terça-feira, 24 de setembro de 2019

Sobre as "Agressões Inusitadas"


    





 O fenômeno das "agressões inusitadas" é a doença de um mundo que descartou a figura do pai


Fred Melo Paiva


      Jorge Forbes é um psicanalista capaz de explicar Lacan citando Fernando Pessoa, Chico Buarque, Drummond, Roberto Carlos. Até Chitãozinho & Xororó. Isso não significa que dê explicações descomplicadas, abraçando a causa, muito em voga, das análises simplórias embora pretensamente profundas. A sorte é que, a cada meia hora de conversa, tem a mania professoral de fazer um breve resumo da ópera, sempre rabiscando figuras geométricas em uma folha de papel. É assim que se entende que Forbes tem uma boa tese: a de que estamos em um mundo completamente novo, no qual pai, mãe, chefe e padre, entre outros ilustres personagens, estão totalmente por fora. A novidade, ele garante, Freud não explica.

     Aos 51 anos, Jorge Forbes já publicou dois livros e organizou outros três. Médico psiquiatra, abraçou a psicanálise e foi aluno de Jacques Lacan na Paris da segunda metade dos anos 70. Desde então vive entre São Paulo e a capital francesa. Paulistano, filho de uma elite bem-educada, foi também professor de Lingüística e Semiótica na Universidade de São Paulo. É membro da Escola Européia de Psicanálise e presidente do Instituto da Psicanálise Lacaniana. É um sujeito que ri fácil. Mas fecha a cara para Drauzio Varella, que, segundo ele, "acha que a boa vida depende de comer uma quantidade de sal que não absorva toda a água do organismo". Contrário a esse pragmatismo fisiológico, Forbes gosta mesmo é de contar que "Darcy Ribeiro mandou desligar os aparelhos do hospital e foi morrer junto das suas namoradas".

Darcy Ribeiro, no entanto, é da época em que "você tinha de escolher entre Geraldo Vandré e Chico Buarque, entre o DKW e o Fusca". Fazia parte de um mundo que Jorge Forbes tem deixado para trás, atento ao estudo comportamental das novas gerações. "A globalização pluralizou as possibilidades e as pessoas entraram na angústia da escolha", analisa.

      Perdemos todos os padrões." Uma das conseqüências disso é o que Forbes chama de "agressões inusitadas" - um fenômeno de violência "gratuita" que teve seu ponto alto na semana que passou, quando veio a público a história do assassinato do analista de sistemas José Eduardo Barcelos Vásquez, a mando da própria filha, Daniele, de apenas 20 anos. Forbes explica:

      O que há de novo no comportamento de gente como Daniele Vásquez?

     Agressões sempre aconteceram, porém de forma justificada - por necessidade, inveja, fome, disputa, amor. Podemos entender a agressão ao Iraque, ou por que alguém apanha se subir o morro vestindo terno, gravata e Rolex. Ao contrário disso, as agressões inusitadas caracterizam-se pela surpresa, pela falta de compreensão da sociedade e do próprio agressor sobre sua motivação. O primeiro caso do qual tivemos notícia aconteceu quando alguns alunos atiraram em seus colegas, fazendo vários mortos, em Columbine, nos Estados Unidos. Aqui, o caso foi explicado como "coisa de americano". Acontece que depois houve o atirador do cinema no MorumbiShopping. Disseram que ele tinha ido assistir a Clube da Luta e, "logo", disparou a arma. Agora, novamente um americano matou colegas de escola e depois se matou. Mas acharam na casa dele uma foto de Hitler, o que "justificou" a ação. São todos casos de grande repercussão. Mas há inúmeras outras histórias que nem chegam a virar notícia. Outro dia fui à delegacia porque o filho de um amigo foi agredido em um restaurante de classe média alta em São Paulo. Ele estava indo embora, descendo as escadas com a namorada, quando um outro jovem se aproximou.  
      Eles não se conheciam. Não havia briga, não havia gangue, não havia bebida. O rapaz tirou do bolso um soco-inglês e deu um murro na cara dele, partindo seu nariz em três pedaços e abrindo sua testa. Uma agressão completamente surpreendente, e muito mais comum do que se imagina. Esses fenômenos tanto mais se alastrarão se continuarmos tratando o assunto a distância. O fato é que a menina de Brasília é um fenômeno inerente e conseqüente à globalização. É um fenômeno que alia quebra de identidade e irresponsabilidade.

