sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Psicopatas: como agem esses indivíduos tão temidos pela sociedade


O termo “psicopata” caiu na boca do povo, embora na maioria das vezes seja usado de forma equivocada. Na verdade, poucos transtornos são tão incompreendidos quanto a personalidade psicopática.
Descrita pela primeira vez em 1941 pelo psiquiatra americano Hervey M. Cleckley, do Medical College da Geórgia, a psicopatia consiste num conjunto de comportamentos e traços de personalidade específicos. Encantadoras à primeira vista, essas pessoas geralmente causam boa impressão e são tidas como “normais” pelos que as conhecem superficialmente. No entanto, costumam ser egocêntricas, desonestas e indignas de confiança. Com frequência adotam comportamentos irresponsáveis sem razão aparente, exceto pelo fato de se divertirem com o sofrimento alheio. Os psicopatas não sentem culpa. Nos relacionamentos amorosos são insensíveis e detestam compromisso. Sempre têm desculpas para seus descuidos, em geral culpando outras pessoas. Raramente aprendem com seus erros ou conseguem frear impulsos.
Não é de surpreender, portanto, que haja um grande número de psicopatas nas prisões. Estudos indicam que cerca de 25% dos prisioneiros americanos se enquadram nos critérios diagnósticos para psicopatia. No entanto, as pesquisas sugerem também que uma quantidade considerável dessas pessoas está livre. Alguns pesquisadores acreditam que muitos sejam bem-sucedidos profissionalmente e ocupem posições de destaque na política, nos negócios ou nas artes.
Especialistas garantem que a maioria dos psicopatas é homem, mas os motivos para esta desproporção entre os sexos são desconhecidos. A freqüência na população é aparentemente a mesma no Ocidente e no Oriente, inclusive em culturas menos expostas às mídias modernas. Em um estudo de 1976 a antropóloga americana Jane M. Murphy, na época na Universidade Harvard, analisou um grupo indígena, conhecido como inuite, que vive no norte do Canadá, próximo ao estreito de Bering. Falantes do yupik, eles usam o termo kunlangeta para descrever “um homem que mente de forma contumaz, trapaceia e rouba coisas e (…) se aproveita sexualmente de muitas mulheres; alguém que não se presta a reprimendas e é sempre trazido aos anciãos para ser punido”. Quando Murphy perguntou a um inuit o que o grupo normalmente faria com um kunlangeta, ele respondeu: “Alguém o empurraria para a morte quando ninguém estivesse olhando”.
O instrumento mais usado entre os especialistas para diagnosticar a psicopatia é o teste Psychopathy checklist-revised (PCL-R) – veja imagem acima -, desenvolvido pelo psicólogo canadense Robert D. Hare, da Universidade da Colúmbia Britânica. O método inclui uma entrevista padronizada com os pacientes e o levantamento do seu histórico pessoal, inclusive dos antecedentes criminais. O PCL-R revela três grandes grupos de características que geralmente aparecem sobrepostas, mas podem ser analisadas separadamente: deficiências de caráter (como sentimento de superioridade e megalomania), ausência de culpa ou empatia e comportamentos impulsivos ou criminosos (incluindo promiscuidade sexual e prática de furtos).

Três mitos


Apesar das pesquisas realizadas nas últimas décadas, três grandes equívocos sobre o conceito de psicopatia persistem entre os leigos. O primeiro é a crença de que todos os psicopatas são violentos.
Estudos coordenados por diversos pesquisadores, entre eles o psicólogo americano Randall T. Salekin, da Universidade do Alabama, indicam que, de fato, é comum que essas pessoas recorram à violência física e sexual. Além disso, alguns serial killers já acompanhados manifestavam muitos traços psicopáticos, como a capacidade de encantar o interlocutor desprevenido e a total ausência de culpa e empatia. No entanto, a maioria dos psicopatas não é violenta e grande parte das pessoas violentas não é psicopata.
Dias depois do incidente da Universidade Virginia Tech, em 16 de abril de 2007, em que o estudante Seung-Hui Cho cometeu vários assassinatos e depois se suicidou, muitos jornalistas descreveram o assassino como “psicopata”. O rapaz, porém, exibia poucos traços de psicopatia. Quem o conheceu descreveu o jovem como extremamente tímido e retraído.
Infelizmente, a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) reforça ainda mais a confusão entre psicopatia e violência. Nele o transtorno de personalidade anti-social (TPAS), caracterizado por longo histórico de comportamento criminoso e muitas vezes agressivo, é considerado sinônimo de psicopatia. Porém, comprovadamente há poucas coincidências entre as duas condições.
O segundo mito diz que todos os psicopatas sofrem de psicose. Ao contrário dos casos de pessoas com transtornos psicóticos, em que é freqüente a perda de contato com a realidade, os psicopatas são quase sempre muito racionais. Eles sabem muito bem que suas ações imprudentes ou ilegais são condenáveis pela sociedade, mas desconsideram tal fato com uma indiferença assustadora. Além disso, os psicóticos raramente são psicopatas.
O terceiro equívoco em relação ao conceito de psicopatia está na suposição de que é um problema sem tratamento. No seriado Família Soprano, dra. Melfi, a psiquiatra que acompanha o mafioso Tony Soprano, encerra o tratamento psicoterápico porque um colega a convence de que o paciente era um psicopata clássico e, portanto, intratável. Diversos comportamentos de Tony, entretanto, como a lealdade à família e o apego emocional a um grupo de patos que ocuparam a sua piscina, tornam a decisão da terapeuta injustificável.
Embora os psicopatas raramente se sintam motivados para buscar tratamento, uma pesquisa feita pela psicóloga Jennifer Skeem, da Universidade da Califórnia em Irvine, sugere que essas pessoas podem se beneficiar da psicoterapia como qualquer outra. Mesmo que seja muito difícil mudar comportamentos psicopatas, a terapia pode ajudar a pessoa a respeitar regras sociais e prevenir atos criminosos.
Cristina* tem 22 anos de idade e apenas 7 anos de escolaridade. Aparentemente, ela parece ser uma garota normal com falta de estímulo aos estudos, mas foi levada ao psiquiatra por solicitação da mãe do namorado dela.
Há cerca de um ano, Cristina mora na casa do namorado com a família dele. O ambiente é de uma família de classe média, bem estruturada, que deseja oferecer à namorada do rapaz uma oportunidade de estudo ou trabalho. A garota vem de uma região pobre da periferia da cidade e, até então, vivia com uma pequena quantia de dinheiro que recebeu de uma prima depois que seu pai foi assassinado por um traficante de drogas. Quando a prima propõe a Cristina que a aceite como companheira, ela foge e vai morar com o namorado. No consultório, ao ser indagada se pretendia casar-se com ele, a jovem reflete por alguns instantes e responde: “eles (o namorado e a família dele) são tão diferentes de mim, eles estudam ou trabalham… e eu nunca tive a sorte de arranjar um emprego rentável”. Ela conta que saiu da escola antes de concluir o ensino fundamental porque “era tudo tão chato e ficava de saco cheio nas aulas”.
Durante as consultas, ela admite que, as vezes, se torna muito agressiva. Quando ainda estudava, uma colega chamou-a de vagabunda, mas Cristina decidiu conter sua reação no calor do momento e esperou a hora do intervalo. Seguiu a colega até o banheiro e a agrediu por trás, sufocando-a com uma chave de braço. A garota afirma que também tem ciúmes do namorado e já cortou os pulsos mais de uma vez por conta disso. Cristina reconhece que é muito mentirosa e não tem o menor controle sobre suas finanças: “se tenho R$ 800,00, gasto R$ 1.000,00 em sapatos e roupas em menos de um dia”. Ela pode parecer só uma garota com problemas emocionais e falta de autocontrole, mas Cristina tem traços de um comportamento psicopata. *Nome alterado para proteger a identidade da paciente.

