sábado, 12 de janeiro de 2013

"Ondas engolem casas, e peixes aparecem mortos, enquanto pescadores passam fome. A usina de Santo Antônio mudou o rio e a vida em Rondônia"


UM RIO EM FÚRIA





Dois dias antes do início dos testes na primeira turbina da hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, o telefone tocou na casa da pescadora Maria Iêsa Reis Lima. “Vai começar”, avisou o amigo que trabalhava na construção da usina. Iêsa sentou na varanda e se pôs a observar as águas, esperando o que sabia ser uma mudança sem volta. “O rio Madeira tem um jeito perigoso, exige respeito. Os engenheiros dizem que têm toda a tecnologia, mas nada controla a reação desse rio.”
Semanas depois, no início de 2012, as águas que banham a capital Porto Velho começaram a ficar agitadas. As ondas cresciam a cada dia, cavando a margem e arrancando árvores. O deque do porto municipal se rompeu. O rio alcançou as casas, até que a primeira delas ruiu junto com o barranco para dentro das águas.
O prognóstico de Iêsa estava certo. O que ela não podia imaginar era a rapidez com que a resposta do rio à abertura das comportas alteraria o curso da sua vida, do seu bairro e da história de Porto Velho. As ondas atacaram o bairro Triângulo, primeiro a se formar na capital. O bairro leva esse nome por ser o local onde o trem da estrada de ferro Madeira-Mamoré fazia a curva para desabastecer. A casa de Iêsa ficava entre a margem do Madeira e os trilhos abandonados. Cerca de sete quilômetros abaixo da usina.
O rio engoliu ainda o marco Rondon, obelisco histórico mais antigo que o próprio estado. Construído em 1911 pela equipe do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, sertanista que rasgou a floresta para ligar a primeira linha telegráfica a conectar a Amazônia. Quando as ondas alcançaram o marco, alertas circularam em abundância por todos os meios de comunicação a que o mundo têm acesso. Mas a empresa Santo Antônio Energia, responsável pela usina, negava relação com o problema. Em duas semanas, as águas cavaram a base do obelisco e o arrastaram para o fundo do rio. Depois que ficou comprovada a responsabilidade da usina, a empresa tentou resgatar o obelisco, mas apenas dois blocos foram recuperados.
Banzeiro foi a palavra adotada pelos rondonienses para se referir ao fenômeno. Segundo o dicionário Houaiss: “série de ondas provocadas pela passagem da pororoca ou embarcação, e que vai quebrar violentamente na praia ou nas margens do rio”. Ou ainda: “cambaleante, pouco firme”, “que se sente banzo, melancólico, triste”.
Na sala do apartamento alugado pela usina, sentada numa cadeira de varanda entre caixas de mudança, Iêsa vive as diversas definições da palavra. “Minha história se perdeu, foi tudo pra baixo da água”, diz.  Filha de soldado da borracha, ela aprendeu a pescar com o pai e os irmãos e era disso que vivia até o início do ano. Sente falta dos peixes frescos e da comida que colhia no quintal: mandioca, feijão, açaí, carambola e manga.
Por enquanto, quem ainda aproveita a sombra de suas árvores é o vizinho Francisco Batista Souza. Ele morava na beira do rio, no bairro Triângulo, e também mudou para apartamento. Mas passa o dia no quintal de Iêsa, construindo pequenos barcos. O terreno onde ele trabalhava foi levado pelas águas. Souza se agarra às fotos do antigo estaleiro e briga na justiça para que a usina lhe indenize pelo local de trabalho. “Tenho 59 anos, faço barco desde os 15, o que vou fazer da vida agora?”, questiona.
Com o valor da indenização (entre R$ 90 mil e R$ 150 mil), as 120 famílias provisoriamente instaladas em hotéis e apartamentos não poderão voltar para os terrenos à beira do rio, que são áreas muito valorizadas em Porto Velho. E nem poderão voltar ao bairro Triângulo, que vai ser todo removido para a construção de um complexo turístico e paisagístico na beira do rio.
Os moradores mais antigos se recusam a sair. Como José Oliveira, que trabalhou na estrada de ferro desde 1950, quando tinha 16 anos, até sua desativação em 1972. “Era guarda fio, cortava o mato quando enrolava na linha. Andava sozinho pela estrada, pedalando num velocípede que encaixava no trilho. Levei até flechada de índio”, lembra. Quando chegou a Porto Velho, a vida da cidade girava em torno do trem. Depois que desativaram a linha férrea, os dormentes foram usados para reforçar a base de sua casa. “Estou satisfeito aqui perto do trilho e do rio. Ninguém vai me jogar pra dentro da cidade como foi com essas famílias que saíram correndo, chorando, como se não valessem nada”.
É difícil entender o impacto da mudança para quem cresceu na beira do rio. Iêsa se preocupa com o neto de 12 anos, que já passou mais de mês fechado no quarto do apartamento. Quando perguntei o que mudou desde que a família teve de deixar a casa, o menino fez um longo silêncio e disse: “Mexe com o cérebro”.
As famílias não esquecem a noite em que, enquanto as ondas quebravam, a Santo Antônio Energia, empresa que comanda a usina, negava responsabilidades sobre os banzeiros na TV. Iêsa dormia com a mala pronta ao lado da porta de casa. “À noite as ondas ficavam mais fortes”, lembra. “A gente ouvia um barulho alto que vinha da usina.”
Por duas semanas, ninguém sabia o que fazer. As famílias não recebiam orientação das instâncias responsáveis por controlar as ações de impacto social e ambiental da obra: prefeitura, governo do estado e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Foi preciso a intervenção do Ministério Público do estado, que chamou a empresa a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, onde se fixaram o auxílio às famílias e a contenção das margens.

