sábado, 31 de março de 2012

Pé na estrada




VAGALUMES: dança do acasalamento. Imagens do fotógrafo japonês Tsuneaki Hiramatsu na floresta de Okayama.

Minha vó Rosa, de 100 anos, costuma dizer que “tudo tem dois lados, um bom e um ruim, com exceção dos discos do Cauby Peixoto, que só têm lado ruim”. Para mim, qualidades e defeitos se misturam e se completam, mas não discuto com a centenária porque ela sabe das coisas e não gosta de ser contrariada.
Domingo passado, durante um almoço de família, ela retomou o argumento: “Viajar, por exemplo, é uma mistura de algumas coisas chatas com uma porção de outras coisas boas”. Ela tem razão.

Para um viajante-mochileiro, a parte ruim de uma viagem é caminhar à procura do hotel ou da estação de trem com uma tralha de roupas nas costas, um mapa numa das mãos e na outra uma sacola com livros e tênis que não couberam onde deveriam caber.

A parte ruim é quando você coloca, sem se dar conta, o mapa de ponta-cabeça e entra na rua errada, no desvio errado, no fim do mundo errado. É ruim pegar o trem na hora do rush e ir esbarrando com a mochila na cara dos nativos e ouvir aquele rosnar indignado e ameaçador.

A parte ruim é sair da estação à procura de um ônibus que não está lá e, quando está, descobrir que ele não vai para o hotel em que você fez a reserva. É ruim quando você, viajante autointitulado experiente, é obrigado a se render a um taxista desonesto e, no fim das contas e da corrida, pagar cinco vezes mais do que deveria.

Obviamente, como lembra a minha vó, também há muitas coisas boas. Talvez a melhor delas seja a “desabituação do olhar”. A viagem estimula a nossa capacidade, abafada pela rotina, de observar o mundo, com curiosidade e encanto, como fazem as crianças. Viajar é redescobrir a percepção.

Com esse olhar, pouco importa o destino ou a razão da viagem. Na verdade, para o viajante-mochileiro, caminho e destino são uma coisa só. Viajar é aceitar o improviso, os atalhos e a escuridão.

Todos os caminhos são válidos para um viajante e cada um deve descobrir o seu. O meu caminho ideal tem mais verde e menos concreto, mais fantasia e menos protocolos, mais praças e menos muros, muitas sorveterias e poucas academias de ginástica. Viajar é se surpreender.

Neste caminho ideal, quando se está com fome, há sempre perto um restaurante caseiro, sem filas e sem televisão. E nesse restaurante passado de pai para filho durante muitas gerações, você pede um prato típico e fica tipicamente boquiaberto com o sabor, com aquela dorzinha no lado da boca, a dorzinha de quem não acredita no que prova. Viajar é reinventar os sabores.

Neste caminho ideal, não há shoppings nem parlamentos, ninguém usa terno ou gravata, quase todos andam de sandálias ou descalços, não há ostentação nem celebridades porque todos sabem que posses e poses são inúteis e passageiras. Viajar é alimentar a alma, se alma existir.

Neste caminho ideal, os homens tiram os chapéus de aba larga para cumprimentar as senhoras e as senhoras aceitam o tempo como uma bênção e não como uma ameaça. Viajar é passear no tempo.

Neste caminho ideal, mulheres e homens moram em casas com um terreno espaçoso, onde se plantam árvores e se cultivam ervas sagradas. Neste caminho ideal, caminho cheio de bichos, não há gaiolas, nem correntes, nem chicotes. Viajar é entregar-se à liberdade de escolha e de consciência.

Neste caminho ideal, a vida não passa nem lenta, nem corrida, passa por passar, assim como o viajante, que pertence a todos e a nenhum lugar. Viajar, como disse minha vó certa vez, “é uma possibilidade para o infinito”.

Depois dos primeiros dias, o viajante descobre que mapas, bússolas e sacolas de roupas são inúteis. E então ele joga tudo fora, fica completamente leve e vazio, para que o mundo o preencha outra vez.

Fernando Evangelista é jornalista, diretor da Doc Dois Filmes. Mantém a colunaRevoltas Cotidianas, publicada toda terça-feira. Foto de Juliana Kroeger

HISTÓRIA É UMA ISTÓRIA e o homem o único animal que ri. Millôr Fernandes


Defesa Prévia

“A história é uma istória”, ou “A história é uma história”, como escrevem os ortodoxos, ou “A história é uma estória”, como inventaram os prémoderninhos(¹), é um pequeno apanhado de idéias razoavelmente idiotas, ou relativamente tolas, que se foram formando em mim, em volta de mim, acima de mim, e por aí afora, nestes últimos quatro ou cinco mil anos. É uma visão do mundo derivada, claro, de que o Homo, que era “faber” e passou a “sapiens”, só terá salvação quando se tornar “ludens”. O que eqüivale a dizer que o bípede implume não tem salvação. É, definitivamente, um animal inviável(²).
De qualquer forma, apesar de admitir que minha visão do cosmo é absolutamente pedratória(³), quero deixar bem claro que a culpa por tudo isso que está aí não é exclusivamente minha.
1. Os pré-moderninhos resolveram escrever estória em lugar de história para distinguir história de história, se é que me entendem. Nunca tendo ouvido falar de palavras homófonas-homógrafas (homofonógrafas) começaram a escrever história sem o agá, que não incomodava ninguém, e passaram a escrever no lugar do i um e que se pronuncia i.