Categorias de maldade



Bem diferente do tipo “comum” de psicopatas que a ficção hollywoodiana criou (aquele assassino sem escrúpulos que gosta de torturar suas vítimas), Cristina se encaixa na categoria de psicopatas comunitários, que podem ser pessoas sociáveis, afetuosas, comunicativas e simpáticas, porém caracterizam-se por um tipo de comportamento frequente que gera conflitos no ambiente de trabalho, em casa ou nos relacionamentos amorosos.
O neurologista Ricardo de Oliveira Souza, coordenador da Unidade de Neurociência Cognitiva e Comportamental da rede Labs D’or, do Rio de Janeiro, criou a categoria “psicopatas comunitários” para diferenciar essas pessoas dos perfis dos psicopatas que a mídia costuma exibir.
Neurologista clínico desde 1980, Ricardo ampliou sua área de atuação na neuropsiquiatria poucos anos depois de fazer residência em neurologia. E é ele quem revela o caso que abre esta matéria: uma garota que não é uma assassina em série, nem uma torturadora, mas que, ainda assim, possui traços de um comportamento considerado psicopata. “Passados alguns anos, verifiquei que os próprios médicos (na maioria psiquiatras) raramente formulavam o diagnóstico de psicopata e, quando o faziam, aplicavam a casos quase caricaturais, de assassinos em série e homicidas”, explica. Para Ricardo, os psicopatas que ele encontrava no dia a dia são diferentes dessa figura grotesca e caricata do imaginário popular. Segundo ele, existem muito mais pessoas com traços desse comportamento do que podemos imaginar. A Organização Mundial de Saúde afirma que, a cada 100 pessoas uma é psicopata, sendo assim, cerca de 1% a 3% da população sofreria do distúrbio de psicopatia, o que representaria algo entre 8 milhões e 24 milhões de potenciais psicopatas no mundo.
Indo ao encontro às informações de Ricardo, o psicólogo Sílvio José Lemos Vasconcellos, mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS e doutor em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica que o psicopata pode manifestar suas tendências antissociais em diferentes graus de intensidade, logo, pode ser mais ou menos identificável. “Um golpista que nunca feriu fisicamente suas vítimas pode ser um psicopata. Um assassino em série que tortura e mata pode ser um psicopata e, de fato, a maioria absoluta dos assassinos em série apresenta esse diagnóstico”, ressalta.

Máscaras sociais

O cinema e a mídia trouxeram à tona os traços de personalidade do psicopata de forma sanguinária, mas vale lembrar que nem todo psicopata é um serial killer, e que ele pode se esconder por trás de personalidades muito mais comuns do que se pode imaginar. Assim como o estudioso Robert Hare conta em seu livro Sem Consciência: O Mundo Perturbador dos Psicopatas que Vivem Entre Nós ( Psiquiatria, 240 páginas, editora Artmed, ano 2013, R$49,00), psicopatas utilizam diversas máscaras sociais, conquistam, manipulam e abrem caminho na vida cruelmente, deixando um longo rastro de corações partidos, expectativas frustradas e carteiras vazias. Os que não partem para a violência física podem ser caracterizados por diversas marcas, como mentiras frequentes, impulsividade, desorganização financeira, e, principalmente, imprevisibilidade de ações. Esse tipo de comportamento atende aos critérios formais de personalidade antissocial do DSM, sigla em inglês para Manual Estatístico e Diagnóstico de Desordem Mental, um dos documentos mais utilizados para avaliar transtornos psicológicos. Nele, o psicopata é caracterizado por impulsividade, desprezos por normas sociais e total indiferença aos sentimentos e direitos do próximo e causa danos emocionais ou financeiros para as pessoas que convivem e se relacionam com esses indivíduos.
Segundo Raphael Boechat, coordenador de psiquiatria do Hospital Santa Lúcia e pesquisador da Universidade de Brasília, é importante lembrar que nem todo psicopata é assassino e nem todo assassino é psicopata. “Alguns roubam, desviam dinheiro ou usam pessoas em relacionamentos. Existem várias formas de psicopatia sem morte”, explica. O psicopata cria suas próprias regras e valores, e age de acordo com sua conduta, na ele decide o que é ou não correto. “A mente desses indivíduos atua de uma forma perversa, sem os limites e as censuras que as pessoas normais aplicam em si mesmas”, revela Raphael Boechat. Geralmente esses indivíduos estabelecem relacionamentos com bastante facilidade, mas não conseguem mantê-los por muito tempo. “Isso acontece porque não conseguem lidar com as frustrações inerentes a todo e qualquer relacionamento interpessoal”, explica o psiquiatra Elias Abdalla.  Os estudos na área confirmam as observações clínicas que apontam nos psicopatas um comprometimento de determinados estados mentais essenciais para a vida social. “A capacidade de sentir emoções pró-sociais, como pena e remorso, não existe nesses indivíduos. São seres humanos incapazes de experimentar a dor ou o sofrimento alheio”, conta o psiquiatra.

Traços de um psicopatas

Identificar um psicopata é uma das tarefas mais difíceis, afinal o indivíduo consegue conviver de maneiro normal, com somente alguns traços do transtorno. De acordo com o psiquiatra Raphael Boechat, coordenador de psiquiatria do Hospital Santa Lúcia e pesquisador da Universidade de Brasília, o comportamento da maioria dos psicopatas é aparentemente normal e apenas pessoas muito próximas conseguem perceber algum traço diferente. “Normalmente esses indivíduos possuem um padrão de desprezo pelas normas sociais, uma grande capacidade de convencimento e podem ter uma inteligência superior à média”, explica.

