sábado, 7 de novembro de 2015

Como descobrir o que o Facebook sabe sobre você

BBC BRASIL

Já parou para pensar sobre tudo o que o Facebook sabe sobre você? E mais do que isso, sobre que conexões ele faz para obter informações a seu respeito?



Uma investigação no seu arquivo pessoal do Facebook revela tudo o que você disse à empresa, mas não sabiaFoto: iStock

A rede social mais popular do mundo reúne dados detalhados sobre quase 1,5 bilhão de pessoas, cerca de 96 milhões delas no Brasil. Com esses dados, a gigante criada por Mark Zuckerberg consegue vender anúncios segmentados para outras empresas – um restaurante que quer atingir mulheres de 25 a 40 anos em determinada cidade e que gostem de culinária asiática, por exemplo.


Para tornar esses anúncios mais eficientes, o Facebook precisa ter um raio-X bastante preciso das pessoas que eles podem atingir. Para isso, usa não só as informações sobre tudo o que você faz na rede – o que curte, o que decide que não quer ver, de onde você se conecta, onde faz check-in (marcar onde está), etc – como também tudo o que você faz em outros sites e aplicativos nos quais optou por se cadastrar via seu perfil de Facebook.

É por isso que, mesmo ajustando configurações de privacidade, é impossível evitar que o site armazene informações sobre você. Não adianta compartilhar mensagens, avisos nem manifestos.


Dados pessoais podem ser baixados clicando no cadeado no canto superior direito da sua página, indo em "Veja mais configurações" e escolhendo "Geral" no menu à esquerdaFoto: Reprodução Facebook

Dados pessoais podem ser baixados clicando no cadeado no canto superior direito da sua página, indo em "Veja mais configurações" e escolhendo "Geral" no menu à esquerda

"Quando você cria uma conta no Facebook, automaticamente concorda que ele usará seus dados para ganhar dinheiro. É o preço que você paga", explica o especialista em direito digital Thiago Tavares, da ONG Safernet.

Nos últimos anos, e após casos polêmicos como o do austríaco Max Schrems — cuja investigação sobre o que o Facebook sabia sobre ele levou à maior ação coletiva contra a empresa no mundo, o caso Europa vs. Facebook —, a empresa tem deixado mais claras suas políticas de dados e de privacidade.


Mesmo assim, ainda pode ser surpreendente mergulhar na infinidade de dados que você fornece, voluntária e involuntariamente, ao Facebook.

"É um exercício de tirar o fôlego, porque quando você recebe o arquivo com todos os seus dados, passa a ter uma dimensão do quão exposto você está. Passo isso como exercício para meus alunos na universidade. A maioria das pessoas diz 'não sabia que eles tinham tantas informações a meu respeito'", conta Tavares.

Motivada pela pergunta, decidi fazer o download dos dados que o site tem sobre mim — opção disponibilizada na seção "Geral", das configurações do Facebook — e investigar outros dados que ficam armazenados no meu perfil.

Confira algumas das informações surpreendentes que o Facebook armazena sobre você:
1 - As 'coordenadas' do seu rosto


'Mapa' da sua face permite que Facebook marque você em fotos de amigos; é possível desabilitar esta opção nas configuraçõesFoto: Arquivo Pessoal

Ao baixar uma cópia dos principais dados sobre mim no Facebook, obtive um pacote com pastas para fotos e vídeos e um arquivo chamado "index.htm", que deve ser aberto em um navegador. Esse arquivo permite visualizar essas informações de maneira organizada.

Logo na primeira página do arquivo, onde estão as informações pessoais, é possível ver três linhas de números que equivalem a uma espécie de impressão digital do seu rosto, segundo Thiago Tavares.

"Existem 34 pontos na face que são fixos e mapeáveis. A distância entre esses pontos pode ser calculada e esse cálculo permite que um algoritmo consiga identificar automaticamente uma face."

É por isso que, quando um amigo coloca uma foto com você, o Facebook consegue saber que você está lá e sugerir que ele te marque nela.

"Esse é um tipo de dado que as pessoas compartilham sobre você, mesmo que você não queira", explica Tavares.

No entanto, você pode impedir que a empresa guarde esse mapa da sua face e reconheça você nas fotos. Basta ir em "Configurações da linha do tempo e marcações" e escolher a opção "Ninguém" na pergunta "Quem vê as sugestões de marcações quando fotos parecidas com você são carregadas?".
2 - Por onde você anda – dentro e fora da internet

Para muitos, uma das seções mais surpreendentes do arquivo do Facebook é a de "Segurança". Ali estão, por exemplo, informações sobre os computadores, celulares e tablets que você usou para entrar no site.