2. Mas eu não sou.

3. Não confundir com predatória. O meu negócio é mesmo lapidar, atirar pedras.



by MM

15 frases marcantes do escritor Millôr Fernandes

Escritor pode ser considerado como um dos principais “frasistas” do Brasil. Confira algumas frases ditas por ele

Descrição: Millôr Fernandes
Millôr Fernandes morreu na noite de ontem, em sua casa, no Rio de Janeiro
São Paulo – Considerado um dos maiores frasistas brasileiros, o desenhista, humorista, dramaturgo, escritor e tradutor Millôr Fernandes morreu ontem, no Rio de Janeiro, por falência de múltiplos órgãos e parada cardíaca.
Um dos fundadores do jornal “O Pasquim”, no final dos anos 60, e colaborador de grandes publicações, como as revistas “O Cruzeiro”, “Jornal do Brasil” e “Veja”, Millôr escreveu peças de teatro, textos de humor e poesia. Ele também foi um dos principais tradutores brasileiros, trazendo do inglês e do francês obras de Sófocles, Shakespeare, Molière e Brecht.
Outra faceta que marcou sua personalidade e carreira foi o talento para fazer frases. Pensamentos sobre a vida, relacionamentos, sociedade, política e outros assuntos passaram pela boca do escritor e ficaram registrados ao longo do tempo. Confira a seguir algumas das frases já ditas por ele.
1 “Se durar muito tempo, a popularidade acaba tornando a pessoa impopular”
 
2 “Fiquem tranqüilos os poderosos que têm medo de nós: nenhum humorista atira pra matar”
 
3 “O aumento da canalhice é o resultado da má distribuição de renda”
 
4A verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades”
 
5 “Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem”
 
6 “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”
 
7 “O cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas a matéria prima”
 
8 “Chato...Indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós temos nele”
 
9 “O cara só é sinceramente ateu quando está muito bem de saúde”
 
10 “De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência”
 
11 “Os nossos amigos poderão não saber muitas coisas, mas sabem sempre o que fariam no nosso lugar”
 
12 “Se todos os homens recebessem exatamente o que merecem, ia sobrar muito dinheiro no mundo”
 
13 “Há duas coisas que ninguém perdoa: nossas vitórias e nossos fracassos”
 
14 “O mal de se tratar um inferior como igual é que ele logo se julga superior”
 
15 “O homem é o único animal que ri. E é rindo que ele mostra o animal que é”
 

Textos que me fazem voltar aos 19 anos....eu tive e tenho mesmo muita sorte. E tive excelentes professores. by Deise

Fábula de Millôr Fernandes

O Abridor de Latas
um conto escrito inteiramente em câmara lenta
de Millôr Fernandes

Quando esta história se inicia já se passaram quinhentos anos, tal a lentidão com que ela é narrada. Estão sentadas à beira de uma estrada três tartarugas jovens, com 800 anos cada uma, uma tartaruga velha com 1200 anos, e uma tartaruga bem pequenininha ainda, com apenas 85 anos. As cinco tartarugas estão sentadas, dizia eu. E dizia-o muito bem, pois elas estão sentadas mesmo. Vinte e oito anos depois do começo desta história a tartaruga mais velha abriu a boca e disse:
-Que tal se fizéssemos alguma coisa para quebrar a monotonia desta vida?
-Formidável - disse a tartaruguinha mais nova 12 anos depois - Vamos fazer um piquenique?
Vinte e cinco anos depois as tartarugas se decidiram a realizar o piquenique. Quarenta anos depois, tendo comprado algumas dezenas de latas de sardinhas e várias dúzias de refrigerantes, elas partiram. Oitenta anos depois chegaram a um lugar mais ou menos aconselhável para um piquenique.
-Ah - disse a tartaruguinha, 8 anos depois - excelente local este!
Sete anos depois todas as tartarugas tinham concordado. Quinze anos se passaram e, rapidamente, elas tinham arrumado tudo para o convescote. Mas, súbito, três anos depois, elas perceberam que faltava o abridor de latas para as sardinhas.
Discutiram e, ao fim de vinte anos, chegaram à conclusão de que a tartaruga menor devia ir buscar o abridor de latas.
-Está bem - concordou a tartaruguinha três anos depois - mas só vou se vocês prometerem que não tocam em nada enquanto eu não voltar.
Dois anos depois as tartarugas concordaram imediatamente que não tocariam em nada, nem no pão nem nos doces. E a tartaruguinha partiu.
Passaram-se cinquenta anos e a tartaruguinha não apareceu. As outras continuavam esperando. Mais 17 anos e nada. Mais oito anos e nada ainda. Afinal uma das tartarugas murmurou:
-Ela está demorando muito. Vamos comer alguma coisa enquanto ela não vem?
As outras não concordaram, rapidamente, dois anos depois. E esperaram mais 17 anos. Aí outra tartaruga disse:
-Já estou com muita fome. Vamos comer só um pedacinho de doce que ela nem notará.
As outras tartarugas hesitaram um pouco mas, 15 anos depois, acharam que deviam esperar pela outra. E se passou mais um século nessa espera. Afinal a tartaruga mais velha não pôde mesmo e disse:
-Ora, vamos comer mesmo só uns docinhos enquanto ela não vem.
Como um raio as tartarugas caíram sobre os doces seis meses depois. E justamente quando iam morder o doce ouviram um barulho no mato por detrás delas e a tartaruguinha mais jovem apareceu:
-Ah - murmurou ela - eu sabia, eu sabia que vocês não cumpririam o prometido e por isso fiquei escondida atrás da árvore. Agora eu não vou mais buscar o abridor, pronto!