ALERTAS IGNORADOS

Isso aconteceu porque o fenômeno não estava previsto pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da obra – elaborado por Furnas e Odebrecht, empresas responsáveis por Santo Antônio, e certificado pelo Ibama antes do licenciamento. É esse estudo que aponta os danos possivelmente gerados pela construção e as ações para conter o prejuízo.
“Foi uma falha”, admite Thomaz Miazaki de Toledo, coordenador de Infra-Estrutura de Energia Elétrica no Ibama. “Se esses impactos tivessem sido previstos, as medidas preventivas teriam sido adotadas. Mas a gente não tem bola de cristal”, completa. A Santo Antônio Energia não atendeu aos pedidos de entrevista da reportagem, que se estenderam por mais de um mês.
Pelo menos dois especialistas pagos por Santo Antônio apontaram a alta probabilidade de erosão. Esses alertas estão em laudos complementares ao Estudo de Impacto Ambiental. “Foram análises aprofundadas, feitas por exigência do Ministério Público de Rondônia, mas depois foram esquecidas durante o licenciamento”, diz Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra.
A erosão é apontada nesses estudos pelo biólogo José Galizia Tundisi, professor aposentado da Universidade de São Paulo e consultor na área ambiental. Ele escreve que o fenômeno poderia acontecer em diversos pontos do curso do Madeira, devido ao desequilíbrio na movimentação de sedimentos.
Para entender esse processo, é preciso saber que o Madeira é um dos três rios com maior concentração de sedimentos do mundo. Perde só para os que nascem no Himalaia. Ele leva esse nome porque, depois de descer a Cordilheira dos Andes, suas águas arrancam as árvores e margens de alguns trechos. Todo dia, essas madeiras e mais de 500 mil toneladas de sedimentos deslizam na frente de Porto Velho.
O modo como esse material vai se acomodando ao longo do rio é o que dá equilíbrio ao curso. Há trechos onde naturalmente ocorre erosão, e as margens caem. Em outros, há sedimentação, e aparecem formações como bancos de areia. O trecho de Porto Velho era uma área de sedimentação. Mas Tundisi já alertava no estudo divulgado em 2007:  quando construídas as usinas, as reservas passariam a reter os sedimentos, e essa mudança de equilíbrio poderia criar novas zonas de erosão, em especial no trecho abaixo da usina.
Essa é uma das teses para explicar o problema com que trabalha o Ministério Público do Estado de Rondônia (MPE-RO). Ao Ibama, a empresa atribui o fenômeno à fase específica da obra. Como as turbinas não estão todas em funcionamento (serão 44, há 6 em operação), a água sai com mais velocidade, gerando ondas.
“Acatamos a explicação, mas entendemos que não é só isso, temos técnicos trabalhando para fazer um laudo independente”, afirma Aluildo de Oliveira Leite, do MPE-RO. A explicação da usina ajuda a entender a violência das ondas em Porto Velho. Mas o Ministério Público já registrou a ocorrência do fenômeno em ao menos mais duas comunidades, que ficam a 150 e 200 quilômetros abaixo da capital.
Um precedente preocupante é o caso da usina hidrelétrica de Aswam, no Egito. Embora menos caudaloso que o Madeira, o rio Nilo também é rico em sedimentos. A concentração de nutrientes em suas águas abastecia o Delta do Nilo, célebre pela fartura em meio ao deserto. Com a represa, concluída em 1970, erosões engoliram vilas inteiras rio abaixo e alteraram a morfologia do Delta, onde hoje a lavoura depende de fertilizantes.
Só com um diagnóstico completo será possível fixar ações de prevenção no rio Madeira. O que também depende da boa-fé da empresa. Depois dos acidentes no bairro Triângulo, a Santo Antônio foi obrigada a construir um paredão de sete quilômetros de pedras para conter as ondas. “Agora estão começando a desbarrancar outros trechos logo depois dessa faixa. E a empresa não reconhece, diz que não há nexo causal”, afirma a procuradora Renata Ribeiro Baptista, que acompanha o caso pelo Ministério Público Federal.