No meu caso a lista cobria os três últimos anos. Ali estão os IPs — espécies de endereços numéricos usados pelos dispositivos para se comunicarem entre si na internet — e também as datas e horários em que acessei o Facebook, os navegadores que eu utilizei e até a operadora do celular com o qual eu me conectei.

Estes são tipos de "logs de acesso", que, de acordo com o Marco Civil da Internet no Brasil, devem ser armazenados por pelo menos seis meses para permitir que a polícia investigue qualquer crime que possa ter sido cometido na rede social com sua participação.

Além disso, o arquivo também lista cookies que o Facebook armazenou no seu navegador – são arquivos que registram rastros de navegação sobre tempo que você permaneceu em cada página, a sequência de cliques que deu, os dados que você colocou em um formulário online, o site através do qual você chegou naquela página, etc.

"Se eu desabilitar no meu navegador o armazenamento de cookies, não consigo usar o Facebook e muitos sites ou serviços. É por isso que esses produtos não são de graça como a maioria acha que são. Você paga com seus dados pessoais e com sua privacidade, fornecendo esse rastro de tudo o que faz", diz Tavares.


Site armazena localização e dados de dispositivos que você usou para acessá-lo, além dos seus arquivos de loginFoto: iStock

Até mesmo as fotos que você compartilha no seu perfil podem trazer dados detalhados sobre onde você estava quando as tirou – e não é preciso ser um grande detetive para descobri-los.

O EXIF, uma espécie de "etiqueta" que arquivos digitais de imagem possuem, contém mais dados do que se imagina.

Ao chegar na sessão "Fotos" do arquivo, percebi que as imagens feitas com câmeras analógicas que postei no site traziam informações como o modelo e o fabricante da câmera e, no caso das digitais, também as configurações usadas na foto (abertura do diafragma e foco, por exemplo), além de data e hora em que a imagem foi feita.

Já algumas fotos compartilhadas do Instagram traziam coordenadas de latitude e longitude de onde foram postadas.

Se você é do tipo que faz "check-in" nos lugares onde vai, não deve ser surpresa encontrar alguns deles, aqueles que você criou ("casa da minha avó", por exemplo), no arquivo que baixou.

3 - Fotos que você 'esqueceu' no celular

A seção de "fotos sincronizadas" dos dados baixados do Facebook também é intrigante. Como eu não tinha nenhuma, não sabia exatamente o que aquela "gaveta" deveria armazenar.

O app do Facebook para smartphones traz, atualmente, uma opção de sincronizar automaticamente o seu celular com o seu perfil na rede.

Se você usa bastante a opção "conectar com o Facebook" em outros sites e serviços, para evitar ter diversos cadastros, saiba que o que você faz nestes sites também poderá ser usado na rede de Mark Zuckerberg

Habilitando a opção, o site se comunica com seu celular e transfere as últimas fotos que você tirou, sem que você precise fazê-lo manualmente, para um álbum privado. Caso você queira, pode tornar o álbum público ou compartilhar fotos individuais com amigos.

De acordo com a empresa, "o recurso tem o objetivo de facilitar o compartilhamento com aqueles que importam para você. Nenhuma foto é postada no Facebook, a menos que o usuário decida compartilhá-las e confirme a ação".

Mas Thiago Tavares alerta também para os perigos da ferramenta. Afinal, fotos indesejadas também podem acabar indo parar no site, mesmo que não estejam públicas. E se alguém conseguir a senha da sua conta, terá acesso a elas.

"Muitos vazamentos não intencionais de fotos íntimas acabam acontecendo assim, com a ativação da sincronização de fotos automática do celular com o Facebook. A pessoa nem sabe que vazou", afirma.


"Registro de atividades" permite acompanhar em tempo real o que você está informando ao FacebookFoto: iStock


4 - O que você 'gostaria' de comprar

Na seção "Anúncios" do meu arquivo de dados, encontrei uma longa lista de empresas e tópicos que o Facebook acha que eu gostaria de ver na minha linha do tempo.

A maioria dos itens estava correto, mas alguns não faziam muito sentido, como filmes dos quais eu não gosto especialmente ou nomes de cidades e personalidades com os quais não tenho relação. Mais abaixo, há ainda uma lista dos anúncios em que eu cliquei no site.

