A sociedade da informação, com o advento da banda larga e a popularização do uso da internet, fomentou o surgimento de novas ferramentas educacionais baseadas em blogs, revistas eletrônicas e no ensino EAD.
Para regular as relações estabelecidas entre as pessoas surgiu o que se convencionou chamar de netiqueta, normas não oficiais de comportamento cordial.
Neste sentido caberia perguntar se esta constitui também um código de ética que pode facilitar a efetivação da virtualidade educacional, regulando relações pedagógicas na internet?
Em caso afirmativo, poderia ser estabelecido um vinculo entre netiqueta e cidadania?
As pessoas estão preparadas para lidar com a internet como meio de integração educacional?
Questões que multiplicam as perguntas.
O sistema educacional formal institucionalizado consegue lidar com a internet como ferramenta?
Onde entra a netiqueta no ensino básico e superior?
Como preparar os educandos para conviver em harmonia com outros indivíduos e a construção coletiva do conhecimento em ambiente virtual?
Baseado no método lógico dedutivo, em pesquisa bibliográfica e documental, além de constatações empíricas, propomos realizar neste artigo uma discussão inicial em torno destas questões, com o objetivo de conduzir a introdução da questão da netiqueta como reguladora das novas relações educacionais estabelecidas virtualmente pela internet.
Os resultados parciais alcançados pela pesquisa demonstram que existe uma desatualização da LDB e dos PCNs para lidar com a virtualidade educacional.
Ao passo que propomos como solução provisória a este problema a abordagem da netiqueta como conteúdo a ser integrado ao ensino de filosofia na educação básica, ensino médio e superior.
A netiqueta.
Dentro do âmbito da sociedade da informação, em um ambiente globalizado, onde o acesso as informações e a produção e divulgação do conhecimento foi democratizado, com a educação sendo cada vez mais transposta para o âmbito virtual, torna-se necessário discutir o que se convencionou chamar de netiqueta.
O termo “netiquette” foi criado pela norte-americana Judith Kallos, uma consultora do wordpress, em 1988 (Artigo Netiqueta).
Prestando serviço para empresas com negócios on-line nos Estados Unidos da América, ainda durante o advento da internet discada, ela percebeu que o mundo empresarial não estava preparado como lidar com as novas realidades promovidas pelo avanço tecnológico.
Foi assim que fundou cursos para treinar prestadores de serviços pela internet, para que as empresas pudessem participar das novas demandas abertas pela rede mundial de computadores, associando o compromisso com o próprio sucesso com um tratamento adequado do consumidor em potencial, tornando-se uma especialista em etiqueta virtual on-line pela internet (Artigo Email Etiquette Expert).
A palavra surgiu a partir da junção do termo “Net”, em referência a internet, com “Etiqueta”, passando a nomear um “conjunto de regras não-oficiais, passadas de boca em boca e site em site que tenta estabelecer um padrão de comportamento considerável desejável pelos utilizadores e para os utilizadores” (SILVA, s.d.).
Segundo Adelina Maria Pereira Silva, mestre em Relações Interculturais pela Universidade aberta de Lisboa, os objetivos destas regras poderia ser assim pontuado:
As regras da netiqueta visam tornar a Internet um lugar menos caótico e mais sadio, ensinando as pessoas que certas atitudes aparentemente inofensivas podem aborrecer, atrapalhar ou agredir outros usuários, devendo ser evitadas. O usuário que desrespeita a netiqueta, propositalmente ou não, prejudica também a si mesmo, porque é deixado de lado pelos outros utilizadores. A Netiqueta pode variar ligeiramente de acordo com o tipo de comunicação que está a ser utilizado (por exemplo: canais chat, grupos de discussão, e-mail).
A netiqueta não é só um padrão de etiqueta, pois também configura um conjunto de princípios éticos para os usuários da rede mundial de computadores.
O que conduz seus preceitos a serem pensados como elementos de regulação das relações estabelecidas na ótica educacional, à medida que; com a proliferação dos blogs especializados, revistas eletrônicas e cursos superiores baseados no Ensino a Distância (EAD); é essencial padronizar a comunicação para tornar a educação realmente efetiva na internet.
Entretanto, refletir sobre o tema leva a uma série de constatações, incitando questionamentos que levantam problemas.
Para discuti-los é preciso adentrar conceitos e definições, rever posturas, passando pela relação entre educação e tecnologia, pelo que entendemos por tecnologia em si, pela educação informal e formal, além do vinculo da netiqueta com a ética e como balizadora das relações virtuais pedagógicas.