“ÁGUA PRETA COMO CAFÉ”

Enquanto as ondas revoltam o curso do Madeira abaixo da usina, quem mora acima da barragem teve a vida transformada por outro desequilíbrio: a morte dos peixes.
Já era previsto que a quantidade de peixes diminuísse. Mas é ponto pacífico entre os pescadores que a quantidade caiu drasticamente. Nos pontos mais próximos da usina, os relatos são de que só é possível pegar quantidade suficiente para comer, não mais para vender.
Prevendo os problemas que surgiriam com o fechamento da barragem, um grupo de 30 pescadores de Jaci Paraná, vila a 90 quilômetros de Porto Velho, se organizou e montou um projeto para criação de tambaquis, antes mesmo que a escassez se consumasse. Fizeram tudo direito: ganharam edital da Petrobras e montaram uma estrutura com 26 tanques dentro do lago Madalena, que fica no rio Jaci Paraná, onde passaram a criar mais de 35 mil peixes.
Depois de dois anos, quando os tambaquis estavam quase prontos para a venda, a usina Santo Antônio começou a alagar as margens do rio para a criação da reserva. Em outubro de 2011, os pescadores acompanharam a subida do nível do lago com preocupação, dobrando o monitoramento da criação. Em dezembro, José dos Santos, pescador e coordenador de campo do projeto, recebeu uma ligação do pescador que estava no plantão: alguns peixes estavam morrendo. “Corri pra cá e vi que a água estava diferente, preta que nem café”, lembra. “Não deu tempo de nada, na mesma noite ele ligou que estava tudo morto, boiando. Foi um desespero”.
O grupo procurou a Santo Antônio Energia, empresa responsável pela usina. “E eles não disseram que os peixes morreram de fome?”, diz José, com um sorriso nervoso. “Nós lutando há cinco anos, cheios de ração guardada, ia deixar os bichos com fome?”
Na frente da sede do projeto, José aponta as centenas de árvores secas dentro do lago. Elas eram parte da vegetação de várzea, que sobrevive dentro da água alguns meses por ano, na cheia, mas não resistiu ao alagamento definitivo. Na volta para Jaci, cruzamos ainda com centenas de toras de madeira abandonadas na beira do rio, todas com o selo da Fox – empresa que faz o desmatamento para as usinas. Segundo os pescadores, grande parte da vegetação derrubada pela usina não foi retirada do local em tempo do alagamento e ficou dentro da água. Eles desconfiam que essa seja a causa da morte dos peixes: a decomposição da vegetação alagada.
A hipótese faz sentido para o biólogo Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “Nos relatórios ambientais, as usinas indicam a vegetação de várzea como parte do leito do rio. Mas, se você enche essas áreas e deixa alagado o ano todo, as árvores vão se decompor, as folhas vão apodrecer e liberar CO²”, afirma.
O mesmo erro teria sido cometido no cálculo da área total a ser alagada para fazer os reservatórios de Santo Antônio e Jirau, a outra usina hidrelétrica que está sendo construída na região, rio acima. Para as usinas, seriam 230 km² de terras alagadas. Segundo Fearnside, a extensão real do alagamento, incluindo-se a floresta de várzea, pode ser o dobro disso: 529 km².
Auxiliados pela ONG Instituto Madeira Vivo, que ajudou a coordenar o projeto de piscicultura, o grupo colheu amostras da água e dos peixes mortos e enviou para análise da Universidade Federal de Rondônia. Segundo Iremar Antônio Ferreira, diretor do Instituto, a análise apontou ausência de oxigênio na água. “Entramos na justiça”, diz. “Queremos negociar com a empresa, retomar logo o projeto. Mas a Santo Antônio Energia diz que não tem acordo.”
Enquanto o processo corre, José ficou sem renda. A solução foi virar segurança na usina de Jirau.
A falta de controle da qualidade da água pela usina Santo Antônio já havia sido detectada no final de 2008, quando o cheiro de peixe morto chegou à capital. O Ibama estimou 11 toneladas, mas membros da equipe de fiscalização desconfiam que havia mais. As mortes aconteciam em trecho próximo à obra havia cinco dias e, quando os fiscais chegaram, funcionários da usina já estavam enterrando os peixes.
A usina foi multada em R$ 7,7 milhões. O relatório do Ibama aponta que a empresa agiu com negligência e imprudência, porque não monitorava a qualidade da água todos os dias e não havia equipe qualificada no local. A empresa foi repreendida por não ter avisado sobre o acidente, não ter feito a perícia da causa da morte dos peixes e por ter usado baldes inadequados para transportar os peixes ainda vivos, que chegaram mortos ao local de soltura.