De acordo com Tavares, o Facebook decide quais anúncios mostrar a você a partir do seu comportamento na rede social – o que você curte, onde faz check-in, o que os seus amigos fazem.

Mas o site não informa exatamente quais ações executadas por você leva a essa seleção. Qual curtida fez com que aparecesse para mim algo sobre um baixista americano chamado John Patitucci, que eu não conhecia até agora? Nem consigo imaginar.

Se você usa bastante a opção "conectar com o Facebook" em outros sites e serviços, para evitar ter diversos cadastros, saiba que o que você faz nesses sites também poderá ser usado na rede de Mark Zuckerberg.

Nas suas configurações, você pode impedir que o Facebook use dados sobre sua atividade nestes outros sites e aplicativos para refinar os anúncios que mostra a você. Mesmo assim, a empresa continua coletando estas informações — e elas não estão disponíveis para download.

Mas e se eu não quiser mais ver nenhuma propaganda no Facebook? Impossível, diz Tavares.

"É impossível não ver anúncios no Facebook, da mesma forma que é impossível ter 100% de privacidade usando redes sociais. Uma coisa se tornou incompatível com a outra. É vendendo anúncios que a plataforma ganha dinheiro", afirma.

Mas isso significa que o Facebook está enviando estas informações sobre você diretamente para outras empresas? A empresa diz que não e, de fato, segundo Tavares, não é possível afirmar que esteja.

"Os anunciantes customizam campanhas e as segmentam (escolhem o público que querem atingir com cada campanha). Como o Facebook sabe quem exatamente preenche aquele perfil, ele direciona esse anúncio para esse usuário", explica.

Também nas configurações do seu perfil, na seção "Anúncios", você tem acesso a uma lista muito mais completa do que o Facebook acha que você gostaria de ver ou comprar. Nesse caso, é possível até tirar e adicionar coisas à lista.

É importante lembrar, no entanto, que isso também significa fornecer mais informação específica sobre suas preferências ao Facebook.
5 - Todas as suas buscas



Interação com amigos permanece na rede mesmo depois que você sai delaFoto: iStock

Nem todos os dados que o Facebook armazena sobre você estão no arquivo disponível para download. Todas as suas interações, comentários, curtidas, marcações e buscas na rede social – desde o momento em que você entrou lá – estão armazenados no "Registro de Atividades".

Para chegar lá, clique na setinha para baixo que fica no canto superior direito da sua página, ao lado do cadeado.

Um dos detalhes surpreendentes que encontrei nessa sessão, no item "Fotos", são todos os vídeos a que assisti dentro do Facebook, mesmo que não tenha curtido os posts em que eles estavam, nem deixado comentários. Basta apertar o play e o site registra ao que eu assisti.

Da mesma forma, estão registradas absolutamente todas as coisas que eu digitei na seção de busca desde que criei minha conta, em 2007 — nomes de pessoas, eventos e outras palavras-chave.

O registro de atividades, aliás, é a melhor maneira e saber, em tempo real, o que você está informando ao site. Se compartilha músicas que está ouvindo, livros que está lendo, se decide não ver posts de um amigo na sua linha do tempo ou confirma presença em eventos, tudo estará ali.
6 - O que seus amigos quiserem que ele saiba

Por ser uma rede social, o Facebook reúne informações principalmente através das interações que seus usuários têm entre si. Então cada vez que você manda uma mensagem para alguém ou aparece em uma foto de amigos, esta interação passa a pertencer a vocês dois. E ela não desaparece quando você sai da plataforma.

Atualmente, o Facebook possui duas opções de saída. Desativar sua conta é como "dar um tempo" no relacionamento. Todas as suas informações permanecem lá, segundo a empresa, até que você decida voltar. Já a opção de excluir a conta significa um ponto final.

O Facebook diz que pode levar até 90 dias para deletar todas as suas publicações, mas mensagens privadas trocadas com amigos, por exemplo, continuam nas caixas de mensagens deles.

"A sua privacidade hoje não depende só do que você publica sobre si mesmo, mas também do que o outro compartilha ou publica sobre você", diz Thiago Tavares.

"Enquanto seus amigos estiverem no Facebook, você nunca vai sair completamente dele, porque suas interações permanecem lá."