Em busca das causas

Há várias possibilidades dentro da psicologia e da psiquiatria que justificam a forma de agir do psicopata; entretanto, as explicações sobre comportamento desses indivíduos ainda não são consenso. “A principal diferença entre um psicopata e uma pessoa normal é a incapacidade total ou relativa dos psicopatas sentirem pena dos outros ou culpa (remorso) pelo que possam fazer de mal a alguém”, diz Ricardo. Além disso, o médico alerta que, mesmo que os indivíduos se mostrem arrependidos e se penitencie pelo erro cometido, eles não modificam o comportamento e voltam a incidir nos mesmos erros em seguida. “O estado atual de conhecimento sobre o assunto sugere que a carga genética possa ser uma condição necessária para alguém se tornar psicopata, embora não seja uma condição suficiente. Isso significa dizer que o ambiente no qual o indivíduo desenvolve-se também exerce influência”, reflete o psicólogo Sílvio Lemos.
O neurologista Ricardo de Oliveira Souza demonstra que os resultados  dos estudos feitos nos últimos anos têm sido fascinantes e animadores. “Nos últimos 15 anos, um dos meus focos de pesquisas tem recaído no estudo do cérebro dos psicopatas e como eles diferem dos cérebros das pessoas normais”, revela. Para realizar os testes, foram utilizados diversos instrumentos de avaliação clínica, comportamental e neuropsicológica, assim como uma variedade de técnicas de ressonância magnética, tanto funcional como anatômica (estrutural). Com o estudo, foi possível verificar que os cérebros dos psicopatas é diferente do cérebro de um indivíduo normal. “Essas diferenças são notadas tanto na esfera anatômica quanto na esfera funcional”, explica o neurologista. Além disso, as alterações presentes no cérebro dos psicopatas estão em sintonia com as alterações comportamentais e de personalidade que os caracterizam. O córtex pré-frontal e o córtex orbitário são os locais onde as alterações anatômicas são mais observadas no cérebro dos psicopatas, assim como sobre o lobo parieto-temporal e os polos temporais. “Essas regiões são profundamente interconectadas e correspondem aos circuitos cerebrais relacionados ao comportamento social”, explica Ricardo.
A medicina diz que a psicopatia é, em grande parte, geneticamente determinada. Estima-se que 80% da “carga genética” influencie nesse tipo de comportamento, conforme definido pela PLC (sigla de expressão inglesa: Programmable logic controller – Controlador lógico programável) de psicopatia do psiquiatra americano Robert Hare. Outro ponto que contribui são os fatores são os fatores externos que podem influenciar o comportamento dessas pessoas desde muito cedo. “Há indivíduos com personalidade antissocial que ficam abaixo do limiar da psicopatia. Esses casos são bem mais suscetíveis às influências do ambiente (pais alcoólatras e negligentes) e, ao menos em tese, poderiam ser parcialmente recuperáveis”, pontua Elias Abdalla, psiquiatra forense no IML de Brasília e pós-doutor em Psiquiatria Forense pela Universidade de Londres. Ele conta que essas pessoas eram conhecidas antigamente como “sociopatas” para diferenciá-las dos psicopatas sanguinários, entretanto não há um consenso entre os dois termos. “Há quem prefira destacar o termo ‘sociopatia’ para dar ênfase à importância do meio social na constituição da personalidade transtornada, enquanto o termo psicopata engloba os aspectos biológicos (incluindo genético) e sociais”, explica. Ou seja, enquanto os psicopatas adotariam um comportamento mais violento, os sociopatas teriam um quadro clínico de transgressão social mais leve.

Recuperação (quase) impossível

A cura para a psicopatia ainda percorre um caminho tortuoso. “Esses indivíduos não vão ao psiquiatra por vontade própria, a não ser quando levados por terceiros, porque eles não veem problema em sua conduta e nem em suas regras”, explica Ricardo de Oliveira Souza. Para Elias Abdalla, uma cura para os psicopata seria equivalente a algo como “mudar de personalidade”, o que é impossível.
Sílvio Vasconcellos reafirma que, embora a cura pareça distante, é possível apaziguar as manifestações antissociais características da psicopatia. Mesmo apostando no avanço que técnicas que diminuam o comportamento antissocial do indivíduo psicopata, o psicólogo alerta para o caráter violento de muitos deles e aponta a via penal como solução. “Se considerarmos o insucesso dos tratamentos nas diferentes áreas de saúde e o fato de que a contenção de comportamentos antissociais é primordial na sociedade em que vivemos, a privação da liberdade é, portanto, necessária. Seria ingênuo pensar que existe um modelo substitutivo capaz de dispensar a privação de liberdade nesses casos”, avalia.
Por mais que pareça radical, para Ricardo de Oliveira Souza, a integração de um psicopata à sociedade é impossível, já que o transtorno deste indivíduo é ele próprio. “Como ele tem uma falha em sua personalidade, o psicopata não consegue sentir arrependimento pela violência praticada. Por conta disso, ele não compreende sua prisão por sentimentos éticos, morais e humanos pela vítima. Consequentemente, não vai aprender com a experiência, com tendência a repetir seus atos de violência”, finaliza.

Características infantis indicam o problema

O diagnóstico de psicopatia só é possível após os 18 anos por meio de diagnóstico psiquiátrico. Até essa idade, os sinais que poderiam indicar um perfil psicopático podem no máximo serem diagnosticados como Transtorno de Conduta. Ainda assim, algumas características infantis indicam que a criança pode vir a ser um adulto com o transtorno. “Geralmente as que maltratam animais, mentem muito, fazem bullying, não obedecem regras, têm insensibilidade emocional, dificuldade em manter amizades, atitudes transgressoras como roubo, vandalismo e violência, têm mais chances de serem adultos assim”, afirma a psicóloga, explicando que, mesmo conhecendo as características, o diagnóstico exato só pode ser confirmado pelo especialista. “Como a maioria dos transtornos mentais, a psicopatia apresenta dois elementos causais fundamentais: uma disfunção neurobiológica e o conjunto de influências sociais e educativas recebidas ao longo da vida. Quando ela ocorre em grau leve e é detectada de forma precoce, pode, em alguns casos, ser modulada através de uma educação mais rigorosa, ou seja, um ambiente familiar mais estruturado e com acompanhamento dos filhos ditos ‘problemáticos’, o que certamente não evita a psicopatia, mas pode inibir uma manifestação mais grave”.
Apesar de se mostrar irreversível, a psicóloga deixa claro que a existência de algumas características da psicopatia não são motivo para a pessoa ser diagnosticada com o transtorno. “Existem casos de pacientes que foram diagnosticados com o problema, mas depois foi visto que ele não era um psicopata. E outros em que os sintomas não foram percebidos, porém, após um período, se mostraram extremamente passíveis de serem psicopatas. Por isso, dentre outros critérios, as características são avaliadas pela frequência e intensidade com as quais se manifestam”. Essa ludibriação do diagnóstico, conforme deixa claro Lara, não é algo tão incomum. “Muitos psicopatas já conhecem as características do distúrbio e, por isso, conseguem ser frios o bastante para enganar até os especialistas”.