TIRAR A VARA E O PEIXE

Considerando o melhor cenário, no qual as usinas seguiriam com rigor as normas de controle ambiental, a estimativa era que os peixes do rio Madeira diminuíssem em até 50% nos primeiros anos. Mas os pescadores garantem que hoje é quase impossível achar as espécies maiores e mais valiosas – como a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), bagre que foi objeto de piada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2007, Lula teria ironizado o fato de “um bagre” impedir a liberação para construção de uma usina. A dourada, o bagre mais comum na região, é um peixe que pode chegar a 1,8 metro de comprimento e que viaja 5 mil quilômetros da Ilha de Marajó até o pé da cordilheira dos Andes para reproduzir. Na época da piracema, era possível vê-las, às centenas, pulando para subir as cachoeiras que hoje foram alagadas.
O desaparecimento do bagre desestruturou a vida de milhares de pescadores que dependiam da pesca como fonte de renda. Segundo levantamento feito pela Universidade Federal de Rondônia, em estudo pago pelas usinas, ao longo de um mês em 2004, 219 pescadores pegaram 40 toneladas de dourada em localidades próximas à usina. Incluindo todas as espécies pescadas naquele mês, o levantamento soma quase 460 toneladas pescadas. O estudo ainda não repetiu o levantamento para verificar como esses números diminuíram. O mesmo grupo descobriu que o Madeira é o rio mais diverso de todo o mundo, com 957 espécies de peixes.



A principal ação da empresa para amenizar o impacto sobre o ciclo reprodutivo dos peixes foi construir dois canais por onde eles, teoricamente, podem passar. Mas é difícil reproduzir as condições exatas de uma cachoeira.  “Os grandes bagres não estão encontrando a entrada da passagem, não foram observados subindo o canal”, afirma Fearnside, que acompanhou a construção do canal e verificou seu funcionamento este ano. “No caso de Santo Antônio, os funcionários estavam pegando o bagre com rede e soltando dentro do canal para eles subirem.”
O pescador Mário Ferreira dos Santos nunca mais viu uma dourada. Com a chegada da usina, ele perdeu a fonte de sustento e o local onde morava. A casa de Mário foi uma das alagadas pela represa. Ficava a 60 metros da cachoeira Teotônio, onde se ouvem histórias de um passado abundante. “A gente fica meio assim de falar porque o povo não acredita”, diz Mário. “Lá tinha pesca de pé firme: era só ficar na beira da pedra, jogar a rede e puxar. Se o sujeito saia de barco na boca da noite, voltava com 600 quilos de manhã.”
Hoje, ele vive de uma bolsa dada pela Santo Antônio Energia, assim como toda a comunidade de pescadores: 45 famílias foram removidas do local para um assentamento construído pela usina. Eles conseguiram a ajuda de custos depois de fazer um protesto na frente da usina. “Na reunião antes do alagamento, eles só falavam coisa boa”, lembra Marcelo Gonçalves da Silva, 32 anos, uma das lideranças da comunidade. “A gente podia escolher entre pegar uma casa, ou dinheiro. O povo perguntou se iam poder pescar, eles disseram que sim. Só faltou avisar que não ia ter peixe.”
No primeiro ano depois da mudança, sem acesso à sua fonte de renda, Marcelo conta que as famílias entraram em desespero. “Fiquemos sem chão”, lembra. “Tinha família com fome, casa com luz cortada porque não pagou a conta.”
Ela procurou o Movimento dos Atingidos por Barragens, que ajudou a marcar reuniões com a empresa. Assim, a comunidade conseguiu a ajuda de custos mensal e a promessa de que a usina vai investir em um projeto de piscicultura. Uma das orientações da empresa é que o grupo crie os peixes em um tanque escavado na terra, fora do rio. “É pra não colocar os peixes em risco, por causa da qualidade da água”, explica Marcelo.
Ironicamente, uma das pendências a serem resolvidas antes do projeto é o abastecimento de energia elétrica da comunidade. Para manter um tanque fora do rio, eles precisam bombear oxigênio para dentro da água – e, para isso, de energia. Mas, na comunidade construída pela usina Santo Antônio, falta energia quase toda semana. Enquanto a reportagem estava lá, por exemplo, a luz acabou. “Ih, pode esperar sentado, que aqui fica um ou dois dias pra voltar”, disse Marcelo. “Agora imagina se tem condição, depois de tudo que passamos, construir um tanque pra criar peixe, e eles morrerem sem ar por falta de energia?”