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A Metamorfose de Kafka e a nossa dificuldade amar sem interesses



“As coisas que nos assustam são em maior número do que as que efetivamente fazem mal, e afligimo-nos mais pelas aparências do que pelos fatos reais.” A sabedoria de Sêneca, na citada frase, poderia ser uma bela sinopse do que Franz Kafka apresenta na obra “A Metamorfose”, uma vez que o real parece não fazer sentido ante as aparências. Então, “Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto.

A novela do escritor tcheco inicia-se de forma incisiva, em que o protagonista da história – Gregor Samsa – encontra-se metamorfoseado num inseto gigante. Dessa forma, o início da novela já é o clímax, o que faz da obra extremamente profunda nas suas poucas páginas. Talvez, não haveria como ser diferente, pois o que pretende-se mostrar é a verdadeira face humana e esta parece demonstrar-se somente nos momentos de conflito.
Ao estar metamorfoseado em inseto, Gregor Samsa não é visto como de fato é, mas sim por aquilo que aparenta ser, isto é, um monstro, o qual todos tinham de suportar. Embora, continuasse sendo o mesmo Gregor, perante os outros, isso não importava, pois o que enxergavam era um inseto gigante. O próprio protagonista chega, logo no início a questionar-se sobre a sua essência:
“Estarei agora menos sensível?”
Gregor Samsa, assim, era visto como um peso para a família, a qual deveria suportar. Kafka, aqui nos mostra a realidade da sociedade, sobretudo, capitalista que restringe o valor do ser humano ao que produz e às aparências, uma vez que, quando “normal”, era Gregor o responsável pelo provimento da família. Contudo, ao metamorfosea-se em inseto, tornou-se impossibilitado de prover a sua família, de modo que esta na medida em que Gregor não pode os prover, perde o seu valor.
A metamorfose de Gregor evidencia que as relações sociais são pautadas pelos interesses, pois, embora o protagonista seja uma pessoa altruísta, preocupada com o bem estar da família, ele passa a ser excluído pela mesma, dado que o que os interessava em Gregor não é possível naquela situação. Essa exclusão gera um sentimento de solidão em Gregor, a qual alimenta o seu sentimento de impotência e tristeza e, por conseguinte, diversos problemas psicológicos (típicos do homem contemporâneo).
Assim sendo, o que importa são os resultados, ou seja, somente relações que possam trazer benefícios são necessárias, de tal maneira que uma relação que traga apenas custo é vista como um peso que deve ser jogado fora na primeira oportunidade. Aquele inseto gigantesco, o qual Gregor acreditava que ainda fosse ele, para a família não passava de um peso que tinha que suportar:
“Não que eles desejassem que ele morresse de fome, claro está, mas talvez porque não pudessem suportar saber mais sobre as suas refeições do que aquilo que sabiam pela boca da irmã, e talvez ainda porque a irmã os quisesse poupar a todas as preocupações, por mais pequenas que fossem, visto o que eles tinham de suportar ser mais do que suficiente.”
Como dito, o próprio Gregor se vê como um peso e senti-se na obrigação de poupar os outros daquela visão asquerosa que possuía, como se os sentimentos que o constitui não estivessem no mesmo lugar. Embora, fosse ele que estivesse naquela situação e, portanto, devesse receber ajuda para atravessar o infortúnio, em verdade, acontecia o contrário, em que ele deveria esconder-se para não assustar a sua família.
“Este acontecimento revelou a Gregor a repulsa que o seu aspecto provocava ainda à irmã e o esforço que devia custar-lhe não desatar a correr mal via a pequena porção do seu corpo que aparecia sob o sofá. Nestas condições, decidiu um dia poupá-la a tal visão e, à custa de quatro horas de trabalho, pôs um lençol pelas costas e dirigiu-se para o sofá, dispondo-o de modo a ocultar-lhe totalmente o corpo, mesmo que a irmã se baixasse para espreitar.”