       Como podemos entender sua atitude?

     O pai virou um genérico, esse termo que vem da globalização e define o que não tem uma característica própria. O pai não é mais aquele, não é o intocável - pelo menos para essa pessoa. Então, pôde virar simplesmente um empecilho a ser eliminado, deletado. O pai do mundo industrial perdeu o sentido. Dizia-se que "com pai e mãe não se mexe". Como se dizia também que "em igreja não se rouba". Em Minas, as igrejas ficavam então de portas abertas. Hoje são roubadas. O laço social não dá mais ao pai - nem ao padre - nenhuma posição privilegiada.

Esse tipo de crime deixa uma pergunta no ar: como uma pessoa parecida comigo faz isso?

     Esse questionamento nos leva a pensar que, se ela fez, também podemos fazer. E o que nos protege de nós mesmos? A sociedade está apavorada frente a isso - não estamos apavorados com a menina de Brasília. Estamos apavorados com a nossa menina de Brasília. O que tem em mim parecido com a menina de Brasília ou com Suzane Richthofen? As pessoas, na verdade, estão auto-apavoradas.

Que mudança a globalização provocou, a ponto de permitir que isso acontecesse?
Tínhamos uma sociedade hierarquizada e vertical, com uma presença muito forte do pai ou do chefe. Essa sociedade não existe mais, o que deixa as pessoas perdidas - isso nos leva a enfrentar novas doenças, obrigando a novas soluções.

       Que doenças são essas?

     A depressão e as agressões inusitadas, apenas para citar dois exemplos. No caso da depressão, médicos falam na serotonina desregulada. Tudo bem, está certo. Mas por que raios eles não nos explicam qual o motivo de a serotonina ter se desregulado só agora, sendo que ela está no corpo humano desde que o homem é homem? Por que resolveu dar o ar de sua graça só agora? Prefiro outra explicação para o problema: quando o homem perde seu termômetro, ele passa a se medir mal. Então, se você passar pela rua, encontrar um velho amigo e ele der sinais de que não o conhece mais, a primeira coisa que você vai dizer será: "Mas o que eu fiz? Onde eu errei com ele?".
     Quando você cumprimenta alguém, faz um ato de demanda de reconhecimento.           Quando ele não o reconhece, acontece uma pequena crise de identidade, que você conserta quando pergunta o que fez de errado. É uma historinha banal, mas serve para entender a depressão - ela nada mais é do que a cura para a perda da identidade. Um mau borracheiro, devemos admitir, mas sem dúvida uma forma de consertar.

       O que há em comum nos episódios de agressões inusitadas?

      São imprevisíveis e inexplicadas pela sociedade a não ser que ela queira se enganar. O próprio agressor pode se assustar com o que fez, e isso não quer dizer que seja uma imoralidade ou uma psicose. Não é tão estranho que a pessoa esteja bem um dia, mate o pai no outro e faça um churrasco na manhã seguinte. Não é tão estranho porque estamos lidando com quebras de identidade, fruto da quebra de padrão. Só se escandaliza com isso quem ainda tem padrão. Além desses pontos, é importante ressaltar que quem as comete é gente igualzinha a gente. Digo isso porque a sociedade se tranqüiliza dizendo que o agressor é o outro: "Agrediu porque não teve educação, não teve comida, não teve berço".
     
      Essas agressões são um fenômeno exclusivo da classe média?

     Curiosamente, os exemplos que temos são saídos da classe média e da média alta. Eu classificaria como um problema de irresponsabilidade das elites. Às vezes, uma pessoa pressionada pela necessidade de sobrevivência pode cometer crimes. Mas esses não são tão inusitados.

       Como a sociedade deve lidar com o problema?