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Que tal imitarmos o Paraguai??? Já passamos do tempo de um impeachment, mas principalmente de DEVOLVER o Golpe que nos foi dado. A exemplo da Venezulela, que conseguiu nos imitar, ainda de uma maneira mais aberrativa. Ambos os governos, do Brasil e Venenzuela, se superaram ao distorcer a CONSTITUIÇÃO, de forma a obter de forma abusrdamente PARANOICA, embasamento para a continuação de seus desmandos e crimes contar a Nação. Não tenho como expressão minha indignação e meu desprezo. Não posso afirmar se resultado final seria melhor ou pior. Mas seria diferente, e eu nao enloqueceria com esta sensação de I M P O T E N C I A. by Deise


A DESTITUIÇÃO DE LUGO, VISTA DO PALÁCIO





A ordem do dia era condenar o presidente paraguaio; Lugo tinha informações de um plano para causar um derramamento de sangue na praça
A notícia do juízo político – a versão paraguaia do impeachment – foi oficializada naquela noite e timidamente alguns grupos começaram a chegar à Plaza Independencia, no centro de Assunção, que fica diante do Congresso. Aos poucos a aglomeração, foi tomando corpo; na manhã seguinte, antes do meio-dia, quando a defesa teria início, já reunia dez mil pessoas.Há exatos cinco meses, no dia 22 de junho de 2012,  tinha início, formalmente, o processo de impeachment contra Fernando Lugo, presidente eleito 4 anos antes no Paraguai. A Câmara dos Deputados fez a acusação formal, declarando que o ex-bispo estava desempenhando mal as suas funções. O libelo acusatório, no entanto, não continha nenhuma prova concreta, limitando-se a afirmar que as causas mencionadas “são de pública notoriedade, motivo pelo qual não necessitam ser provadas” (clique aqui para saber mais). Eram 18 horas do dia 21 de junho. A defesa teria 17 horas para elaborar seus argumentos e duas horas para defendê-los diante do Senado, que serviria como juiz no dia seguinte.
“Nós nos auto-convocamamos”, lembra Katia Maria Gorostiaga Guggiari , uma jovem baixinha, de cabelos longos como a tradição política de sua família. Sobrinha-neta de um dos últimos presidentes liberais a governar o Paraguai, José Patricio Guggiari Corniglioni (1928-1932), Katia, contrariando boa parte da tradicionalíssima família – com quem rompeu relações – foi para a praça munida dos conselhos de um primo que havia vivido sob a ditadura de Stroessner. “O mais importante”, lembra ela, “era ficar longe da entrada do Congresso quando anunciassem o resultado do juízo político, porque a polícia iria reprimir imediatamente”.
O que levou Katia à praça não foi apreço pelo ex-presidente Lugo, por quem ela mantém indisfarçada antipatia. “Eu estava absolutamente ofendida com o que estava acontecendo. Passamos 17 anos de transição. Finalmente havíamos entrado na democracia e eles romperam com tudo em 24 horas”, diz ela. “Isso dói”.
Cinco meses depois, ela ainda guarda viva na lembrança o clima de tristeza daqueles dias. “Gente que não te conhecia vinha te abraçar e dizia ‘tranquilo, não está tudo feito ainda…’”, diz ela, que passou boa parte do tempo enviando torpedos para senadores do partido liberal: ‘meu tio-avô está se revirando na tumba’. Os liberais, segunda maior força política do país, haviam fechado um acordo com seus inimigos de longa data, o conservador partido colorado, para levar adiante a destituição do primeiro presidente de centro-esquerda a chegar ao poder no país. “Depois disso foram muitas horas… Foram muito poucas horas, mas parece que foi uma eternidade”.
Dentro do prédio do Congresso, a Ordem do Dia circulava desde o amanhecer daquela sexta-feira, detalhando os procedimentos do juízo político– e demonstrando que se tratava de um acordo mais que fechado.
O procedimento – veja aqui uma cópia do documento – explicava que às 12 horas haveria uma sessão para escutar a defesa do presidente. Às 14:30 se constituiria um tribunal para decidir a admissão das provas oferecidas pelos dois lados. Às 15:30 haveria uma sessão extraordinária para formular alegações, e às 16:30, a sessão que ditaria a sentença.
A Ordem do Dia descrevia até como seria o encerramento da última sessão: “Uma vez comprovados os votos requeridos se procederá a declarar o acusado culpável afastando-o do pleno direito de seu cargo”.
Nas 17 horas que teve para tentar refrear o juízo político, a equipe de defesa de Lugo impetrou um recurso de pedido de inconstitucionalidade na Corte Suprema de Justiça às 8:24 horas do dia 22 de junho, alegando que o direito de defesa não havia sido respeitado. A resposta chegou na segunda-feira seguinte, quando Federico Franco já comandava o país.
“Como se trata de um procedimento que tecnicamente não é jurisdicional, as garantias próprias do processo judicial, embora possam ser aplicáveis, não o são de maneira absoluta, mas parcial, com o objetivo de garantir o devido processo e o direito de defesa do acusado”, deliberou  a Suprema Corte. E termina por  indeferir, sem mais trâmites, o recurso de inconstitucionlidade.  Veja aqui o documento.
Outro recurso, pedindo a anulação do impeachment, no qual foi anexada a Ordem do Dia que determinava a condenação do réu, também foi negado meses depois. O principal argumento da Corte Suprema é que o impeachment, por se tratar de um procedimento político, não tem a obrigação de seguir as normas de um julgamento comum – como o direito à ampla defesa.