A despeito da enorme distancia que possa parecer existir entre a netiqueta e cidadania, sua proximidade é muito maior do que poderia ser imaginada.
O entendimento da netiqueta como fomentadora da cidadania, e esta última como parte do código de ética necessário para efetivação da educação no ambiente virtual, pensando a atual legislação educacional brasileira, torna óbvia a tarefa do ensino de filosofia: é sua obrigação jurídica e moral abordar a netiqueta como parte do conteúdo filosófico.
Educação e Tecnologia.
Existem muitas formas de compreender a tecnologia, portanto, antes, é necessário conceituar o que podemos entender por este termo.
Pode ser classificado como tecnologia qualquer artefato, método ou técnica criada pelo homem para tornar seu trabalho mais leve, sua locomoção e comunicação mais fáceis ou simplesmente sua vida mais agradável e divertida.
Formalmente, a tecnologia é o emprego de um conjunto de técnicas, mas filosoficamente, a partir da origem da palavra (tecno = técnica + logia = ciência), seria a teoria ou filosofia da técnica.
O que remete a perguntar: o que é técnica?
Por definição, a técnica é um procedimento bem definido e transmissível, destinado a produzir um resultado útil.
Neste sentido, desde os gregos antigos, reflete uma prática consciente, em oposição às atitudes tomadas ao acaso.
A partir do século XIX, a técnica passou a denotar uma sistematização do conhecimento que repousa sobre o saber cientifico, a racionalização do emprego de instrumentos e materiais.
Pensando assim, tanto em seu sentido original como contemporâneo, a tecnologia é tão antiga quanto o homem (RAMOS, 2010, p.01-06).
Isto porque um bastão de madeira, que amplifica um golpe e serve de extensão ao braço, também faz parte da tecnologia.
Modernamente, existem tecnologias que amplificam os poderes sensoriais, a percepção - como o telescópio ou o microscópio, altos falantes, etc -, melhoram a capacidade de acumular informações - indo desde o papel, a escrita e o lápis até o computador -, permitem a ampla comunicação entre os homens - telefone e internet -, encurtam o deslocamento - carros, aviões e barcos -, enfim que facilitam a vida das pessoas e a necessidade humana de subjugar à natureza para sobreviver.
No entanto, será que toda tecnologia pode ser aplicada à educação?
Pensada na educação, a tecnologia é o que torna possível a transmissão e aperfeiçoamento do conhecimento.
Configura o processo educacional em sentido amplo, inclusive no âmbito que extrapola a educação formalizada nas escolas (BARRETO, 2003, p.271-286).
Isto porque podemos incluir qualquer forma de tecnologia no processo educacional, incluindo meios de comunicação, como rádio, TV e cinema, além da própria fala e escrita.
Em um sentido mais restrito, na escola, usamos tecnologias tradicionais, entre as quais giz, lousa, livros, cadernos, carteiras, mesas, cadeiras, etc.
Porém podem ser usadas na escola também tecnologias mais recentes, como vídeos, DVDs, computadores, teleconferência, lousa digital, ensino a distância e outras.
Em suma, boa parte da tecnologia humana, de uma forma ou outra, aplicada-se à educação.
Portanto, a relação entre educação e tecnologia não poderia ser mais estreita.
As tecnologias são a síntese produzida pelas relações sociais, sistematizadas em um momento histórico, de acordo com as necessidades humanas para subjugar a natureza (MANASSÉS, 1980).
A humanização só aconteceu a partir do processo educacional, a apropriação de saberes através de diferentes linguagens, formas simbólicas de mediação materializadas nas interações sócio-culturais.
Neste sentido, a tecnologia pode ser entendida como uma das linguagens que o homem utiliza na construção social para transformar as relações sócio-econômicas e culturais, além do próprio acumulo e transmissão do conhecimento, denotando as características típicas de uma civilização e sua visão de educação (MORAN, 2004, p.245-254).
Segundo Marx (2010), “a tecnologia revela o modo de proceder do homem com a natureza, o processo imediato de produção da sua vida material e assim elucida as condições de sua vida social e as concepções mentais que dela decorrem”.
O que significa que o uso que uma sociedade faz da tecnologia diz muito sobre ela e o que espera construir no futuro.
Portanto, a velocidade da incorporação das novas tecnologias na educação, a democratização de seu acesso, também simboliza a importância cultural delegada ao futuro e ao respeito ao outro dentro do que se convencionou chamar sociedade da informação.