     Um dos riscos que envolvem as agressões inusitadas é tratarmos o problema com os velhos mecanismos, buscando explicações na falta de educação ou na falta de uma boa estrutura psíquica. Pior, só o Jornal da USP, que anunciava com grande alarde, na semana passada, uma pesquisa sobre o cérebro - e nela ficamos sabendo que, para viver muito e bem, precisamos entender onde estão as marcações da agressividade no cérebro humano. Há dez anos, isso seria visto vergonhosamente. Hoje é enaltecido como progresso. Irão descobrir marcas cerebrais - o passo seguinte será a lobotomia? Ou colocar focinheira nas pessoas? Está lá, no jornal dessa universidade, de história tão respeitável... Também não cabe qualificar os agressores inusitados como neuróticos ou perversos, porque são conceitos que nascem do complexo de Édipo, a teoria freudiana que funciona maravilhosamente em uma sociedade piramidal, onde o pai - ou o saber - estaria no topo. Mas tanto o saber quanto o próprio pai viraram genéricos, ou seja, não são mais padrão para nada. Sem a figura do mestre, o homem "desbussolou-se". Temos de gerar cultura que nos ensine a viver globalmente.

       O que é essa cultura?

      É saber que, nessa nova geração, a amizade é um valor fundamental. É perceber, por exemplo, o valor do esporte radical, uma forma boa que os jovens encontraram de enfrentar o tema da morte, antes presente através dos rituais da Igreja Católica. Sobretudo, temos de oferecer à sociedade um renascimento cultural. O Ministério da Cultura deveria ser o mais importante de um país. A economia deveria vir a reboque.

      Uma opção a esse renascimento é o retorno a uma sociedade que resgate valores deixados para trás?

      Se o laço social está disperso, temos duas saídas. Uma delas é reamarrar esse laço desde fora, criando uma nova onda moralista, à qual sou contra. Então vamos censurar a televisão, exigir que os meninos cheguem mais cedo em casa, que os colégios sejam mais rígidos. Outra saída é ver se não há neste novo mundo alguma coisa que já está se organizando de uma forma que não se esperava. Exemplo: esperava-se que, com a globalização, fosse haver uma febre de promiscuidade sexual. Não houve. Então, quem está organizando isso, se os padrões antigos se tornaram desimportantes? Vai ver que a nova geração sabe se organizar de uma forma diferente da gente.

       Como devem se colocar os pais no meio disso tudo?

      A partir dos anos 70, ou até antes disso, achou-se que tudo poderia ser compreendido. Isso levou mães a contar sobre seus amantes para as filhas. Pais foram para a zona com seus filhos. Foi um desastre. Pai e mãe têm uma função importante, que é a de representar o impossível, as incertezas que fazem parte da vida. Filhos só vão a festas se os pais deixarem. Pai e mãe foram feitos para ser criticados, e isso faz parte da função deles. Esse enfrentamento é necessário até que o filho consiga construir suas pontes para evitar o impossível. Se os pais não cumprirem esse papel, o filho vai procurá-lo em outras partes. Um exemplo: o filho de um amigo meu ia mal na escola. Ainda assim, e por sentir-se ausente de sua educação, o pai lhe deu um carro. Ele bateu o carro e morreu uma pessoa.

      Qual lição nos deixa um episódio como o acontecido em Brasília?

      Não vamos passar a mão na cabeça e dizer que ela é louca e não sabe o que faz. Por outro lado, é importante que cada vez mais todo mundo saiba que estamos em um novo mundo. Que este novo mundo vive um tempo de "não saber". Mas que este novo mundo vai trazer um laço social que, se compreende tragédias, compreende também a possibilidade, por exemplo, de um novo amor. Hoje, se eu estou com você é porque quero estar com você, e não porque devo estar com você. Posso simplesmente me separar - posso deletá-lo da minha vida, porque este é uma amor sem desculpas, que não se dá por causa de filhos ou da idade compatível. Antes, é uma opção pessoal e responsável. Este é um novo mundo que, se trouxe problemas graves, por outro lado prenuncia novo renascimento - iremos observar um aumento de interesse pelo cinema, pelo teatro, pelos livros. Não é por nada que todo jovem hoje conta sua história nos blogs.