Clique para ler a íntegra do recurso e a decisão da Corte.
Clique para ver a sessão de atas do Congresso. 
Clique para ler o documento de condenação a Lugo.

LUGO, NO PALÁCIO; O VOTO NO CONGRESSO; O POVO NA PRAÇA

A manhã começou com uma frenética movimentação na residência presidencial, onde Fernando Lugo viveria por mais algumas horas. Desde às 4 da manhã já se reuniam ministros, secretários e amigos próximos do ex-bispo. Decidiu-se que ele deveria ir ao Congresso para enfrentar as acusações. Depois voltaram atrás. No final, a comitiva seguiu para o Palácio do Governo, onde esperariam pelo resultado da missão de chanceleres dos países da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que chegara ao país na noite anterior, vindos da conferência Rio + 20, depois de ligações pessoais de Lugo para Dilma Rousseff e José Mujica, presidente do Uruguai, pedindo ajuda.
Do interior chegavam, ainda, algumas lideranças camponesas que vinham dar seu apoio a Lugo. “Aí não tinha mais nada de trabalho institucional. Estávamos ajudando a arrumar as coisas para receber esses líderes que vinham do interior”, lembra José Tomás Sanchez, ex-ministro da Função Pública. A vinda dos líderes sociais, embora a conta-gotas, assustava o Congresso e foi tema do acalorado debate, na noite anterior, apresentado pelo canal Telefuturo, entre o advogado de defesa de Lugo, Antonio Ferreiro, e o deputado colorado Oscar Tuma, principal advogado de acusação.
No programa ao vivo, o apresentador perguntou a Tuma se o rápido julgamento se devia ao temor que houvesse manifestantes na rua, o que poderia gerar uma reação violenta – “o que todos nós tememos”. O deputado respondeu que sim. “Temos informações de que há mobilizações pagas, funcionários públicos que foram se manifestar em frente ao Congresso com o único objetivo de desestabilizar esse processo”.
Os rumores circulavam também nas conversas que tomaram a manhã entre os representantes da Unasul e os principais líderes políticos do impeachement. Em reunião com os dirigentes do partido Colorado, os chanceleres ouviram que o governo, “inviável”, tinha que acabar. “E que isso havia que ser feito rápido porque supostamente Lugo havia chamado elementos subversivos e violentos”, segundo relato do minstro do exterior argentino, Hector Timerman, ao jornal Página 12.
As informações de inteligência que chegavam ao palácio do Governo diziam exatamente o oposto: havia um plano para provocar um choque violento na praça da Independência, que aos poucos enchia-se de pessoas. A ameaça remetia ao chamado “Março Paraguaio” em 1999, quando sete manifestantes foram assassinados por franco atiradores quando protestavam contra o governo de Raul Cubas, naquela mesma praça.
“Havia gente infiltrada no meio dos manifestantes, para provocar um banho de sangue”, diz um militar que fazia parte da escolta pessoal de Lugo. Em uma das três entrevistas concedidas à Pública, o presidente deposto confirma: “Nós tínhamos essa informação de inteligência, incusive da polícia, de que queriam repetir o cenário do Março paraguaio de 99, e o mesmo cenário de Curuguaty. Assim o último responsável seria o Executivo, dando consistência ao argumento da destituição”.
Algumas rádios populares haviam montado equipamento de som no meio da multidão com faixas de protesto e cartazes com os números dos celulares dos senadores e deputados – a ordem era mandar mensagens, com nome e sobrenome, pedindo que “votem consciente e respeitem a democracia”. As rádios transmitiam, alternadamente, a música-símbolo do nacionalismo paraguaio, a polca “Pátria Querida” e o julgamento no Congresso. “A praça estava cercada por baias de metal” lembra Katia Maria. “Quando cheguei, policiais que estavam em volta da praça revistaram a minha mochila. Estava tudo controlado”. Pendia fresca, sobre os manifestantes da praça, a dolorosa lembrança do Março Paraguaio.
À mesma hora os chanceleres se reuniam com as lideranças do partido liberal. Segundo Timerman, sua principal preocupação era com a falta de tempo hábil para a defesa. Ouviram em resposta que deveriam ir embora do país. “Senhor, são 11 horas da manhã. Às 12 começa o juízo político. Há algo que vocês podem me dizer para ajudá-los a que essa situação não se agrave?”, perguntou Timerman. “Não”, ouviu em resposta. “A Constituição estabelece formas de fazer o juízo político, e não prazos”.
“Foram mal tratados”, resume uma fonte do Itamaraty. “Afinal, era uma missão de ministros do exterior, que foram até o Paraguai… E eles (os congressistas) falando que estavam fazendo tudo de acordo com a lei, que não precisavam provar nada…?”
Não apenas isso: naquela mesma manhã, Franco tomara a iniciativa de ligar para o embaixador brasileiro, na embaixada de Assunção, para conversar sobre o juízo político “em tom confiante”, segundo uma fonte do Itamaraty.
A ligação foi interpretada pelos governos vizinhos como prova da condenação antecipada a Lugo. “Franco chamou o embaixador do Brasil em Assunção para lhe dizer que nessa mesma tarde iria assumir como presidente. No Parlamento, ainda não havia se consubstanciado a acusação no Senado”, contaria mais tarde o presidente Uruguaio José Mujica a respeito do telefonema.
Depois da fria recepção dos líderes de ambos os partidos, Timerman e o ministro brasileiro Antônio Patriota se reuniram, finalmente, com Federico Franco. Como nas outras conversas, os chanceleres alertaram que o Paraguai ficaria isolado se o impeachment fosse levado a cargo, sendo suspenso de organismos regionais como Unasul e Mercosul. O argentino perguntou se Franco considerava justo o procedimento. “No Paraguai um vice-presidente tem três tarefas: presenciar a reunião de gabinete, atuar como nexo com o Congresso e assumir em caso de doença, morte e destituição do presidente. Vou cumprir com a Constituição paraguaia”, respondeu o vice.
“Duas horas para preparar um juízo político te parece tempo suficiente?” retrucou o argentino. “Somente Deus sabe o tempo que lhe dei”, retrucou.
A conversa com Franco também se encerrou sob a sombra de uma ameaça iminente de violência. Timerman prossegue: “Perguntei se caso convencêssemos Lugo a pedir licença, eles lhe dariam seis meses para preparar a defesa. Foi aí que ele disse uma frase que já havíamos escutado de outros digirentes: ‘Este governo é inviável. Aqui, a violência começa amanhã’”.