Essa repulsa que a família tinha ao seu aspecto representava a repulsa àquela condição que nada poderia oferecer além de trabalho. O medo já começara a transforma-se em ódio, já que, à proporção que o tempo passava a família entendia que, naquele estado, Gregor era um peso desnecessário. Aliás, aquilo não era Gregor, não possuía sentimentos, causava pânico e colocava em choque a tranquilidade da família. Assim, aquela criatura asquerosa só poderia ser tratada da mesma forma que se aparentava. Eram necessárias medidas violentas para provocar o entendimento de Gregor.
“Mas Gregor não podia arriscar-se a enfrentá-lo, pois desde o primeiro dia da sua nova vida se tinha apercebido de que o pai considerava que só se podia lidar com ele adotando as mais violentas medidas.”
Esse ódio que a família passa a nutrir por Gregor é simbolicamente condensado na maçã que o pai o atirara. O inseto monstruoso merecia aquele ódio, pois para a família, naquele estado, Gregor era desprovido de virtudes. Gregor acreditava ser sua a obrigação de cuidar da família – e a família agia como se fosse – de tal maneira que a única virtude que ele possuía era garantir os proventos e, assim, quando metamorfoseado Gregor perde a sua única virtude, sendo merecedor do ódio da família. Afinal, o que restara?
Para a família, apenas trabalho, uma vez que agora (sem Gregor) deveriam cuidar dos seus proventos, fato o qual lhes custavam enorme energia. Ademais, tinha o “pesado” inseto gigantesco, o qual lhes consumia o resto da energia. Portanto, seria uma injustiça por parte de Gregor exigir mais do que faziam. Ora, ele mesmo deixou-os naquela situação de exaustão. Curioso é, que Gregor sozinho conseguia prover tudo que a família precisava, tendo que aguentar um trabalho que não suportava, mas, ainda assim, não reclamara da família. O Gregor, contudo, deveria receber de bom grado tudo que sua família fazia por ele.
“Naquela família assoberbada de trabalho e exausta, havia lá alguém que tivesse tempo para se preocupar com Gregor mais do que o estritamente necessário!”
O tratamento que recebia, assim como o isolamento fazia Gregor entristecer e perder potência, pois já não era fácil estar naquela situação e ainda ser tratado da forma como aparentava não fazia sentido para ele, já que continuava o mesmo Gregor Samsa por dentro. Ou seja, como poderia ser tratado como um monstro se ainda sentia as mesmas coisas?
“Poderia ser realmente um animal, quando a música tinha sobre si tal efeito?”
É evidente que Gregor em nenhum momento foi visto como um ser com sentimentos e que precisava de ajuda, todos ao seu redor só conseguiam enxergar o superficial, o raso. Por medo? Talvez, sabemos que é preciso coragem para ter uma relação verdadeira e profunda. Mas, acima de tudo, Gregor Samsa perdera o seu valor. Não o valor que faz dele quem é, mas o valor simbólico que a sua família o atribuía e que se restringia a provê-los.
Esse traço, hoje, parece ser ainda mais claro e nisso reside a genialidade de Kafka. As relações são líquidas e pautadas em resultados, esforçar-se por alguém está fora de questão. A sua família é incapaz de colocar-se em seu lugar, logo ele, que até ali carregava o peso da família sozinho, era visto com um fardo insuportável.
“Não pronunciarei o nome do meu irmão na presença desta criatura e, portanto, só digo isto: temos que ver-nos livres dela. Tentávamos cuidar desse bicho e suportá-lo até onde era humanamente possível, e acho que ninguém tem seja o que for a censurar-nos.”
A de se reconhecer que ter alguém naquela situação era difícil, contudo, os relacionamentos trazem peso, esforço e o que nos permite carregá-los é o amor, e este não existia em relação a Gregor. Além disso, a exclusão e a culpa que impunham a Gregor foram pouco a pouco o tornando mais impotente, triste e se sentido o monstro que todos achavam.
Diante disso, só restara um fim, a morte, que representou uma libertação para sua família. A causa da morte? Uma maçã podre que carregara no seu dorso, que o fazia pesado, embora estivesse vazio; uma maçã que representava o ódio que sua família o nutria; uma maçã que o levava ao chão, como um inseto. E assim –
“… a cabeça pendeu-lhe inevitavelmente para o chão e soltou-se-lhe pelas narinas um último e débil suspiro.”