domingo, 22 de setembro de 2019

Guerra é 'última opção', diz Arábia Saudita sobre tensões com o Irã



ORIENTE MÉDIO E ÁFRICA

21.09.2019
O chanceler saudita, Adel Jubeir, disse neste sábado (21) que Riade fará de tudo para se proteger em meio a tensões com Teerã, destacando que uma guerra com o Irã é "sempre a última opção".
Neste sábado (21), Jubeir culpou novamente o Irã por suposto ataque com drones e mísseis contra uma refinaria de petróleo da Arábia Saudita.
Já o comandante da Guarda Revolucionária Islâmica das Forças Armadas Iranianas, Hossein Salami, disse no início do dia que Teerã está pronta para "responder a qualquer agressão".

'Guerra é sempre a última opção'

A declaração do ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Adel Jubeir, comentou a possibilidade de um conflito com o Irã em uma entrevista para uma emissora britânica.
"Temos a responsabilidade de defender nosso país e garantir que nenhum dano aconteça em nosso país e em nossos povos. Portanto, faremos o que for necessário para impedir que nosso país sofra danos. Preparando-se para a guerra? Guerra é sempre a última opção", afirmou o ministro saudita disse à emissora Sky News.
O ministro afirmou que o Irã é "agressivo" há 40 anos, acusando Teerã de enviar milícias para a Síria, Iraque e Iêmen, além de "destruir o Líbano através do Hezbollah".
Na semana passada, um ataque de drones à petrolífera Saudi Aramco forçou a companhia nacional de petróleo da Arábia Saudita a paralisar as atividades nas instalações em Abqaiq e Khurais.
Embora a responsabilidade tenha sido reivindicada pela ala militar do movimento Ansar Allah, do Iêmen, também conhecido como Houthis, a Arábia Saudita e os Estados Unidos acusam o Irã pelo incidente. Teerã refutou as acusações.
by .sputniknews.com

Terceira Guerra Mundial pode começar em 2019 (em um destes cinco locais)

