra aleatória para enfatizar determinados atos como resultado da irreflexão ou até da inflexão. Naquilo que para Hanna Arendt residiria em ser banalidade o mal[6]. Cientificamente falando, a sociedade precisa conhecer o efeito da “realimentação do erro”[7], o qual o filósofo e matemático Edward Lorenz chamou de Efeito borboleta. É a noção de que o bater das asas de uma borboleta num extremo do globo terrestre pode provocar um caos no outro extremo em um pequeno lapso de tempo.
    Desta forma, seria irracional usar todas as teorias do direito penal máximo como solução para os males do mundo. Como se fosse possível dissociar o estado de miséria, pobreza e desordem que existe nas periferias da violência nos lugares mais nobres. Querer isolar no cárcere as pessoas que vivem nesse estado sem apresentar meios de modificar a problemática social equivale a caminhar para a construção de um modelo que isola preventivamente todos que estão em um ambiente marginalizado. O que ainda assim não se sustentaria, visto que ficariam os mais abastados sem mão-de-obra para limpar a própria sujeira. O Direito penal máximo, os delitos de acumulação, o sistema da periculosidade, a redução da menoridade penal e muitas outras teses que encontram no encarceramento a solução para a criminalidade, nada mais fazem do que fomentar a produção de mais delitos. Do contrário não haveria reincidência. Basta comparar as estatísticas da superlotação dos presídios com o aumento dos índices de criminalidade.
    O direito penal nada mais deve ser do que um instrumento para contenção de abusos por parte do estado, na aplicação de sanções, como defende Zaffaroni[8]. Como defende o Papa Francisco[9], deve o direito penal caminhar lado a lado com o princípio da dignidade da pessoa humana. É preciso que a sociedade possa entender que a pena corresponde a uma tríplice finalidade qual seja, prevenção, retribuição e ressocialização. Não deve servir apenas com instrumento de vingança privada. Por isso, defendo aulas de direito básico, filosofia e sociologia em todas as escolas de nível médio. Mas também defendo que essas matérias de humanística sejam parte obrigatória de um programa de aperfeiçoamento permanente entre juízes, defensores, promotores, procuradores e todos aqueles que manejam o direito posto, para que possam remanejar também o direito pressuposto.
    A conveniente intolerância social hoje atinge níveis tão altos que ouso arriscar que Jesus ficaria escandalizado com o tanto de pedras que Maria Madalena receberia. Porque as pedras que quebram as janelas estão por toda parte, inclusive em forma de cisco embaçando a visão de muitos operadores do direito.
    Sei que existem inúmeras pedras no meio do caminho. Por isso, enquanto o sistema jurídico não for reformado, enquanto o direito não for construído com a consciência da própria sociedade, as pedras continuarão a serem arremessadas. E quem não tiver pecados que prossiga arremessando!
Monaliza Maelly Fernandes Montinegro é Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; Analista do Seguro Social com formação em Direito; Aprovada no concurso da Defensoria Publica do Estado da Paraíba

[3] http://emporiododireito.com.br/teoria-das-janelas-quebradas-e-se-a-pedra-vem-de-dentro-por-jacinto-nelson-de-miranda-coutinho-e-edward-rocha-de-carvalho/
[4]Disponivel em http://www.mundodosfilosofos.com.br/a-condicao-humana-hannah-arendtt.htm
[5] Evangelho de João (João 7: 53 até João 8:1-11)
[6] ARENDT, Hannah; Eichmman em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
[7] Disponivel em https://ibenp.wordpress.com/2010/11/04/efeito-borboleta/ (acesso no dia 21.05.15)
[9] Disponivel em http://justificando.com/2015/05/13/um-papa-garantista/ (acesso no dia 21.05.15)

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