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

HOMEM SE ISOLA DA SOCIEDADE POR 25 ANOS APENAS COM SEU CÃO. O QUE ELE REVELA DENTRO DESSA CAVERNA É INCRÍVEL

No deserto do Novo México, nos Estados Unidos, vive um artista. Seu nome é Ra Paulette.
Paulette passou 25 anos da sua vida trabalhando no subsolo apenas com uma única companhia: seu cachorro.
Trabalhando isolado de tudo e de todos, o artista transformou a caverna numa estrutura de cair queixos.
Dê uma olhada no que havia dentro dela:

Tempestade solar atinge a Suécia e fecha aeroportos do país



A intensa tempestade geomagnética que atinge a Terra há mais de 48 horas fez com que diversos aeroportos da Suécia suspendessem as operações de decolagem. Neste momento a tormenta atinge o nível KP=5 e deve durar pelo menos mais 24 horas



Tempestade Solar
Tempestade Solar - Clique para ampliar

De acordo com autoridades suecas, a tormenta está atingindo fortemente os países do extremo norte da Europa e interferindo de forma significativa nos radares de controle aéreo.

Por terem grande tráfego, os aeroportos de Landvetter, em Gotemburgo e Arlanda e Bromma, em Estocolmo, capital do país, são os mais afetados.

Segundo o porta-voz da Swedavia (organização que gerencia os voos na Suécia), Ulf Wallin, os aviões que estavam no ar precisaram aterrissar e os que estavam em solo estão impedidos de decolar.

Os problemas começaram às 15h00 do horário local desta quarta-feira, 11h30 pela hora de Brasília, quando os aeroportos fecharam. Apenas uma hora depois voltaram a operar com restrições.


Graficos mostram a elevacao subita do indice KP entre os dias 3 e 4 de novembro de 2015
Gráficos mostram a elevação súbita do índice KP entre os dias 3 e 4 de novembro de 2015 - Clique para ampliar

Um comunicado da Swedavia informou que o principal sintoma ocasionado pelo impacto das partículas solares foi com relação às telas de radar, que ficaram "cegas", impossibilitadas de registrar a posição das aeronaves.

A intensa tempestade geomagnética que castiga a Suécia ocorre devido ao intenso bombardeamento pelo vento solar, que na manhã desta quarta-feira chegou a atingir 700 km/s. Somado a isso, foi observado uma série de três ondas de choques geradas pelo vento solar, o que criou uma espécie de transiente que alterou bruscamente a pressão do impacto das partículas na alta atmosfera, com o choque mais intenso sobre a Suécia.

Como resultado global, o índice KP que mede a instabilidade na ionosfera do planeta chegou a atingir o nível KP-5, que perdura por mais de 48 horas e deve permanecer elevado por pelo menos mais 24 horas.

Em 2003, uma tempestade similar causou um forte blecaute que atingiu milhares de residências no sul da Suécia.

by apolo11.com

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Camille Claudel: a quem serve a normalidade?


Por Daniela Lima.

“Não há civilização sem loucura […] ela acompanha a humanidade por todo lugar que haja imposição de limites”.
– Michel Foucault

Eles surgiram de botas e capacetes. A porta arrombada. A matilha em peso a agarrou pela garganta. Golpeada, jogada no chão. Ela não diz uma palavra. […] Lá fora a ambulância espera. 10 de março de 1913. Os dois cavalos relincham sob o chicote. (DELBBÉ, 1988, p. 366-7)

“Censuraram-me (ó, crime horrendo) por ter vivido completamente sozinha”, escreve Camille Claudel do manicômio de Montdevergues. Camille rompeu com alguns destinos impostos às mulheres de sua época como naturais. Não se casou, não teve filhos e se dedicou a uma atividade considerada masculina: a escultura. Até 1897, mulheres eram excluídas das principais escolas de artes francesas, como a École de Beaux-Arts. Trabalhavam como ajudantes ou assistentes de artistas e não podiam assinar as obras que ajudavam a realizar. Camille não assinou Les Portes de l’Enfer ou Les Bourgeois de Calais. Ficou à sombra de Rodin.



Resistir às tentativas de controle de seus gestos, condutas e opiniões influenciou gravemente na decisão de seu irmão, Paul Claudel, de interná-la à força. “É preciso evitar o escândalo”, ele dizia. Loucura não é tudo aquilo que age contra a natureza. É tudo aquilo que desnaturaliza formas de poder. A existência de Camille mostrava que não havia um destino natural para mulheres.

No documentário Michel Foucault Par Lui Même, Foucault diz que “experiências que deveriam ser consideradas centrais, valorizadas positivamente, são consideradas experiências-limite, a partir das quais se põe em questão a exclusão social”. Em última instância, o julgamento dessas experiências não se diferencia daquele que determina se um hábito é aceitável ou não. Mulheres eram internadas pelos mais variados motivos: engravidar indevidamente, gastar muito dinheiro, estar desempregada e – ainda mais violento – por um simples pedido da família. Na loucura, parecia caber tudo aquilo que era desviante à média ou à norma.