Por ZAP
- 26 dezembro, 2018
navy.com
Em 2019, o mar do Sul da China, a Ucrânia, o golfo Pérsico e a península da Coreia vão continuar sendo as regiões mais quentes onde a Terceira Guerra Mundial pode começar, diz um especialista militar norte-americano.
Segundo sustenta o especialista em geoestratégia Robert Farley, professor do Colégio Militar dos EUA, em um artigo publicado na revista The National Interest, um dos “pontos quentes” do planeta é o mar do Sul da China, no qual se desenvolve há anos um confronto “surdo” entre os Estados Unidos, a China e o Japão.
O Mar do Sul da China, ou Mar da China Meridional, é alvo de disputas há anos entre diversos países da região: China, Taiwan, Malásia, Indonésia, Brunei, Vietnã e Filipinas. Estima-se que a enorme área, que inclui mar e ilhas, seja rica em petróleo e gás.
Localização dos territórios em disputa no Mar da China Meridional
Recentemente, a imprensa chinesa revelou também que o país está construindo “submarinos fantasmas” para defender o mar do Sul da China contra uma eventual guerra submarina com os Estados Unidos.
Os dois países estão envolvidos em uma guerra comercial, uma batalha que acontece em um contexto de sanções econômicas e disputas tarifárias. Mas, diz o especialista, levando em conta o nível a que as relações bilaterais já se deterioraram, o conflito pode escalar ainda mais e assumir contornos de confronto militar.
De acordo com o autor, a Ucrânia é outro local onde a Terceira Guerra Mundial pode ter início. Farley relembra o recente incidente no Mar Negro entre russos e ucranianos, que causou um aumento da tensão diplomática na região, com a Ucrânia acusando a Rússia de ter disparado contra navios ucranianos no Estreito de Kerch, que separa a Crimeia da Rússia e é ponto de acesso ao Mar de Azov.
O especialista acredita que a Rússia provavelmente não estaria interessada em alterar o atual status quo na região antes das próximas eleições na Ucrânia, que, por sua vez, podem também vir a introduzir incerteza. Tendo em conta as contínuas tensões entre os Estados Unidos e a Rússia, qualquer pequeno choque pode destruir o fraco equilíbrio existente na região nos últimos anos, alerta Farley.
A terceira região quente do planeta é o golfo Pérsico. Aqui, sustenta Farley, as tensões estão aumentando devido à pressão econômica dos EUA sobre o Irã, bem como aos conflitos no Iêmen e na Síria.
Considerando a importância estratégica da região, qualquer instabilidade nessa zona pode levar a um confronto aberto entre os Estados Unidos, a Rússia e até a China, diz o especialista.
O quarto lugar de tensão identificado pelo especialista é a península da Coreia. Apesar das recentes iniciativas de paz entre os EUA, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, que parecem ter posto fim à intensa guerra de palavras e troca de ameaças entre os presidentes norte-americano e norte-coreano em 2017, as relações entre Washington e Pyongyang podem se deteriorar a qualquer momento.
Além disso, outros atores regionais importantes — a China e o Japão — também têm manifestado posições divergentes a respeito da questão coreana.
A estes quatro pontos quentes no planeta, que segundo o especialista em assuntos militares podem em 2019 ser palco da eclosão de uma Guerra Mundial, junta-se um quinto ponto quente, que uma equipe de cientistas da ONU identificou em 2016 como podendo ser a causa provável da 1ª Guerra Nuclear na Terra.
O primeiro conflito nuclear no nosso planeta, dizem os cientistas, pode ocorrer não entre a Rússia e os EUA, mas entre a Índia e o Paquistão – devido a problemas crescentes em torno do acesso à água potável no subcontinente indiano e aos conflitos em torno da bacia do rio Indo.
Em conclusão, se a Humanidade quiser mesmo encontrar o local perfeito para se autodestruir, tem muitas opções para escolher.
Ciberia // Sputnik / ZAP

5 perguntas para entender a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita

Rivalidade entre as duas potências do Oriente Médio é antiga, mas tem se acirrado recentemente.
Por BBC
18/09/2019 


O aiatolá do Irã, Ali Khamenei (à esq.), e o príncipe saudita Mohammed bin Salman — Foto: Reuters/EPA
A relação entre a Arábia Saudita e o Irã é delicada. Os países são rivais há muito tempo, mas a situação ficou mais tensa recentemente. Explicamos por quê.
Por que a Arábia Saudita e o Irã não se entendem?
Os dois países, que são vizinhos poderosos, disputam o domínio da região.
A tensão entre as nações, que dura décadas, é acentuada por diferenças religiosas. Os países seguem ramos distintos do islã: o Irã é majoritariamente xiita, enquanto a Arábia Saudita se vê como a potência sunita dominante.
Esse embate religioso se reflete no mapa do Oriente Médio, onde países com maioria sunita ou xiita buscam, respectivamente, a Arábia Saudita ou o Irã em busca de alianças.
Historicamente, a Arábia Saudita, uma monarquia e berço do islã, se vê como líder do mundo muçulmano. Mas essa posição foi desafiada em 1979 pela Revolução Islâmica no Irã, que criou outro tipo de Estado na região: um tipo de teocracia revolucionária, que tinha o objetivo explícito de exportar o modelo além de suas fronteiras.
Nos últimos 15 anos, particularmente, as diferenças entre a Arábia Saudita e o Irã se intensificaram graças a uma série de eventos.A invasão do Iraque, liderada pelos EUA, em 2003, derrubou Saddam Hussein, um árabe sunita que havia sido um grande adversário do Irã.
A guerra removeu um ator militar que agia como contrapeso ao Irã na região. Ela abriu o caminho para um governo em Bagdá dominado por xiitas e com crescente influência iraniana.
Em 2011, uma série de levantes no mundo árabe causou instabilidade na região. O Irã e a Arábia Saudita exploraram essas revoltas para expandir sua influência - especialmente na Síria, no Bahrein e no Iêmen, ampliando a desconfiança mútua.
Os críticos do Irã dizem que o país busca controlar um corredor terrestre que vai do seu território até o Mediterrâneo.