Por outro lado, contemporaneamente, a globalização criou um determinismo tecnológico que subordinou às produções histórico-sociais a informação rápida e condensada.
Os discursos que acompanham a sociedade da informação elegeram como lei o principio da tabula rasa.
Não há nada mais que seja absoluto, tudo muda rapidamente, por isto não existem respostas únicas.
Ao mesmo tempo, a informação foi coisificada, tornando-se um produto.
Na educação, a transmissão do conhecimento também se tornou mercadoria, o aluno se converteu em cliente e o professor em prestador de serviço.
Na realidade um processo que decorre do fordismo, a compartimentação do conhecimento, tal como em uma linha de montagens.
Quando Henri Ford criou a linha de montagem no inicio do século XX, não tencionava apenas facilitar a produção em massa, mas também controlar o conhecimento, subdividindo o saber para que os indivíduos não tivessem o domínio do todo.
O fordismo educacional transformou os professores em tarefeiros, semelhante ao que ocorreu com operários em linhas de montagem, fazendo, por outro lado, o educando perder a noção do conjunto.
No entanto, de certo modo, a educação formal contém em si a informal, já que o educador não se limita a transmitir conteúdos (SAVATER, 1998).
Enquanto o professor exerce uma profissão eminentemente técnica, o educador deveria ensinar e praticar a tolerância com o outro, a convivência pacifica, instigando a curiosidade para conhecer as diferenças, ou seja, incentivando a socialização.
O grande problema é que a educação formal, sendo hierarquizada, é fruto e reflexo do fordismo, dividindo tarefas e limitando o processo de socialização.
É por isto que para o entendimento do papel da educação na socialização é necessário discutir a transmissão da cultura dentro e fora da escola.
A educação, a transmissão do saber acumulado pela humanidade, não se concretiza somente na escola, acontece também de maneira informal (sem norma ou forma), não possuindo critérios, horários, hierarquia ou sistema de avaliação (MIZUKAMI, 1986).
Onde entra justamente a questão envolta da internet e das novas tecnologias que dia-a-dia surgem.
Violência simbólica e tecnologia.
A educação informal é produzida a partir das necessidades imediatas da vida, configurando o conhecimento conforme as exigências requeridas para a sobrevivência do individuo e de seu grupo.
Está vivamente presente na internet e nos meios de comunicação que utilizam as novas tecnologias.
Pensando nesta concepção, o saber escolar muitas vezes se distancia da realidade, impedindo a assimilação democrática do conhecimento e excluindo várias categorias sociais, portanto, limitando o acesso ao saber que confere poder.
A escola manipula o educando, ocultando uma violência simbólica, tal como pensado por Bourdieu e Passeron (2001).
A violência está no fato da escola se revestir de uma aparência de neutralidade, quando na verdade condiciona o educando de acordo com os interesses das elites que controlam o sistema educacional.
É simbólica devido ao seu caráter não material, portanto, circunscrito a esfera mental.
Dentro deste contexto, insere-se o capital cultural, a competência cultural e lingüística herdade, sobretudo, da família, facilitador do bom desempenho escolar.
Usando uma linguagem e cultura pertencentes à elite, o padrão culto, a escola comete uma violência ao impor, ao conjunto da sociedade, valores de um único grupo.
A educação legitima o domínio da elite, impedindo o acesso daqueles que não possuem o necessário capital cultural a estamentos mais elevados, doutrinando para o fracasso.
Entretanto, a modernidade tecnológica trouxe outras formas de violência simbólica, tal como a tecnológica, pois a escola, ao ignorar as novas tecnologias, realiza uma dupla violência simbólica.
Primeiro nega a incorporação do vocabulário tecnológico e suas ferramentas como recurso pedagógico para chegar até o aluno.
Depois, para aqueles que não tem domínio sobre as novas tecnologias, não propicia a construção de um conhecimento necessário a vida em sociedade no mundo tecnologicamente globalizado.
A escola é uma instituição, como tal possui normas e padrões, impostos por aqueles que controlam o sistema educacional, visando organizar seu funcionamento (FOUCAULT, 2000).
Diferente da educação informal, o conhecimento escolar é sistematizado, transmitido a partir de critérios e métodos, composto por um saber científico, dogmático.
