Não se trata de um textão sobre uma má experiência de viagem. A intenção tampouco é criar um muro de lamentações sobre uma hospedagem ruim. O objetivo desse post é levantar um simples questionamento: vale a pena financiar uma empresa que oferece um serviço sem prover qualquer tipo de respaldo aos clientes que a contratam? É justo que essa empresa que lida com a segurança de hospedagem de tanta gente pague menos impostos do que hotéis, pousadas ou corretoras de imóveis, sendo que não oferece a contrapartida de preocupação com o cliente que um mercado regulado e tributado, em tese, oferece? O Airbnb se tornou um negócio bilionário, que conecta pessoas interessadas em viajar a pessoas interessadas em receber. Mas será que o risco de entregar a sua viagem a uma empresa que não vai te proteger vale a pena?
Nossa história começou em setembro de 2016, quando fizemos o pagamento de cerca de 10 mil reais por uma casa em Punta Del Este, para a temporada de Réveillon. Pagamos adiantado, em depósito bancário.
Dezembro chegou, malas prontas, dinheiro programado, #partiuPunta.
Éramos oito pessoas contratando a hospedagem em uma casa de 4 quartos.
Três de nós chegaram primeiro ao local do imóvel. Por fora, tudo parecia ok. Era uma casa simples, porém suficiente para o que precisávamos e, o mais importante, com boa localização. Ao chegarmos, a primeira coisa estranha: a dona estava dentro do imóvel “arrumando” e seu filho pediu para que não entrássemos ainda. Respeitamos. Uns 15 minutos depois, ela aparece de dentro do imóvel se desculpando por não nos abraçar, pois estava com conjuntivite nos dois olhos e havia passado a manhã no hospital para tentar ficar melhor. Nos assustamos.
Como uma senhora com conjuntivite nos dois olhos estava “arrumando” a casa em que passaríamos nossas férias? Com o cuidado de não tocar em nada, entramos. O cheiro de mofo era insuportável e a sujeira no chão e nos móveis, visível. Certamente a casa ficara fechada o ano todo e acabara de ser aberta. Algumas coisas que notamos logo de cara: cinza de cigarro na mesa da sala, chão sujo, bancada da cozinha suja de comida, pratos mal lavados no escorredor, fogão sujo de comida, tapetes usados e não lavados, teias de aranha nos móveis. O sofá, branco, estava sujo e amarelado. Nos quartos, um cheiro de mofo ainda mais forte, as camas não estavam com lençóis postos e as colchas tinham bolor. A iluminação era quase nenhuma. As janelas estavam emperradas pela umidade. O ambiente todo cheirava a um misto de madeira embolorada e mofo. Sem contar os banheiros, que aparentavam ter sido usados sem que houvesse faxina antes de nossa chegada.
Impressionava o fato de a dona nos mostrar os cômodos com a maior felicidade do mundo, como se nada estivesse sujo ou com mau cheiro.
Ela chegou ao cúmulo de nos pedir para que, antes de sentarmos no sofá, colocássemos uma colcha, pois não haveria tempo hábil de limpar a casa para a chegada nos novos hóspedes, no dia em que sairíamos.
Também nos disse que dispensou a faxineira que faria a faxina da casa antes de nossa chegada porque desconfiou que ela estivesse roubando.
Nossa sensação foi de choque. Estávamos ali, às vésperas do Ano Novo, em uma casa inabitável para qualquer padrão básico de higiene, com uma dona que achava nos estar entregando um imóvel impecável. Ou seja, para ela, aquele estado de sujeira e nojeira parecia ser normal.
Ela nos entregou as chaves e decidimos não devolver de imediato porque precisávamos que todas as 8 pessoas vissem o imóvel para decidirmos o que fazer. Por isso não saímos logo de cara. Ficamos esperando as demais pessoas que, ao chegarem, tiveram a mesma avaliação das primeiras três hóspedes. A dona chegou a enviar seu filho à casa para saber se estava tudo ok. Ao chegar, dissemos a ele que era impossível ficar ali. A conjuntivite, a sujeira e o mofo tornavam o ambiente inabitável. Para piorar, a casa não tinha grades e a porta da sala estava emperrada pela umidade. Parte de nós ficou em frente à casa por várias horas, esperando uma última hóspede que vinha do aeroporto e estava sem celular habilitado para chamadas no exterior. Mas logo fomos expulsas pelo filho, que nos disse que se não iríamos ficar na casa, que fôssemos embora.