Nem todos são assassinos

Muito pelo contrário: a proporção é de 1% da população mundial, sendo três homens para cada mulher. Além disso, vale frisar que existem diferentes graus de psicopatia e que nem todos os indivíduos com o distúrbio não têm qualquer limite. “Temos as psicopatias leves, moderadas e graves. Todas envolvem frieza emocional, mas, nos casos mais simples, remetem a pessoas que muitas vezes ocupam cargos de destaque, como líderes religiosos, executivos bem sucedidos e políticos que muitas vezes vivem de golpes, roubos, fraudes e estelionatos”.
Com estes indivíduos, a dica da psicóloga é se manter o mais longe e atento possível. “Se perceber alguém assim, fuja, pois a pessoa não vai mudar”, diz, deixando claro que os próprios psicopatas não vão atrás de ajuda médica. “Como eles não são incomodados com o próprio problema, não vão procurar ajuda. Geralmente quem costuma se tratar são as vítimas deles”.
Fonte: por Tamirys Seno e Lucas Santana (colaborador) / Segredos da mente – Ler & Saber Especial – Ano 1 – nº 1 – 2013 – Editora Alto Astral / Albert Einstein – Sociedade Beneficente Israelita Brasileira / Scott O. Lilienfeld e Hal Arkowitz / Artigo: O que é um psicopata?