FIM (trinta anos depois)
Pense bem! Algumas vezes em nossa vidas as coisas acontecem da mesma forma. Desperdiçamos nosso tempo esperando que as pessoas vivam à altura de nossas expectativas. Ficamos tão preocupados com o que os outros estão fazendo que deixamos de fazer o que nos compete.
“Não venci todas as vezes que lutei, mas perdi todas as vezes que deixei de lutar!”


O livrro de Millor Fernandes, que continha textos maravilhososo como este, foi o adotado em Portugues (interpretação de texto) durante meu básicona faculdade. Eu amava ir ás aulas. Um pouco de cultura neste que é último sabado de março de 2012. by Deise

A morte da tartaruga
O menininho foi ao quintal e voltou chorando: a tartaruga tinha morrido. A mãe foi ao quintal com ele, mexeu na tartaruga com um pau (tinha nojo daquele bicho) e constatou que a tartaruga tinha morrido mesmo. Diante da confirmação da mãe, o garoto pôs-se a chorar ainda com mais força. A mãe a princípio ficou penalizada, mas logo começou a ficar aborrecida com o choro do menino. "Cuidado, senão você acorda o seu pai". Mas o menino não se conformava. Pegou a tartaruga no colo e pôs-se a acariciar-lhe o casco duro. A mãe disse que comprava outra, mas ele respondeu que não queria, queria aquela, viva! A mãe lhe prometeu um carrinho, um velocípede, lhe prometeu uma surra, mas o pobre menino parecia estar mesmo profundamente abalado com a morte do seu animalzinho de estimação.
Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro, e veio, estremunhado, ver de que se tratava. O menino mostrou-lhe a tartaruga morta. A mãe disse - "Está aí assim há meia hora, chorando que nem maluco. Não sei mais o que fazer. Já lhe prometi tudo mas ele continua berrando desse jeito". O pai examinou a situação e propôs: - "Olha, Henriquinho. Se a tartaruga está morta, não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí e vem cá com o papai". O garoto depôs cuidadosamente a tartaruga junto do tanque e seguiu o pai, pela mão. O pai sentou-se na poltrona, botou garoto no colo e disse: - "Eu sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava muito dela. Mas nós vamos fazer para ela um grande funeral". (Empregou de propósito a palavra difícil). O menino parou imediatamente de chorar. "que é funeral?" O pai lhe explicou que era um enterro. "Olha, nós vamos à rua, compramos uma caixa bem bonita, bastante balas, bombons, doces e voltamos para casa. Depois botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha e rodeamos de velinhas de aniversário. Aí convidamos os meninos da vizinhança, acendemos as velinhas, cantamos o "Happy Birth-Day-To-You"pra tartaruguinha morta e você assopra as velas. Depois pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal, enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia em que ela morreu. Isso é que é funeral! Vamos fazer isso?" O garotinho estava com outra cara. "Vamos papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no céu, não vai? Olha, eu vou apanhar ela". Saiu correndo. Enquanto o pai se vestia, ouviu um grito no quintal. "Papai, papai, vem cá, ela está viva!" O pai correu pro quintal e constatou que era verdade. A tartaruga estava andando de novo, normalmente. "Que bom, hein?" - disse - "Ela está viva! Não vamos ter que fazer o funeral!" "Vamos sim papai" disse o menino ansioso, pegando uma pedra bem grande - "Eu mato ela".
Millôr Fernandes.
MORAL: "O importante não é a morte, é o que ela nos tira."

E não era um sábio????? by Deise

Desculpe a meninada, mas fomos nós, da nossa geração, que conquistamos a permissividade. Claro, vocês não têm a menor idéia de como isso era antes. O que se fez, depois de nós, foi apenas atingir a promiscuidade, o ninguém é de ninguém, o não privilegiamento de nenhuma pessoa como ser humano especial (amor). Mas, quando qualquer um vai pra cama com qualquer um, sem nenhum interesse anterior ou posterior (no sentido cronológico!), uma coisa é certa reconquistamos apenas a animalidade. Cachorro faz igualzinho. E não procura psicanalista.

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