Nos encontramos na tarde de 30/12 sem hospedagem em um lugar de altíssima temporada. Não sabíamos o que fazer. Nosso primeiro instinto foi ver a política do AirBnb para casos assim. E aí é que a história começa a ficar interessante. A empresa lava completamente as mãos quando se trata de problemas na hospedagem, mesmo que eles envolvam saúde ou segurança dos clientes. Achar o telefone de contato é uma tarefa hercúlea. Ele fica escondido em um labirinto dentro do site e só encontramos o número depois de algumas horas. Antes de ligar, havíamos escrito o ocorrido na área própria para esse tipo de assunto dentro do site. Quando ligamos, um tal de Marco, com sotaque português, nos atendeu. Isso nos fez constatar que até o atendimento telefônico é contratado fora do país para pagar menos impostos. Marco foi solícito. Rapidamente acessou nosso cadastro e nosso relato sobre o ocorrido e disse que o Airbnb nos ajudaria a resolver a situação.
Disse que em duas horas ele retornaria a ligação e que “o AirBnB não deixava seus clientes na mão”.
As duas horas, obviamente, se converteram em dias. Jamais recebemos qualquer chamada. Nós é que ligamos repetidas vezes e, a cada ligação, um atendente diferente nos pedia para que repetíssemos a história.
Enviamos fotos para mostrar a situação do imóvel. Também tentamos contato via páginas do Airbnb no Twitter e no Facebook. No primeiro, um atendente disse que alguém entraria em contato. O que nunca aconteceu. Já no Facebook, fomos completamente ignorados. A central de atendimento, que nunca nos ligou, nos enviou um email, dias antes de irmos embora, afirmando que não poderia fazer nada para nos ajudar e que estava encerrando o caso. Já a dona da casa nos enviou um aviso de cobrança de 8 mil reais alegando que, por causa de nossa reclamação, o AirBnb não queria pagá-la. Ou seja, ela estava nos cobrando 8 mil reais além dos 10 mil que já haviam sido pagos. Isso significa que ainda é possível que o Airbnb tenha ficado com o nosso dinheiro, sem repassá-lo à senhora com conjuntivite, dona da casa.
No final, tivemos de nos separar. Quatro pessoas se hospedaram em um hotel muito longe do local que deveríamos ficar, e as outras quatro, vejam só, acabaram ficando, por pura falta de opção, em uma outra casa do AirBnb, que estava disponível para locação porque – pasmen – não tinha banheiro com descarga. Se tratava de um banheiro “ecológico”.
Não bastasse todo o transtorno, o estresse e a insalubridade, ainda tivemos de gastar um dinheiro não previsto com uma nova hospedagem.
Problemas em viagens acontecem. A diferença é que, independentemente da política da empresa, todos os CNPJs operando neste país devem respeitar o Código de Defesa do Consumidor e, em última instância, o Código Civil. O AirBnb não respeitou nem um, nem outro. Um atendimento relapso, mal-educado e ineficiente terá efeito multiplicador. Ninguém que passou pelo que passamos nessa viagem voltará a buscar hospedagem do Airbnb se não for caso de vida ou morte, como foi o da casa sem banheiro. Já acionamos a empresa na Justiça, mas achamos construtivo contar nossa história. Afinal, trata-se de uma discussão vital.
Empresas que conectam pessoas não devem ser responsabilizadas pelos abusos cometidos em suas plataformas? É justo que empresas que conectam pessoas e não se responsabilizam pelos abusos paguem impostos irrisórios, como é o caso do Airbnb, que nem atendentes contrata no Brasil? É justo esse serviço existir sendo que não protege os dois lados do negócio? Não sei as respostas. Mas a negligência nesse tipo de situação pode acabar com uma viagem, como foi nosso caso.
Ana costa.
Postagem original: https://medium.com/@Acsdocosta/como-o-airbnb-optou-por-acabar-com-nossa-viagem-de-f%C3%A9rias-f329ee4063f5#.15jg2n4ze