Embora a idéia, teoricamente, seria a escola criar uma proximidade com a realidade concreta, possibilitando uma flexibilidade de conteúdos, utilizando a tecnologia para facilitar a proximidade entre formalizada e informalidade (RODRIGUES, 2002).
É neste sentido que as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da educação básica, assim definem as competências que devem ser desenvolvidas nos cursos de licenciatura e de graduação plena: “(...) com relação ao mundo do trabalho, sabe-se que um dos fatores decisivos passa a ser o conhecimento e o controle do meio técnico-científico informacional”.
Porém, na prática o professor é transformado em um facilitador, animador, tutor, monitor, etc.
A primeira vista, o professor torna-se um item dispensável, facilmente substituído pelos recursos tecnológicos.
No entanto, a tecnologia carece de pessoas para gerenciar as informações, de forma que o professor passou a ser parte indispensável do uso da tecnologia em favor da educação (FREIRE, 2004).
Por outro lado, o perfil do educando foi alterado para indivíduos com uma constante insatisfação com o conhecimento transmitido, tido como fora de propósito e sem relação com suas necessidades reais.
A internet e a facilidade de acesso a informação fez o educando passar a exigir visualização do conhecimento, de forma rápida e fácil (RAMOS, 2011, p.01-06).
Assim, blogs, revistas eletrônicas e outros meios de comunicação e construção coletiva do conhecimento tornaram-se importantes ferramentas educacionais.
Disponíveis não só aos professores como a qualquer interessado em construir ou partilhar o conhecimento.
Não obstante, não existem leis ou normatizações formais para balizar as relações educacionais estabelecidas entre os sujeitos pela internet, inclusive com a proliferação freqüente do anonimato.
O que acompanha também a proliferação de uma enorme quantidade de informações nem sempre verificáveis e, em muitos casos, com conceituações equivocadas que distorcem fontes confiáveis, passando uma falsa imagem de confiabilidade.
É por esta razão que se torna necessário iniciar uma ampla discussão sobre a netiqueta, uma possível balizadora informal das relações educacionais on-line, garantidora da veracidade e da construção sadia de novos conhecimentos partilhados na internet.
Dentro deste contexto, será que poderíamos pensar a netiqueta também como código de ética?
O que conduz à outra discussão inicial em volta dos conceitos que envolvem justamente a ética.
Netiqueta e ética.
Para Pekka Himanen (2002, p.66), existiria uma distinção entre netiqueta e nética, este último, um termo que nomearia a ética entre usuários da internet, incluindo hackers.
Entretanto, o conceito de ética remete ao que se entende por netiqueta.
Em linhas gerais, o comportamento ético é aquele que colabora com a busca da felicidade, normatizando racionalmente as relações entre as pessoas.
No entender de André Lalande (1993, p.348), a ética é a “ciência que tem por objeto o juízo de apreciação (...) à distinção entre bem e o mal”.
Embora ética e moral tenham a mesma raiz etimológica, com ambas palavras significando a mesma coisa, uma em grego e outra em latim, a saber: normas de conduta, padrão de comportamento ou hábitos.
Kant acabou separando as acepções no século XVIII, colocando a primeira acima da segunda (LALANDE, 1993, p.349).
A partir deste momento o conceito de ética evoluiu, e, hoje, significa também um conjunto de regras de convivência no interior de um grupo.
Enquanto os conceitos morais seriam definidos por uma época e sociedade, tendo como norteador uma série de fatores aglutinados que impõem padrões de comportamento como corretos, em oposição a atitudes condenadas como erradas e punidas com o isolamento social.
Em muitos casos, sendo estas regras não escritas transformadas em legislação, convertidas em leis e ratificadas juridicamente.
A ética é mais ampla por ser uma ciência filosófica normativa e teórico-prática, possuindo caráter de investigação moral, contraposta a racionalização dos comportamentos, tendo como centro a busca da idoneidade e dignidade humana.
No entanto, pode ser entendida também como mais estreita que a moral, pois a ética diz respeito também a consciência sobre o comportamento humano, individualizando normas de comportamento aplicadas a conjuntos de pessoas que constituem grupos (MENEZES, 2010, p.07).
O que faz a ética nem sempre corresponder às determinações morais.
Vender um dado produto, promovendo seu consumo é, por exemplo, ético para o conjunto dos publicitários, mas, dependendo da mercadoria, sendo ela comprovadamente maléfica à saúde, pode ser considerado imoral pelo conjunto da sociedade.