Psicopatocracia: o governo dos maus









Texto baseado na obra "Political Ponerology", de Andrew Lobaczewsky, psiquiatra polonês que viveu e sobreviveu em um campo de concentração sob o regime nazista.
Psicopatocracia ou, simplesmente, Patocracia é um fenômeno macrossocial no qual prolifera o mal, na forma de uma anomalia hereditária, chamada psicopatia, que é essencial para a gênese e sobrevivência de tal Estado.
O termo psicopata, em geral, nos trás à mente a imagem de indivíduos sadicamente violentos, criminosos comuns, como os mostrados nos filmes. Mas, os traços de personalidade característicos da psicopatia cobrem, na verdade, um espectro muito mais amplo de indivíduos do que a maioria das pessoas tem conhecimento.
Mais ou menos, uma em cada vinte e cinco ou trinta pessoas é psicopata. A psicopatia não está presente apenas em criminosos, mas também em pessoas bem sucedidas socialmente. São indivíduos muito egocêntricos, sem empatia pelos demais, e incapazes de sentir remorso ou culpa por seus atos. Muitas vezes, são superficialmente encantadores e sedutores, dando a impressão de possuir as qualidades humanas mais nobres. Ou seja, mantém um disfarce ou máscara na superfície que esconde sua verdadeira natureza. Em geral, os psicopatas gostam de ser admirados e bajulados, alguns costumam ser pedófilos e não sentem vergonha quando são descobertos. Estão presentes em todas as classes sociais, mas tem uma predileção por posições de poder. Não só apreciam as posses e o poder como também sentem um prazer especial a usurpar e tirar dos outros o que possam plagiar, fraudar e obter mediante extorsão ou engôdo. Esta forma de obter o que desejam lhes dá mais prazer do que o que podem desfrutar realizando algum trabalho honesto, em função de sua pouca vocação para o trabalho árduo e sistemático, que requer esforço, estudo e dedicação, como forma de obter o que desejam.
A mentira para o psicopata é como o ar que respiram. Quando são pegos em alguma mentira inventam novas mentiras e não se importam em ser descobertos, pois não são capazes de sentir vergonha nem culpa reais, embora possam até simular estes sentimentos se isto for necessário para dissimular, para manipular ou granjear boa vontade de quem querem trapacear.
Os psicopatas tem uma tendência a se associar com outros como eles, ou seja, formar quadrilhas. Para os psicopatas inteligentes e espertos não é muito difícil se infiltrar nas esferas dos negócios, da política, do direito, do sistema judicial, do governo, dos sistemas acadêmicos e outras estruturas sociais. Mas, tem uma marcada predileção por posições e cargos nos quais não precisem trabalhar muito e possam colocar os outros a trabalhar por eles enquanto se dedicam apenas a "puxar os cordões" a dar ordens. Eles possuem uma espécie de senso de superioridade perverso, que os leva a acreditar que as demais pessoas lhe devem subserviência e adulação de modo a atender seus desejos e supostos direitos superiores, naturais ou até mesmo divinos.
A inteligência média de indivíduos com este desvio é, via de regra, inferior a das pessoas normais, ainda que muitas vezes próxima ou similar. De modo geral, este grupo não contém pessoas de inteligência mais elevada, nem pessoas com grande talento artístico ou científico. Mas, eles tendem a se valer de pessoas de maior talento, manipulando-as ou dominando-as de alguma forma - seja através promessas, de ameaças ou chantagens - para alcançar seus objetivos.
Desde a infância eles aprendem a se reconhecer mutuamente no meio da multidão e desenvolvem uma consciência da existência de outros indivíduos similares a eles, com os quais tendem a se associar para tirar proveito das fraquezas e ingenuidades das pessoas comuns. São conscientes de que são diferentes à medida que se familiarizam com suas distintas maneiras de lutar por seus objetivos. Seu mundo está dividido sempre entre "nós", os "espertos" ou "especiais", e "eles", os "otários", ou "pessoas comuns".
Os psicopatas sonham com um mundo no qual sua maneira muito singular e radical de experimentar e perceber a realidade (isto é, mentindo, enganando, destruindo, usando os demais, etc.) é o modo dominante de ação, no qual sua supremacia estaria, consequentemente, assegurada. Neste mundo, as demais pessoas, os "outros", especialmente os mais capacitados tecnicamente, deveriam ser postos a trabalhar para alcançar seus objetivos, de preferência sob forma de subjugação e subserviência inconteste. Os psicopatas odeiam ser contrariados ou terem suas ideias e vontades contestadas ou questionadas, apreciam a obediência cega e a idolatria, tendem a se enfurecer e se tornar agressivos quando contrariados.
Os psicopatas gostam muito de disfarçar seus propósitos e projetos na forma de discursos e ideologias que falam em revolução e renovação, coisas como criar um "novo mundo" ou um "novo governo" sob novas denominações que escondem suas reais intenções, que é a criação de um sistema no qual possam ser dominantes, de preferência de modo permanente. Desta forma, quando chegam ao poder, tendem a fazer de tudo para se perpetuar, muitas vezes não se importando de fazer mal, caluniar, desqualificar, humilhar, prender e até matar os seus opositores se for necessário. Assim, se cria um abismo entre as massas mais morais e os iniciados da elite psicopática. Os segredos e as intenções de tais iniciados permanecem ocultos das massas, inclusive do proletariado da organização, normalmente transformados em seguidores fanatizados disposto a tudo para apoiar e defender seus idolatrados líderes.
Um observador que olha as atividades de tal organização do lado de fora tem tendência a subestimar o papel do líder e sua função supostamente autocrática. Os publicitários, os meios de comunicação e os aparatos de propaganda são mobilizados para causar uma opinião externa favorável a eles. O líder depende dos interesses da organização e, em especial, dos iniciados do comando maior, muito mais do que ele mesmo sabe que depende. É um ator com um diretor. Em uniões macrossociais, esta posição em geral é ocupada por um indivíduo privado de certas faculdades críticas (fantoche); iniciá-lo profundamente nos planos e cálculos criminais seria contraproducente, de modo que só lhe é fornecido um conhecimento e treinamento superficial suficiente para que assuma o papel que lhe é destinado e galhardamente aceito pela possibilidade de chegada ao poder. Um grupo de indivíduos psicopáticos que se escondem nos bastidores manejam o suposto líder. Se o líder não cumpre com o papel que lhe é atribuído pode ser afastado de seu posto ou até mesmo eliminado (desmoralizado, preso ou morto) pelo comando maior.
Assim vai se estabelecendo uma sociedade na qual os traços centrais da psicopatia, o egocentrismo, a falta de preocupação real com os demais, a superficialidade, a dominação, a manipulação e o narcisismo patológico vão sendo cada vez mais tolerados e valorizados. Neste contexto, muita gente que pode ter nascido "normal" vai se convertendo no que se poderia chamar de "psicopatas secundários", a partir da influência que os psicopatas vão exercendo na sociedade e na cultura com promessas de "um mundo melhor", de uma "sociedade perfeita" ou coisa do gênero, coisa para a qual se valem inclusive de intelectuais aderentes a suas causas capazes de adorná-las com teses sociológicas e filosóficas extremamente elaboradas que lhes dá uma aparência de sofisticação e qualidade pseudocientífica.
Quando o processo psicopático abarca toda a classe governante de uma sociedade ou nação, estamos diante de um fenômeno social chamado Patocracia, que só pode ser compreendido através da ciência da Ponerologia Política. Neste contexto, uma pequena minoria mentalmente doente toma o controle de uma sociedade de gente normal. Assim, indivíduos privados de capacidades suficientes para sentir e entender a maioria das pessoas e que, ainda por cima, também possuem deficiências no que se refere à imaginação técnica e às habilidades práticas (faculdades indispensáveis para administrar assuntos econômicos e políticos) vão assumindo os cargos gerenciais do governo, o que, mais cedo ou mais tarde, acaba levando a uma crise excepcionalmente grave em todas as áreas, tanto dentro do país em questão, como no que concerne às relações internacionais. Internamente, é possível que a situação se torne insuportável até mesmo para aqueles cidadãos que eram capazes de se construir um modo de vida relativamente cômodo e tranquilo para si e suas famílias.
Uma pessoa normal, que se vê privada de um cargo elevado, administra isto através de algum tipo de trabalho que lhe permita ganhar a vida através de suas habilidades. Mas, os patocratas, que nunca possuíram nenhum talento prático em especial, não tem esta possibilidade. Se a normalidade for restabelecida eles e seus semelhantes estariam sujeitos a juízo, estariam ameaçados de perda de sua liberdade, e não somente de um cargo ou privilégio. Para os psicopatas esta é uma visão conhecida e um pesadelo. Portanto, uma sistemática destruição psicológica, moral, econômica e, até mesmo, se necessário, biológica, desta maioria de gente normal é uma questão de sobrevivência dos patocratas.
Muitos meios servem a este fim, começando pelos campos de concentração, pandemias e a guerra contra um inimigo inventado, que devastará e debilitará o poder humano que coloca em perigo o governo dos patocratas. Uma vez mortos, os soldados serão decretados heróis dignos de serem venerados, "mártires da revolução" ou coisa do gênero, ícones que são endeusados e utilizados para forjar uma nova geração fiel à patocracia. Além de tudo, os patocratas dão muito pouca importância ao sofrimento, o derramamento de sangue e até à morte da gente comum. A ideologia, portanto, deve prover uma justificativa correspondente para o direito alegado de conquistar e se manter no poder. O expansionismo deriva da própria natureza da patocracia, e não de uma ideologia, porém, este fato precisa estar disfarçado de uma ideologia que possa ser difundida e aceita. Em dado momento, algumas pessoas, que no começo achavam atrativa a ideologia original, passam a se dar conta de que, na verdade, estão tratando com outra coisa. Este desencanto que experimentam tais pessoas que se deixaram seduzir e iludir de modo a aderir a tal ideologia pode ser extremamente amargo.
Depois de algum tempo, algumas pessoas da sociedade podem começar a desvendar, entender e a reunir algum conhecimento sobre esta nova realidade e suas propriedades psicológicas e, pouco a pouco, aprendem a perceber os pontos fracos de tal sistema. Os intentos da minoria patológica por se manter no poder está, portanto, sempre ameaçado pela sociedade de gente normal, cuja consciência crítica pode se manifestar. Começam a se aconselhar mutuamente sobre estes temas, deste modo regenerando lentamente os sentimentos e vínculos sociais e a confiança recíprocra. Em dado momento, um novo fenômeno ocorre: a separação entre os patocratas e a sociedade de gente normal. Estes últimos tem a vantagem no que se refere ao talento, às habilidades profissionais e o sendo comum saudável. Consequentemente, possuem algum trunfo em suas mãos. O mundo de gente normal sempre é superior ao outro quando se necessita uma atividade construtiva, tal como a reconstrução de um país devastado, na área da tecnologia, da organização da vida econômica e do trabalho científico e no campo médico. O psicopatologista não se surpreende pelo fato de que o mundo de gente normal seja dominante no que concerne a suas habilidades e talentos. Para a sociedade, no entanto, isto representa um descobrimento que cria esperança e gera tranquilidade psicológica. Uma vez que nossa inteligência é superior à dos psicopatas, podemos reconhecê-los e entender como pensam e atuam.
Ao entender este mecanismo, começamos a ter uma ideia melhor de como os psicopatas são capazes de conspirar e se articular de modo a alcançar seus intentos. Em uma sociedade em que o mal não é estudado nem devidamente entendido eles facilmente alcançam o auge e continuam a condicionar as pessoas normais a aceitar seu domínio e suas mentiras sem questionar. É muito difícil identificar um psicopata habilidoso, mas há algumas pistas que podem ser úteis. Uma delas é justamente a habilidade de mentir, negar a mentira e tentar ocultá-la sob o manto de uma nova mentira ou meia-verdade. Aliás, os psicopatas amam meias-verdades, pois é muito mais fácil mudar o significado de uma meia verdade do que o de uma verdade ou mentira completa. Uma característica muito comum na história pessoal de um psicopata é o prazer em maltratar animais ou outras crianças (bullying). A presença deste traço é praticamente um sinal patognomônico de psicopatia. Se alguém os apresentou em sua história de vida estes traços é muito provável que estejamos diante de um psicopata.
Observação: Embora o autor tenha se baseado em fatos vividos durante o nazismo este é um estudo genérico sobre um fenômeno sociológico histórico não atribuído especificamente a nenhum governo histórico passado ou atual em particular. Cabe a cada um e à sua consciência, sagacidade e capacidade de análise a eventual associação entre o fenômeno aqui descrito e casos reais da história política da humanidade.
Fonte: Political Ponerology, Andrew Lobaczewsky
Casos ilustrativos:

domingo, 30 de novembro de 2014

Desde a legalização, Uruguai não registra mortes de mulheres por aborto

Segundo Ministério da Saúde do País taxa é uma das menores do mundo

Do R7, com agências internacionais
Aborto foi legalizado no Uruguai em dezembro de 2012AP Photo/Matilde Campodonico
Desde a legalização do aborto no Uruguai, em dezembro de 2012, até a maio de 2013, nenhuma mulher faleceu vítima do procedimento. No período, 2.550 abortos foram realizados no país. A informação foi publicada pela UPI (United Press Internacional) na última semana.

Aborto é a quinta causa de mortalidade materna, segundo Conselho Federal Medicina
Segundo o Ministério da Saúde Pública uruguaio, dez em cada mil mulheres entre 15 e 44 anos já fizeram pelo menos um aborto. O subsecretário da Saúde Pública, Leonel Briozzo, informou, ainda, que o dado coloca o país entre os que registram as menores taxas do procedimento ao lado dos países europeus.
Despenalização do aborto
Na prática, a nova lei despenaliza o aborto antes das 12 semanas se forem seguidos os procedimentos regulados pelo Estado.
As mulheres podem solicitar um aborto em qualquer centro sanitário público ou privado, que a partir de dezembro de 2012 foram "obrigados a realizar a intervenção e garantir que o procedimento seja feito por terceiros em
casos de objeção de ideário", destacou à Rádio Carve Leticia Rieppi, diretora de Saúde Sexual e Reprodutiva do Ministério de Saúde Pública.
As autoridades sanitárias uruguaias publicaram um manual e um guia de procedimentos que as mulheres, os hospitais, as clínicas e os médicos devem seguir para praticar os abortos.
As mulheres podem solicitar a interrupção voluntária da gravidez até as 12 semanas de gestação, período que é ampliado a 14 semanas em casos de violação.
Em casos de má-formação de fetos ou risco de vida para mãe, esse período não tem restrições.
Uruguaias podem solicitar a interrupção voluntária da gravidez até as 12 semanas de gestaçãoAP
Previamente, as pacientes deverão passar por uma comissão formada por um ginecologista, um psicólogo e um assistente social que darão assessoria sobre os riscos de praticar um aborto e inclusive sobre a possibilidade de continuar com a gravidez e dar a criação para adoção.
Posteriormente, a paciente terá cinco dias para refletir e depois ratificar sua vontade de praticar ou não o aborto, que seguirá os critérios recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde), acrescentou Rieppi.
Apesar da lei só ter sido regulamentada ao final de 2012, no Uruguai, a cada ano, são realizados mais de 30 mil abortos, segundo números oficias, embora a realidade poderia dobrar esse número, segundo algumas ONGs.

Lei é eficaz para matar mulheres, diz especialista


por Andrea Dip | 17 setembro, 2013

O ginecologista e obstetra Jefferson Drezett, que há mais de 10 anos coordena um serviço de abortamento legal no país explica porque o aborto pode ser considerado um problema de saúde pública


Por que o aborto pode ser considerado um problema de saúde pública?

A gente não classifica um problema como sendo de saúde pública se ele não tiver ao menos dois indicadores: primeiro, não pode ser algo que aconteça de forma rara e excepcional, tem que acontecer em uma quantidade de vezes significativa. E tem que causar impacto real para a saúde das pessoas. Nós temos esses dois critérios preenchidos na questão do aborto. A gente tem a última estimativa de cerca de 220 milhões de gestações acontecendo no mundo a cada ano e tem uma parcela disso que não é planejada que varia entre 30 a 35% deste total. Significa que gente deve ter 45 milhões de gestações não planejadas e muitas vezes não desejadas. Isso termina em um número grande de abortamentos induzidos. A gente calcula em torno de 20 milhões de abortamentos sendo praticados em condições inseguras no mundo. O aborto inseguro também não é uma arbitrariedade, é uma convenção da OMS para quando se interrompe uma gestação sem prática, habilidade, conhecimento e/ou em ambiente sem condições de higiene. O aborto inseguro tem uma forte associação com a morte de mulheres. E aí segundo dados formais da OMS a gente tem quase 70 mil mulheres morrendo por ano em decorrência de aborto inseguro, não é pouca gente.

Essas mortes acontecem em países onde o aborto não é legalizado?

Aí que está o nó: estas 70 mil mulheres não estão democraticamente distribuidas pelo mundo. 95% dos abortos praticados em condições inseguras acontecem em países em desenvolvimento e por coicidência a maioria deles têm leis restritivas em relação ao abortamento. Isso falando de mortes de mulheres. Se falarmos em danos permanentes, sequelas, “não morreu mas quase”, esse número aumenta significativamente. Por isso estamos falando de uma situação que tem toda a necessidade de ser tratada como saúde pública. É claro que você consegue diminuir o número de gestações indesejadas quando melhora a educação, o acesso a bens, à saude, à escola, à educação reprodutiva. Mas mesmo que a gente oferecesse metodos contraceptivos para todas as mulheres sexualmente ativas no mundo, segundo a OMS, se todas usassem direitinho, mesmo assim nós teriamos entre oito e 10 milhões de gestações por falhas dos próprios métodos. Uma coisa que precisa ser entendida é que as mulheres não engravidam porque não são responsáveis ou simplesmente não usam metodos contraceptivos. Dizer isso é pura ignorância. Primeiro porque as mulheres não têm acesso a planejamento reprodutivo nesse país e isso é um fato. Mas se a gente considerar as mulheres usando os métodos rotineiramente, com suas pequenas falhas, o número de gestações não planejadas sobe para 26 milhões. Estes métodos são fundamentais para as mulheres, mas sozinhos eles não garantem que não exista uma gestação indesejada ou até forçada. Isso vai variar de país para país, da educação, acesso a saúde, educação sexual. Temos um problema de saúde pública? Sim.

No Brasil quais são estes números?