A ÚLTIMA REUNIÃO

De volta ao palácio, no início da tarde, o entra-e-sai era constante e o clima, de incredulidade. No dia anterior, Fernando Lugo já havia comunicado à nação que se submeteria ao impeachment. Domingos Laino, histórico membro do partido liberal, lembra que tentou arquitetar uma reação mais forte ao que chama de golpe armado pelo seu próprio partido. “Não aceite o que estão fazendo. Isso é inconstitucional! Que eles te arrastem para fora do palácio”, lembra de ter dito. “Eu não sou Allende”, respondeu o presidente.
Muitos defendiam a resistência, incusive alguns setores do exército paraguaio. Pouco antes das duas da tarde, Lugo, ainda presidente, convocou os chefes militares. Reuniram-se brevemente, o comandante do Exército, Adalberto Garcete; o comandante da Armada, Almirante Benitez Frommer; da Força Aérea, Miguel Christ Jacobs; e o chefe do gabinete militar da presidência, general Ángel Alcibiades Vallovera.
Discutiram a possibilidade de publicar um comunicado das forças armadas declarando lealdade ao comandante-em-chefe, o presidente. Depois de uma rápida discussão, a proposta foi abandonada. “Lugo falou desde o início que não ia resistir” contou à Pública o general Adalberto Garcete. No final da reunião, segundo fontes militares, o presidente decretou: “Eu sou um mártir da história”.
Os três comandantes permaneceram no palácio, aguardando a ordem de retirada – que demorou a ser dada. Enqunto estavam ali, foram procurados pelo embaixador da Venezuela, Nicolas Maduro. O encontro, que não durou mais que alguns minutos, rendeu uma investigação do Ministério Público a respeito de uma suposta tentativa do venezuelano de incitar um golpe militar, nos primeiros dias do novo governo. Com grande estardalhaço, a imprensa nacional e internacional acusou Maduro de sugerir uma sublevação militar.
Interrogados pela Fiscalía, órgão investigador do Paraguai, os comandantes do Exército e da Armada negaram; Miguel Christ Jacobs, então comandante da Força Aérea, confirmou a história. Dois meses depois, foi nomeado Comandante das Forças Armadas. Os outros dois aguardam pacientemente em suas casas: foram transferidos para a reserva pouco depois de seus depoimentos.
A possibilidade de uma reação, fosse política ou militar, foi também tema da última reunião do gabinete de Lugo, naquela tarde. Estavam todos os ministros, incluindo os liberais, os assessores jurídicos e secretários.
Segundo relatos, Lugo levantou as possibilidades que se apresentavam, ouvindo muito, no seu estilo hesitante que lhe rendera tantas críticas durante todo o governo. Lembrou que não haveria respaldo internacional a uma resistência armada. Uma vez tomado posse o novo governo, seria fácil desmobilizar setores do Exército, que teriam que se submeter ao novo comandante-em-chefe, Frederico Franco. Abatido, Lugo resignava-se. “Pela minha formação, acadêmica, espiritual sou contra todo tipo de violência. A historia política do Paraguai sempre foi violenta”, lembra ele, na terceira entrevista à Pública, dois meses depois daquela tarde. “Creio que passarei à historia como alguém que exerceu uma presidência dentro do marco pacífico, em todos os sentido, e que não incitamos nenhum tipo de violência, viesse de onde viesse”.