Dentro desta acepção de ética, pensando no significado de etiqueta, “conjunto de cerimônias usadas (...) no trato de muitas pessoas” (BUENO, 1976, p.463), a nética e a netiqueta se confundem e confluem para os mesmos objetivos e objetos.
Portanto a etiqueta pensada para facilitar a convivência na internet é também um código de ética norteador das relações e usos da rede mundial de troca de dados e informações.
Todavia, pensada no sentido educacional, a netiqueta pode auxiliar na construção do conhecimento?
Seus princípios podem facilitar de fato as trocas virtuais e tornar mais cordiais as relações professor/aluno, educar/educando ou pessoa/pessoa?
A netiqueta nas relações virtuais pedagógicas.
Levando em consideração que o processo de apropriação do conhecimento ocorre ao mesmo tempo em que os sujeitos se desenvolvem culturalmente.
A apropriação da tecnologia na prática pedagógica exterioriza esta potencialidade (BOUSSUET, 1985).
Em outras palavras, simultaneamente, a tecnologia serve a reprodução do sistema capitalista, podendo assumir um papel integrador interdisciplinar, ajudando a contornar o fordismo educacional, reelaborando o contexto cultural para transformar o mundo.
Uma idéia que não é nova, está presente, por exemplo, no pensamento de Illich.
Amigo e contemporâneo de Paulo Freire, o austríaco Ivan Illich, na década de 1970, fez uma critica a educação institucionalizada.
Em seu livro Sociedades sem escola (ILLICH, 2003), defendeu a idéia de que a escola impede o ser humano de desenvolver todo seu potencial.
Para ele, a escola fragmentava o saber e incentiva o consumismo e a reprodução das desigualdades.
Tentando contornar esta situação, propôs substituir as escolas por redes de comunicação e convivência, onde as pessoas pudessem trocar informações e experiências diretamente, através de uma rede de computadores, correios, anúncios de jornais, etc.
Illich pensou em quatro redes educacionais:
1. Serviços de consulta a objetos educacionais (bibliotecas, laboratórios, museus, teatros, etc);
2. Intercâmbio de habilidades (troca de conhecimentos entre as pessoas).
3. Encontro de colegas (formação de parcerias de pesquisa, comunidades de pessoas que interagem para buscar conhecimento).
4. Consulta a educadores (orientadores na busca pelo conhecimento).
Assim, Illich foi o precursor da internet e das redes sociais pensadas como ferramenta de troca de informações e do ensino a distância on-line.
Porém, por razões óbvias, sua proposta nunca foi colocada integralmente em prática.
Para estabelecer uma relação pedagógica é necessário a presença de pelo menos dois elementos: professor e aluno, educador e educando.
Somente o dialogo entre as pessoas constrói uma relação pedagógica, onde o saber é coletivamente cultivado, mas, igualmente, sempre carece de direcionamento.
A educação institucionalizada, a escola, possui muitos defeitos e vícios, muitos dos quais advindos do sistema capitalista e estrutura social, o que não invalida sua importância e caráter coletivo de partilha do conhecimento acumulado pela humanidade.
O professor, em sala de aula pode contornar as barreiras, um fator não considerado por Illich.
Cabe ao educador profissional realizar um trabalho de formiguinha, tornando-se agente multiplicador.
Sozinhos somos nada, somos fracos; juntos seremos tudo, seremos fortes e poderemos mudar o mundo através da educação.
O que, por si, exige a institucionalização da educação.
Uma vez que a passagem da heteronomia para a autonomia necessita do domínio de técnicas que servem de instrumento aos profissionais da educação.
Sendo assim, como incorporar a informalidade na educação formal?
Para isto acontecer, em primeiro lugar, tanto professor como aluno precisam conhecer as linguagens tecnológicas e tomar consciência do contexto em que estão envolvidas, estabelecendo criticas e até mesmo questionando esta realidade (PAPERT, 1994).
É necessário desconstruir ilusões forjadas por interesses políticos e econômicos.
Devemos ter em mente que a tecnologia pode mediar a aprendizagem, mas o processo educacional necessita da interação entre as pessoas.
Esta interação só é garantida através de uma convivência cordial que crie um clima propicio ao dialogo, uma discussão que permita construir e reconstruir o conhecimento, compondo um saber de domínio público, vivamente presente em blogs e publicações eletrônicas.
Mecanismos de democratização do acesso ao saber, embora não ao status representado por um diploma universitário.