Os números que nós temos são aproximados, porque a clandestinidade não nos permite precisão, mas a gente calcula os números de aborto induzido de forma científica. Hoje a gente tem aproximadamente 250 mil internações para tratamento de complicação de abortamento por ano no país. É o segundo procedimento mais comum da ginecologia em internações. Aí a gente calcula quantos abortos de fato devem ter ocorrido para que para que estas complicações tenham acontecido neste número. Este é o cálculo utilizado por vários países e pesquisadores. No caso do Brasil, a gente não deve ter menos de 800 mil abortos induzidos, provocados a cada ano. Também não ultrapassa um milhão. A média fica em um milhão de mulheres se submetendo a procedimentos clandestinos. Veja que aborto clandestino e inseguro não são sinônimos. O que determina a insegurança do aborto não é ele ser clandestino; é não ter prática, técnica ou ser realizado em ambiente inseguro. A diferença entre as chances de morrer em um aborto inseguro é de mil vezes maior. E aí qual é diferença já que no Brasil o aborto é proibido por lei? Depende ae a mulher tem dinheiro para pagar por um aborto seguro, mas muito caro, ou se ela é pobre e vai procurar por métodos inseguros. Acaba se criando uma desigualdade social, uma perversidade, porque uma mulher que tem um nível socioeconômico bom tem acesso a clínicas clandestinas, que não são legalizadas, mas são seguras. Esse aborto seguro pode custar mais de dois mil dólares, enquanto um aborto inseguro pode custar 50 reais. A criminalização do aborto impõe à mulher pobre a busca pelo aborto inseguro e clandestino e para as mulheres ricas a busca pelo aborto clandestino e seguro.

Cinquenta reais é o preço do remédio comprado no câmbio negro?

O aborto com remédio não é tão inseguro quanto se pensa. O mais grave é aquele que manipula o útero, com sondas, agulhas de tricô, venenos, elementos cáusticos cuja dose do veneno que mata o feto é muito próxima da dose que mata a mãe.

Claro que em São Paulo os números são muito menores do que nas regiões Norte e Nordeste do país onde a taxa de aborto em idade fertil é muito maior. No Brasil alguma coisa entre dia sim, dia não, morre uma mulher por complicação de um aborto, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde. Pode haver muitas outras mortes que não foram computadas como tal. Isso deve dar umas 180 mulheres por ano e há quem ache esse número aceitável. Mas a gente acha que uma mulher jovem morrendo em uma situação como essa, que poderia ser totalmente evitada, não é aceitavel. O aborto como questão de saúde pública é uma classificação internacional assumida pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetricia, pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetricia, pela Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, pelo Grupo de Estudos de Aborto. Mas se o Ministério da Saúde não entende assim por questões políticas isso é uma tragédia.

Então hoje o que a gente tem do Ministério da Saúde é uma “não posição” a respeito do assunto?


É um evitar absoluto. É público, não estou denunciando nada que ninguém não conheça. No governo da presidente Dilma Roussef há uma proibição de tratar do tema do aborto. O executivo foge totalmente do assunto. E quando toma qualquer atitude que esbarre de relance na descriminalização do aborto, a bancada evangélica se coloca dizendo ‘a senhora se comprometeu conosco a não legalizar’. Agora, qual foi este compromisso, que usou as mulheres como moeda de troca eu não sei.


Jefferson Drezett / Reprodução

A pílula do dia seguinte é considerada abortiva pelos religiosos…

A questão da pílula do dia seguinte eu não sei mais como explicar porque é tão absurdo que chega a estupidez, ao patético. Não existe uma evidência cientifica que coloque a pílula do dia seguinte sob suspeita de ter um efeito abortivo periférico eventual, é uma medicação que não tem nenhuma evidência científica em relação ao aborto.

E a saúde pública está em boa parte nas mãos de instituições religiosas…

Sim. Mas a saúde pública é feita com dinheiro público. Uma Santa Casa não tem o direito de não distribuir uma pílula do dia seguinte ou não fazer uma laqueadura. Eles não abrem mão do recurso público mas querem colocar limitações aos direitos que as mulheres têm em um país laico em função de uma doutrina ideológica ou religiosa. Mas também tem outro dado interessante. Existe uma pesquisa de 2006, que conversou com as secretarias municipais de saúde de quase 800 municipios, uma parte com mais de 100 mil habitantes e uma parte com menos de 100 mil habitantes, sobre o serviço de abortamento legal. Foi perguntado para as secretarias se elas tinham serviços para atender vítimas de violência sexual e a resposta foi de que quase 90% dos municípios com mais ou menos de 100 mil habitantes diziam que sim, contavam com o serviço, tinham profissionais e serviços especializados. A pesquisa foi extensa, se aprofundou e perguntou se estavam cumprindo os ítens como prevenção do HIV, a pílula do dia seguinte e o resultado foi que mais da metade destes serviços que se dizem preparados não fazem a concepção de emergência e quando você pergunta por que, existem justificativas como falta do remédio. O Ministério da Saúde ofereceu os insumos para todos e, se não cumpriu, é responsabilidade do municipio comprar ou pedir. Mais da metade das mulheres que procuravam o serviço depois de um estupro não tiveram acesso a anti-concepção de emergência. Quer dizer, a gente tem uma cultura de violência contra a mulher, absurda, intolerável, injustificável, quando elas nos procuram, a gente é incompetente para protegê-las da gravidez, e quando estão grávidas, a gente é mais incompetente ainda para interromper, mesmo sendo algo previsto pela lei. E aí vem a segunda parte interessante. Quando você pergunta para as secretarias se elas tem o serviço de aborto legal, que faz parte do atendimento, de cara 30% já diz que não faz. Mas é obrigação fazer! 6% se recusam a falar sobre o assunto. Apenas 1,9% já tinha feito um aborto. É bonito dizer que tem, mas os serviços não cumprem as normas. Você diz que vai atender e quando a mulher chega com demandas gravissimas e você não atende isso é muito cruel. É imperdoável, é abandono. Mas qual é o percentual de ginecologistas que você acha que são contra o aborto, favoráveis ao estatuto do nascituro, contra o aborto em qualquer caso? 0,2%. 60% dos ginecologistas deseja no mínimo a ampliação das condições ou a descriminalização total. Se você considerar os que não acham que deveria ser crime, isso dá 80%.

De novo a conta não fecha, né? O que acontece então?

Existe uma questão chamada objeção de consciência. Isso é previsto pelo código de ética profissional e também pela legislação brasileira. Ninguém está obrigado a fazer uma coisa senão por força de lei. E o ginecologista não está obrigado a realizar um procedimento contra sua consciência. Essa liberdade de consciência e de não querer fazer alguma coisa que fere o princípio pessoal é individual, não pode ser coletiva e não é institucional. Uma instituição não pode alegar objeção de consciência. Uma Santa Casa não pode alegar objeção de consciência. Um professor titular de uma universidade importante não teria o direito de impor sua objeção de consciência a seus alunos. Mas isso acontece. Cabe a instituição ter médicos sem essa objeção para realizar esse trabalho.