Como as coisas pioraram?

A rivalidade vem se acentuando porque o Irã está vencendo a disputa regional em vários sentidos.
Na Síria, o apoio do Irã (e da Rússia) ao presidente Bashar al-Assad permitiu que o governo vencesse forças rebeldes apoiadas pelos sauditas.
A Arábia Saudita está tentando desesperadamente conter a crescente influência iraniana, enquanto as aventuras militaristas do jovem e impulsivo príncipe Mohammed bin Salman, a autoridade máxima no país, vêm exacerbando tensões regionais.
O príncipe combate uma guerra no vizinho Iêmen contra o movimento Houthi, visto como próximo do Irã. Mas, quatro anos depois de iniciado, o conflito tem se mostrado uma aposta arriscada.
O Irã nega acusações de que esteja contrabandeando armas para os houthis, embora relatórios da ONU apontem que Teerã tem dado assistência ao movimento tanto em termos de tecnologia quanto de armas.
Enquanto isso, no Líbano, um aliado do Irã, a milícia Hezbollah lidera um poderoso bloco político e controla forças imensas e altamente armadas.
Muitos analistas acreditam que os sauditas forçaram o primeiro-ministro libanês Saad Hariri a renunciar em 2017 em meio ao envolvimento do Hezbollah em conflitos regionais. Ele depois resolveu adiar a renúncia e segue no cargo até hoje.
Também há forças externas envolvidas na disputa. A Arábia Saudita se fortaleceu com o apoio do governo de Donald Trump - e se beneficia da postura de Israel, que considera o Irã uma grande ameaça e, consequentemente, apoia indiretamente o esforço saudita.



Os líderes israelenses temem o avanço de insurgentes pró-Irã na Síria, com quem Israel mantém fronteira.
Israel e a Arábia Saudita foram os dois países que mais se opuseram ao acordo de 2015 que limitou o programa nuclear iraniano. Os países argumentaram que o pacto não foi longe o suficiente para impedir que o Irã construísse a bomba atômica.

Quais são os aliados regionais?

De maneira geral, o mapa geopolítico do Oriente Médio reflete as divisões entre xiitas e sunitas.
No lado pró-sauditas há outros atores sunitas no Golfo — os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein — assim como o Egito e a Jordânia.
No campo iraniano, há a Síria de Bashar al-Assad, membro de um grupo xiita heterodoxo, que tem sido apoiado por milícias xiitas pró-Irã, incluindo o libanês Hezbollah, para combater grupos rebeldes predominantemente sunitas.
O governo dominado por xiitas no Iraque também é um aliado próximo do Irã, embora paradoxalmente também mantenha uma boa relação com os EUA, que o tem ajudado a combater o grupo autoproclamado Estado Islâmico.

Quais os efeitos práticos da rivalidade entre Irã e Arábia Saudita?

De certa forma, essa disputa lembra a Guerra Fria, que manteve os EUA e a União Soviética sob tensões militares por muitos anos.
O Irã e a Arábia Saudita não estão lutando diretamente entre si, mas estão engajados em várias guerras na região nas quais apoiam lados rivais.
A Síria é um exemplo óbvio. No Iêmen, a Arábia Saudita acusa o Irã de prover mísseis balísticos atirados contra o território saudita pelo movimento rebelde Houthi.
O Irã também é acusado de fazer demonstrações de força nas águas do Golfo, por onde a Arábia Saudita escoa seu petróleo. Os EUA dizem que o Irã está por trás de ataques recentes a navios na região — acusação negada por Teerã.

Estamos caminhando para uma guerra entre Irã e Arábia Saudita?