Destarte, até mesmo no que diz respeito à formalização da educação institucionalizada, que confere certificados e títulos, devemos ressaltar que o ensino caminha em direção à virtualização, tornando necessária a presença da netiqueta.
Atualmente e, no futuro, cada vez mais a educação e a internet caminharam lado a lado.
Os cursos EAD - Educação a Distância - tem facilitado o acesso ao ensino superior, estendendo-se pelo Brasil e possibilitando alcançar regiões onde antes seria impossível alguém cursar uma universidade.
Aliás, segundo especialistas, a tendência EAD deve dominar o panorama do mercado educacional, praticamente extinguindo o ensino presencial.
Entre 2005 e 2008, a titulo de exemplo, os cursos EAD tiveram um crescimento de 600% no numero de alunos, enquanto os cursos presenciais encolheram por conta de uma concorrência predatória entre universidades privadas.
É por isto que escolas tradicionais, algumas universidades públicas, começaram a investir em cursos EAD, seguindo uma tendência mundial adotada pelo ensino superior de ponta, como o Massachusetts Institute of Technology (MIT), Berkeley e Yale.
Assim, torna-se fundamental, pensando no ensino fundamental e médio, repensar as questões em torno das relações pedagógicas virtuais estabelecidas no contexto educacional.
Até porque a popularização da internet e da banda larga, à medida que crescem os EAD, aumenta a necessidade de profissionais capacitados para lidar com as novas tecnologias que, dia-a-dia, evoluem com extrema rapidez, e, igualmente sejam capazes de se transformarem em agentes multiplicadores.
É verdade que o EAD exige dos alunos maior esforço e dedicação que os cursos presenciais, porém, carece de suporte de educadores para que a tecnologia possa ser usada em beneficio da construção do conhecimento.
O que torna uma obrigação do educador ensinar normas de comportamento que facilitem a convivência virtual entre as pessoas.
Algo operacionalizado pelo exemplo próprio e fomento à discussão conceitual e prática em torno da netiqueta.
Segundo Jocelma Almeida Rios (2008, p.19), a netiqueta, no âmbito da EAD, deveria balizar a construção de uma maior proximidade entre educador e educando, auxiliando a humanizar o espaço educacional virtual através da afetividade.
Em resumo, a tecnologia na educação, seja ela de qualquer natureza, deve estar a serviço do professor e do educando, sendo o docente um mediador (LÉVY, 1993).
Caso contrário, corremos o risco de desvincular esta importante ferramenta de seu propósito primeiro: servir ao progresso da humanidade.
A idéia do EAD é democratizar o acesso ao saber, mas a inserção neste meio exige do educando autodisciplina e domínio dos instrumentos necessários ao bom andamento do curso.
Portanto, é essencial que, na era da globalização, em plena sociedade da informação, o ensino elementar possibilite também o acesso a tecnologia disponível e a netiqueta enquanto código de ética.
A formação da cidadania, apregoada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), passa necessariamente pela formação ética, ao passo que o acesso a internet, em qualquer esfera, exige do utilizador a adoção de parâmetros mínimos de cordialidade para o bem estar virtual de si mesmo e do outro.
Conceitos que se cruzam e entrelaçam com a educação em acepção ampla, fazendo nascer uma interdependência com a netiqueta.
Onde reside outro problema: a desatualização dos Parâmetros Curriculares Nacionais brasileiros, diante da rede mundial como mecanismo educacional. Conduzindo a perguntar se não seria o caso de rever a LDB, em vista do avanço das tecnologias e meios de informatização do conhecimento.
Cidadania, educação e netiqueta.
A redemocratização do Brasil, em 1985, conduziu a um fomento do sentimento de cidadania, onde a formação do cidadão foi colocada como principal objetivo da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - lei 9394/96.
Porém, a cidadania não foi conceituada pela LDB promulgada em 1996, sua definição ficou subentendida como conceito liberal, pertinente a república representativa, que trás em si a idéia de contrato social (CHAUI, 1994, p.403).
A discussão do que se deve entender por cidadania ficou entregue a filósofos, sociólogos, historiadores e educadores.
Alguns destes pontuaram o nascimento do cidadão na antiguidade, entre o século XII a VIII a.C, apesar da democracia grega ser muito distinta da concepção contemporânea, já que era praticada somente entre alguns poucos privilegiados, excluindo mulheres e escravos, estes últimos a imensa maioria da população.