O laudo de internação concedido por um médico amigo da família afirmava que Camille tinha delírios persecutórios envolvendo Rodin e cultivava hábitos miseráveis: não cuida da aparência, usa roupas puídas e sapatos gastos, não se lava, mantém as cortinas sempre abaixadas e as janelas fechadas, alimenta muitos gatos e vive sozinha, reclusa, numa casa quase sem móveis. São visíveis tanto as marcas da violenta relação com Rodin como o julgamento moral de seus hábitos.

Em seus 29 anos de internação, Camille implorou que Paul Claudel a tirasse de Montdevergues. Este período é retratado nas cartas que Camille escrevia para Paul Claudel e no filme Camille Claudel 1915:

“Hoje, três de março, é o aniversário do meu sequestro em Ville-Evrard: faz sete anos que faço penitência nos asilos de alienados. Depois de terem se apoderado da obra de toda a minha vida, mandam-me cumprir os anos de prisão”. (DELBÉE, 1988, p.201)

“Durante todo inverno não me aqueci, estou gelada até os ossos, cortada ao meio pelo frio. […] Uma amiga minha, uma pobre professora do liceu Fénelon que veio cair aqui, foi encontrada morta de frio na cama. É medonho!” (p. 255)

“Quanto a mim, estou tão desolada por continuar a viver aqui que eu não me sinto mais uma criatura humana”. (p. 275)

Essas experiências desviantes, que deveriam levantar questões sobre o sistema de poder que determina o que é normalidade, eram reconhecidas apenas como um ponto de ruptura em relação a esse sistema. Portanto, passível de punição. Em História da Loucura, Foucault diz: “é verdade que muitas vezes se interna para fazer alguém escapar ao julgamento: mas interna-se num mundo onde o que está em jogo é o mal e a punição, a libertinagem e a imoralidade, a penitência e a correção”.

Camille Claudel nunca saiu de Montdevergues. Morreu em 1943, aos 79 anos. Foi enterrada em vala comum e seu corpo nunca foi encontrado. Paul Claudel não compareceu a seu funeral em Montdevergues.

O crítico de arte Mathias Morhardt escreveu sobre a obra Les Causeuses (1893), de Camille, para o Mercure de France, em 1898:

“a observação da natureza […] não basta para realizar obras-primas. É preciso uma paixão particular. É preciso um dom especial que permita extrair da própria observação da vida o que constitui o elemento primordial da obra-prima e que é, de certa forma, o testemunho da verdade, o sentido da sua beleza. […] Les Causeuses é um poema escrito magnificamente. […] Essas quatro mulheres sentadas em círculo em torno de uma ideia que as domina, em torno de uma paixão que as inspira e penetra. […] Um poema onde o sangue circula, onde alguma coisa palpita, onde há ombros que alguma emoção interior levanta, onde há peitos que respiram, onde se comprova, enfim, a prodigiosa riqueza da vida. […] Ela é viva! Ela vive permanentemente”.

A pequena escultura que cabe na palma de uma mão, como um segredo, parece fazer Camille respirar através do tempo.

[Detalhes da escultura Les Causeuses, de Camille Claudel]

Quem vigia as fronteiras da normalidade?

“O mais notável não era que fosse a irmã de Paul Claudel e a amante de Auguste Rodin. Não, o que me impressionava, o que me impedia de fechar o livro, era isso: ela era ESCULTORA.” (p.2)

Uma menina com os cabelos desgrenhados, vestido sujo, andando com pesados baldes de barro vermelho no meio do capim cerrado: – Era uma bruxa! Uma bruxa que conseguia transformar o barro em corpo humano.

Quando Camille carregava, cambaleante, baldes de barro para fazer as primeiras esculturas, em Villeneuve, já ouvia de sua mãe que estava louca. Essa demarcação das fronteiras da normalidade é usada para limitar quais são as experiências possíveis para mulheres. A questão da normalidade (ou de como ela se transforma em mecanismo do poder) não é puramente teórica: é parte da nossa experiência.

Aliás, seria mais adequado falar de normalidades e não de normalidade. Normalidade não é uma categoria estável. Depende de critérios sociais, culturais, ideológicos e até religiosos arbitrários. Já foi considerado normal ver duas pessoas lutando até a morte como forma de entretenimento, escravizar populações inteiras, trancar mulheres para o resto da vida em manicômios para tentar normalizá-las. A relação normalidade/loucura é um dos instrumentos divisores do poder. Funciona sob o princípio da porta giratória, que trava de acordo com um comando arbitrário e estabelece demarcações dicotômicas: normais e loucos, pessoas de bem e bandidos, sadio e doente. O sujeito é dividido no seu interior e em relação aos outros:

Esta forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. (FOUCAULT, 2009, p. 236)



Quando Camille transgrediu os estereótipos de gênero de sua época, revelou mecanismos de poder que fabricam esses estereótipos. Era um exemplo perigoso para outras mulheres. Portanto, tentaram “corrigir” violentamente suaanormalidade. O que define o anormal é que ele constitui, em sua existência mesma, a transgressão de leis invisíveis da sociedade, leis que são naturalizadas. O anormal desafia aquilo que é demarcado como impossível e proibido. Imaginem que disparate: uma mulher esculpindo pedras!