Por enquanto, Teerã e Riad têm lutado indiretamente. Nenhum dos dois está realmente disposto a combater o rival diretamente, mas um ataque dos houthis à capital saudita ou a algum alvo econômico relevante — como o ocorrido recentemente nas instalações de petróleo — pode alterar esse cálculo.
Os ataques dos houthis à infraestrutura da Arábia Saudita são um novo front na batalha indireta entre Teerã e Riad. Assim como ocorre nas águas do Golfo, onde iranianos e sauditas se enfrentam numa fronteira marítima, as tensões crescentes ameaçam alçar o conflito a outro patamar.
Para os EUA e outras potências ocidentais, a liberdade de navegação no Golfo é essencial e qualquer conflito que ameace bloquear o fluxo — vital para o transporte global de petróleo — poderia mobilizar forças aéreas e navais americanas.
Há muito tempo, os EUA e seus aliados veem o Irã como uma força desestabilizadora no Oriente Médio. Autoridades sauditas cada vez mais encaram o Irã como uma ameaça existencial ao reino. O príncipe saudita parece disposto a fazer o necessário para conter a crescente influência de Teerã.
A vulnerabilidade da Arábia Saudita foi exposta pelos ataques recentes às instalações petrolíferas. Se uma guerra começar, talvez seja mais por acidente do que por planejamento.

EUA anunciam envio de militares à Arábia Saudita após ataques a petroleira

Pentágono não detalhou o tamanho do efetivo, mas anunciou que o envio dos militares terá como objetivo a defesa contra mísseis no território saudita.
Por G1
20/09/2019

Imagem de satélite deste sábado (14) mostra fumaça provocada por incêndios após ataque de drones na Arábia Saudita — Foto: NASA Worldview/ AP

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aprovou nesta sexta-feira (20) o envio de mais militares à Arábia Saudita – dias depois de drones explodirem instalações da petroleira Aramco no país, o que aumentou a tensão no Oriente Médio.
Por enquanto, o governo norte-americano não pretende atacar o Irã, a quem acusa pelas explosões (leia mais sobre o assunto adiante). De acordo com comunicado do Pentágono, o envio dos militares será "moderado" e terá como objetivo a defesa aérea e contra mísseis na Arábia Saudita, país aliado dos Estados Unidos.
Em entrevista coletiva, o chefe do Estado Maior dos EUA, general Joseph Dunford, disse que o efetivo mobilizado não chegará aos milhares. O militar, porém, não detalhou o tamanho da tropa.

Tensão no Oriente Médio




Instalação de petróleo da gigante petroleira Aramco ficou danificada em ataque em Khurais, na Arábia Saudita — Foto: Hamad l Mohammed/ Reuters
A mobilização de militares dos EUA na Arábia Saudita ocorre em meio ao acirramento da crise política na região após drones explodirem instalações da petroleira Aramco, no sábado passado.


Os rebeldes houthis – aliados do Irã que lutam na Guerra do Iêmen contra uma coalizão liderada pela Arábia Saudita – reivindicaram autoria do ataque. Os EUA e a monarquia saudita, porém, sugerem envolvimento do governo iraniano, que nega as acusações.

Javad Zarif, chanceler do Irã, participou em Nova York de reunião na ONU em julho — Foto: Lucas Jackson/Reuters

O tom entre os países envolvidos no celeuma subiu nos últimos dias: o ministro das Relações Exteriores iraniano, Javad Zarif, alertou que haverá "guerra total" em caso de ataque ao Irã.
Na mesma linha, o grupo xiita Hezbollah – apoiado pelo governo iraniano – afirmou que o Irã destruiria a Arábia Saudita em caso de guerra e pressionou a coalizão liderada por Riad e pelos Emirados Árabes Unidos a deixarem o conflito no Iêmen.

O presidente dos EUA, Donald Trump, responde a perguntas de jornalistas no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, na quarta-feira (11) — Foto: Reuters/Leah Millis

Do lado norte-americano, Trump continua a pressionar o governo de Hassan Rohani no Irã e anunciou nesta sexta-feira sanções a instituições financeiras e uma empresa do Irã.
Em junho, após outra crise relacionada a ataques de drones na região, Trump afirmou que desistiu de atacar o Irã em questão de segundos após avaliar que civis morreriam na ação.

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