O cidadão foi conceituado como aquele que “pode e deve atuar na vida pública independente da origem familiar, classe ou função”, transmitindo a visão de que “todos são iguais, tendo o mesmo direito à palavra e à participação no exercício do poder” (ARANHA & MARTINS, 1992, p.153).
Esta definição de cidadania atendeu o que senso comum entende pelo termo, aquilo que a mídia apregoa e massifica.
Acontece que a cidadania foi abordada de forma genérica, tornando sua definição etérea e pouco conhecida integralmente.
Para Andrew Edgar & Peter Sedgwik, o cidadão é “um agente humano a quem são dadas características sociais especificas, com significados políticos codificados (...) que são questões de seus interesses privados e (...) de interesse público” (EDGARD & SEDGWICK, 2003, p.55).
Segundo Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva (2006, p.47), a cidadania é um conceito histórico e complexo, atribuída “aos indivíduos que integram uma Nação”, abrangendo “direitos políticos, sociais e civis”, mas também “direitos e deveres”.
Conceito que remetem a Revolução Francesa, com seu ideal de igualdade, liberdade e fraternidade, sendo este último item de suma importância, já que pressupõe o abandono do individualismo consumista, incentivado pela ótica capitalista, em favor da busca do bem estar do outro em prol da coletividade.
Dentro desta concepção, será que a netiqueta não poderia ser pensada como conteúdo formador da cidadania?
Acontece que atualmente a LDB não considera adequadamente os espaços virtuais como mecanismos educacionais.
A reboque, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs -, as diretrizes elaboradas pelo governo federal para orientar a educação no Brasil, seguindo a LDB de 1996 e reafirmando a importância da formação da cidadania, também não abordam a internet como elemento educativo.
Tanto a LDB como os PCNs esquecem que a interdisciplinaridade apregoada como fomentadora da cidadania poderia ser alcançada contextualizando conteúdos, em sentido transversal, por meio da internet.
Como lembrou Saviani, uma pedagogia coerente e eficaz está atrelada “com o problema da compreensão do homem; que tipo de homem pretendemos nós atingir através da educação” (SAVIANI, 2004, p.47).
Para realizar a tarefa de formar o cidadão o século XXI, é necessário repensar o que entendemos por educação e tentar atender as necessidades da modernidade virtual, um conceito complexo e, simultaneamente, abrangente.
Seja qual for a definição, o cidadão não existe sem criticidade, consciência de si mesmo e do mundo que o rodeia.
O que acompanha a inclusão digital e, ao mesmo tempo, a introdução do educando na netiqueta, pensando no respeito pelo outro como a si mesmo.
Assim, a netiqueta conduz de volta ao objetivo educacional da construção da cidadania, assumindo uma postura formadora de uma postura ética, outro elemento importante dentro do conceitual do modelo de cidadão ideal.
O que exige repensar qual educação queremos para o Brasil e, portanto, a reformulação da LDB e dos PCNs.
Além é claro da questão da formação dos professores, pois em sua maioria, no ensino presencial, em qualquer nível, nunca ouviram falar em netiqueta e sequer sabem utilizar a internet como ferramenta educacional.
Como poderiam os professores constituir então uma categoria multiplicadora do acesso a educação através da internet e de preceitos éticos nas relações virtuais pela netiqueta?
Concluindo.
Dentro do âmbito da globalização, onde as informações estão fortemente disponíveis pela rede mundial de computadores, a Internet; onde a comunicação entre as pessoas foi facilitada pela informática, aproximando e derrubando fronteiras; a inclusão social passa necessariamente por este meio.
Assim, um objetivo e desafio primordial da Educação, dentro da rede virtual, é a facilitação do acesso a construção do conhecimento e ao saber acumulado pela humanidade.
Entretanto, para isto, é necessário familiarizar o educando e instrumentalizá-lo para integrar a sociedade da informação, o que inclui o conhecimento da netiqueta como facilitadora das relações educacionais virtuais.
É neste sentido que, mais que meio ou recurso didático, o uso do computador e da internet deveria sensibilizar o educando para que se perceba como parte de um contexto mais amplo, instigando a curiosidade e a vontade de aprender por si só.
O que encontra respaldo nas teorias de Dewey, Paulo Freire, Piaget, Skinner e Vigotsk.
Além de fomentar o autodidatismo, essencial a sobrevivência do individuo no mundo globalizado, o acesso as informações disponibilizadas na internet, em seu sentido educacional, objetiva estimular a interdisciplinaridade, quebrando o paradigma fordista, para tentar retomar a tendência humanista dos renascentistas.