E a raiz de todo esse embate está nos grupos religiosos?
Acho que tem um peso grande, mas não só. Em qual país o aborto é um consenso? Não é um tema que permite consenso porque existe um feto. A minha convicção não é igual a sua ou a de outra pessoa. Eu não tenho nojo do feto, eu sou obstetra, Cuido de crianças! Mas se eu tenho uma visão diferente de você, e nenhum de nós abre mão da própria visão, por que prevalece a sua? As mulheres terminam fazendo o aborto da mesma forma. Quantos fetos daquele um milhão que a gente perde por ano são poupados pela lei? Algum? Nenhum. E perdemos centenas de mulheres por conta disso. Dizem que quando a gente legalizar o aborto vai virar uma chacina. Mas não existe nenhuma experiência em nenhuma parte do mundo em que o aborto foi descriminalizado e houve uma explosão de abortos. Um dos últimos países que descriminalizou, o Nepal, em um prazo de quatro anos, teve uma queda de complicações relativas ao aborto vertiginosa. E você não tem um número de abortos aumentado. O lugar no mundo onde a mulher menos precisa fazer um aborto é na Holanda, o mesmo país onde o aborto é mais acessivel. A não permissão não reduz o número de abortos. Apenas torna-os clandestinos e traz toda essa tragédia da qual estamos falando. É uma legislação altamente eficaz para matar mulheres, porque obriga a clandestinidade e quem não tem dinheiro morre. E 70 mil mulheres mortas estão aí para mostrar que isso é verdade. A ideia de que a proibição resolve o problema é suficiente para uma parte da população brasileira. Que continuemos perdendo um milhão de fetos por ano. Que continuem morrendo tantas mulheres por ano.

Funciona assim com as mulheres desconhecidas né?

Sim. Uma pesquisa feita pela Unicamp em 2006 trabalhou com um número grande de ginecologistas e perguntou quantos eram favoráveis à descriminalização do aborto. Aproximadamente 15 ou 16% responderam sim. Aí perguntaram quais já tiveram em sua clinica particular uma paciente conhecida que teve uma gravidez indesejada e o procurou e o que ele fez. Se você juntasse médicos que ajudaram, orientaram fizeram o aborto ou encaminharam para um colega fazer, isso subia para 30%. A pesquisa foi além e perguntou se teve alguém da família deles já haviam passado por uma gravidez indesejada e pedido ajuda. O número de profissionais que ajudaram sobe para quase 50%. E a pergunta final era: “O senhor já teve uma parceira ou a senhora mesma já tiveram uma gravidez indesejada?” Quase 2000 profissionais responderam que sim. “E o que o senhor ou a senhora fez? Sobe para 90% o número de interrupções de gestações. Eu prefiro não entender isso como um falso moralismo. Quando eu entendo o motivo eu ajudo mais, e entendo melhor quando é minha filha. Mas nada como estar na própria pele. Em 30 anos de ginecologia, eu nunca ouvi uma mulher que tenha parado de usar o método anticoncepcional só pelo prazer de fazer um aborto. Para engravidar daquele canalha, ficar desesperada e ter o benefício, a satisfação de fazer um aborto. O aborto não é um bem a ser alcançado. As mulheres buscam no aborto soluções para situações extremas. A pergunta não deveria ser se você é contra ou a favor do aborto. Uma mulher que faz o aborto deve ser presa? Essa é a pergunta. E a maioria das pessoas vai responder que não. Então, por que ele é crime? Qual é o sentido?

E só criminaliza a mulher porque o pai da criança nem passa perto disso.

Só para a mulher. O cara não existe, estas são gestações espontâneas. Se o aborto fosse um tema que atingisse os homens essa questão teria terminado há muito tempo. É mais uma vez depositar sobre a mulher toda a responsabilidade do processo reprodutivo. A maior parte dos homens coloca toda responsabilidade pela contracepção para as mulheres e quando elas engravidam de maneira indesejada, esses caras desaparecem. Muitas mulheres talvez não abortassem se não fossem abandonadas pelos parceiros. Não que isso seja a solução. Mas muita mulher aborta porque não tem parceiro, não tem apoio, vai ser descriminada e assim por diante. A sociedade não dá a essa mulher qualquer tipo de acolhimento. Não estou dizendo que esse acolhimento resolveria a gravidez indesejada mas muitas mulheres são impulsionadas a esse aborto por um ambiente totalmente hostil.

E em nenhum momento essa mulher é considerada.

O Estatuto do Nascituro trata a mulher como um detalhe. Deveria substituir a palavra mulher por chocadeira humana. Ou receptáculo de esperma humano. Se for aprovado, o Brasil será o país mais atrasado, conservador e limitado no mundo em direitos reprodutivos.

A Defensoria Pública de São Paulo está defendendo uma mulher que foi denunciada por uma médica quando chegou sangrando ao PS de um hospital público.

A médica também deveria estar respondendo criminalmente, ela não pode revelar sigilo. Eu não sou policial, juiz, sou médico. Enquanto médico eu tenho principios éticos e legais a seguir. Eles determinam que você não pode revelar fato que tenha conhecimento no exercício da profissão. A não ser em circunstâncias especiais, por exemplo, se o profissional estiver sendo processado por um paciente, mas ainda assim eu sou obrigado a lembrar ao juiz que estes dados merecem sigilo. Também por força de lei, um estupro em uma criança ou adolescente, eu tenho a obrigação de comunicar às autoridades mesmo que a família não queira. Não existe sigilo nesta circunstância. Mas na lei de contravenções penais existe o artigo 66 que é absolutamente claro: o médico não tem permissão de revelar uma condição de sigilo que possa estabelecer um processo contra a pessoa. E tem aqueles profissionais que acham que tem que fazer procedimentos sem anestesia que é para a mulher aprender a não fazer mais. Mas o que tem por trás de tudo isso? A falta de clareza de lidar com o aborto como questão de saúde pública. não simplesmente para usar isso como argumento para discutir a descriminalização. É usar para discutir uma assistência humanizada, que não viole os direitos dessa paciente, e uma mudança no aprendizado sobre o abortamento. Na verdade o aborto termina como uma moeda de troca. A vida das mulheres, os direitos das mulheres e autonomia terminam como moeda de troca política. Você me apoia e a gente ferra com todas as mulheres sem nenhuma dor de consciência. A gente faz um conchavo político e que se dane quantas mulheres vão morrer no próximo ano. Eu gostaria que vocês nunca engravidassem sem querer, que nunca precisassem de um aborto, que fosse algo raro e excepcional. Mas que se acontecesse, não se tornassem criminosas por causa disso. Que tivessem a saúde protegida. Que o aborto fosse raro, legal e sempre seguro.

by apublica.org/

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