Quando se diz “mecanismo de poder”, não se trata de uma abstração, mas de um modo de ação de uns sobre os outros. É uma ação sobre a ação dos outros. É a violência sobre uma vida, que é forçada, dobrada, reduzida, partida: esculpida com martelos e espátulas.

O indivíduo a ser corrigido vai aparecer nesse jogo, nesse conflito, nesse sistema de apoio que existe entre a família e, depois, a escola, […], a igreja, a polícia, etc… (FOUCAULT 2014, p.49)

Por exemplo, uma instituição escolar: sua organização espacial, o regulamento meticuloso que rege sua vida interior, as diferentes atividades aí organizadas, os diversos personagens que aí vivem e se encontram, cada um com uma função, um lugar, um rosto bem definido […] A atividade, que assegura o aprendizado e a aquisição de aptidões ou de tipos de comportamento, aí se desenvolve através de todo um conjunto de comunicações reguladas (lições, perguntas e respostas, ordens, exortações, signos codificados de obediência, marcas diferenciais do “valor” de cada um e dos níveis de saber) e através de toda uma série de procedimentos de poder. (FOUCAULT 2009, p. 241)
As memórias de Camille Claudel (e as nossas próprias memórias) nos dão pistas de como esses mecanismos funcionam:
Camille é diferenciada dos outros: passa a ser “a louca”, o que reduz a sua humanidade ao que possa caber nesse estereótipo. Não se sabe até que ponto ela é chamada de louca para que o poder seja exercido sobre ela ou se existe uma patologia consequente da ação biopolítica brutal desse mesmo poder, possivelmente os dois.
Camille é institucionalizada: se a normalidade é um mecanismo do poder, o enclausuramento, a vigilância, o sistema recompensa/punição, e a hierarquia piramidal são algumas formas de normalização. Reduzir a humanidade de alguém para que ela caiba num determinado estereótipo de normalidade é, por fim, uma forma de governo. Camille passa 29 anos num manicômio.
Foto de abertura
Segundo Georges Canguilhem, “o anormal não é o patológico. Patológico implicapathos, sentimento direto e concreto de sofrimento e de impotência, sentimento de vida contrariada”. O anormal é aquele que revela, no mesmo momento de sua existência desviante, mecanismos de padronização das formas de vida. A anormalidade é aquilo que escapa da normalização imposta pelo poder. E, em certa medida, sempre se escapa dessa normalização. Mas escapar completamente – ou seja: ser livre – é algo que só se alcança coletivamente. A sensação do escape individual não é mais que do uma mera sensação, já que sempre existirá outro mecanismo disciplinar pronto para agir. E não se pode agir contra esses mecanismos individualmente.
A única medida da patologia deveria ser o sofrimento e não a inadequação a um sistema ele próprio patológico. Não um padrão de normalidade criado para que uns governem os outros. A normalização é a supressão brutal daqueles que espontânea ou politicamente mostram as pequenas e grandes irregularidades, ou seja, as falhas, desses mecanismos de governo. É a supressão daquele que são “a forma natural ou política da contranatureza” (FOUCAULT 2014).
Em um dos últimos momentos da História da Loucura, Foucault diz que esse mundo que acredita avaliar e justificar a loucura precisa justificar-se diante dela, já que seus esforços, seus debates se medem por obras desmedidas, como as de Camille Claudel. A loucura é um saber, algumas vezes fechado, inacessível, inquietante. Um saber que desafia o poder.
Loucos são cada vez mais aqueles que ameaçam a conservação do poder.
BIBLIOGRAFIA:
Daniela Lima assina uma resenha do livro Mulher, Estado e revolução: política da família Soviética e da vida social entre 1917 e 1936, da historiadora americana Wendy Goldmann, na última edição da Revista Margem Esquerda: ensaios marxistas. Saiba mais sobre a Margem #24 clicando aqui.

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