Estimulando a reflexão interdisciplinar, o compartilhamento de conhecimentos pela internet pretende transmitir conteúdos de uma forma mais leve e instigante, desenvolvendo o raciocínio lógico do educando.
Mas para se efetivar como educação precisa ser regulada por normas de convivência ética, garantidas pela netiqueta, auxiliando, ao mesmo tempo, na formação da cidadania.
O que exigiria repensar a educação no Brasil, reescrever a LDB e os PCNs.
No entanto, enquanto isto não acontece, como tentar contornar os problemas existentes e crescentemente ampliados pelo descompasso brasileiro com a modernidade virtual?
Poderíamos iniciar as mudanças pelo menor elo do sistema educacional institucionalizado e, por isto mesmo, o mais importante: o professor.
Porém, não estando os docentes, eles também, devidamente preparados para lidar com a educação instrumentalizada pela internet, como realizar esta façanha?
Após tantas constatações, verificações de problemas e multiplicação de questões, surge aqui uma proposta factível de aplicação prática imediata: por que não transformar a internet em ferramenta e a netiqueta em conteúdo através do ensino de filosofia?
A filosofia serve exatamente para isto, formar o senso crítico, o autodidatismo, fomentar o questionamento, a interação entre as pessoas em busca de uma construção coletiva do conhecimento e um olhar para fora de si mesmo, de volta ao interior do próprio sujeito e transformador da realidade.
Pensada pela Nova LDB, no Capitulo II, Seção IV, Artigo 36, junto com a sociologia, a filosofia é definida como “[conhecimento] (...) [necessário] ao exercício da cidadania”, embora seja recomendada apenas para o ensino médio.
Quanto ao ensino fundamental, no mesmo Capitulo, Seção I, Artigo 22, quando são definidas as intenções da educação básica, é feita menção “a finalidade [de] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.
No entanto, na Seção III, que trata especificamente do ensino fundamental, a filosofia não é citada diretamente, embora seja mencionado, no Artigo 32, o “objetivo a formação básica do cidadão, mediante (...) o fortalecimento (...) dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”.
Uma definição que, sem intenção concreta, penetra no âmago do que é a filosofia e nas possibilidades abertas por seu ensino na educação básica, no nível médio e nas instituições de nível superior.
Transdisciplinar e interdisciplinar, como agregadora de todos os conhecimentos, pensando na utilização da internet como ferramenta educacional, o ensino de filosofia poderia abordar a netiqueta como conteúdo.
Repensar a ética seria agregado pelo âmago do que se entende por netiqueta, ao mesmo tempo, cumprindo as propostas colocadas no âmbito da disciplina pela LDB e os PCNs vigentes.
O professor de filosofia, pegando um termo emprestado de Victor Goldschmidt (1963, p.146-147), precisa tomar consciência de sua “responsabilidade filosófica”, criando um ambiente onde “o pensamento se experimenta e se lança, sem ainda determinar-se”, podendo “prevalecer contra a obra, para corrigi-la, prolongá-la ou coroá-la”.
É obrigação do professor de filosofia, dentro da proposta da formação da cidadania pela LDB, incentivar rupturas, questionamentos, mas também formar o educando dentro de ideais éticos.
Não se trata somente de promover o dialogo e a interdisciplinaridade, como pensam a maioria dos gestores educacionais e intelectuais.
O ensino de filosofia precisa ser formador de um ambiente propicio ao dialogo em qualquer instancia, inclusive e, dado a contextualização dos indivíduos na sociedade da informação, no ambiente virtual.
Segundo os PCNs, o ensino de filosofia deveria “desenvolver a tradução do conhecimento das Ciências Humanas em consciências críticas e criativas, capazes de gerar respostas adequadas a problemas atuais e a situações novas”.
Junto com outras disciplinas, o saber filosófico “implica o conhecimento, o uso e a produção histórica dos direitos e deveres do cidadão e o desenvolvimento da consciência cívica e social, que implica a consideração do outro em cada decisão e atitude de natureza pública ou particular”.
Assim, o ensino de filosofia tem a obrigação jurídica e moral de abordar a netiqueta como conteúdo, oferecendo uma solução imediata aos questionamentos aqui colocados, apesar de constituir uma resposta provisória. Simultaneamente, talvez promovendo maiores discussões para aprofundar mudanças na maneira de enxergar a educação no Brasil e suas possíveis interações com a internet como ferramenta educativa.
by Fábio Pestana