Outra opção seria renunciar – houve um pedido oficial da Igreja, através da Conferencia Episcopal Paraguaya, para que Lugo o fizesse, para “evitar um derramamento de sangue”. O ex-bispo se negou. Dois meses depois a Igreja pediu desculpas. “Por todo tempo, Lugo disse que não queria derramamento de sangue, que tínhamos que entregar o governo com organização”, diz a ex-ministra de Saúde, Esperanza Martinez. “Ele disse que não ia fugir, pedir asilo, que ia ficar no país e resistir por todos os meios possíveis”.
Ao final da reunião, Fernando Lugo assistiu pela televisão à votação do fim do seu governo. Quando chegou a 30 votos, o quórum necessário, manteve o silêncio sepucral. “Tinha cara de pena”, conta o fotógrafo presidencial Rafael Ursúa.
“Vimos a votação pela televisão, e quando terminou a destituição dissemos: ‘Presidente, nos vamos porque não queremos estar quando Franco assumir”, relembra o chanceler Timerman. “A Argentina oferece asilo a qualquer um que solicite”, disse.
Na praça, os manifestantes rodearam a rádio para ouvir a contagem. “As pessoas estavam abraçadas em volta da caixa de som. Contando. Até que chegaram a 30 votos… Aí acredito que começamos a canta Pátria Querida. E chorávamos.”, lembra Kátia Maria.
Em poucos minutos começaram a estourar gases lacrimogêneos. “Fiquei muito impressionada, porque nunca tinha vivido isso. Uma amiga me agarrou e me puxou, senti o cheiro do gás e comecei a correr”. Na corrida, derrubaram as baias de metal, até chegarem à escadaria diante da catedral de Assunção. Ali se reuniu grande parte dos manifestantes durante as horas da noite.
As portas da catedral estavam fechadas.
Ao cair da noite, os assistentes de Lugo começaram calmamente a retirar os seus pertences do palácio. Muitos ministros já haviam partido. O ex-presidente gravara, pouco antes, um comunicado oficial no qual negava a legitimidade do juízo politico, mas deixando claro que o acataria. Federico Franco tomou posse pouco depois.
“Ver ali os ajudantes do presidente tirando as coisas, as despedidas, ver o presidente dando adeus pro pessoal do palácio, os assessores de segurança… Fumar um último cigarro aí na varanda, olhando para o Rio Paraguai… E ver, pela sala, o presidente vendo o fim pela televisão… Foi muito triste”, relembra o ex-ministro da Função Pública, José Tomas Sanchez.
Na praça, a multidão se dissipava. Dois meses depois, em entrevista à Pública, a voz o chefe do gabinete da presidência, Lopes Perito, tido como homem forte de Lugo, ainda fraquejava com a lembrança. “As pessoas esperavam que o presidente não aceitasse… E depois veio a desilusão qundo dissemos a essas pessoas ali na praça, vocês têm que se retirar porque o presidente vai entregar o governo”, diz.
“Eu me senti muito mal. Parecia tudo muito absurdo, que se perdesse o governo desta maneira tão miserável. Senti que falhamos com as pessoas”.
Às seis da tarde, relembra Timerman, os chanceleres saíram em direção ao aeroporto. “Nos abraçamos e fomos embora. Havia pouca gente na rua”.

O NOVO GOVERNO

Federico Franco tem governado sob grandes dificuldades, entre uma economia estagnada, o contínuo isolamento internacional sofrido pelo Paraguai – o país foi suspenso da Unasul e do Mercosul semanas depois do impeachment – e escândalos de corrupção – há denúncias que sua renda pessoal aumentou 7 vezes enquanto era vice. Nas pesquisas de opinião, o governo Franco perde feio em popularidade para Lugo e a desconfiança no liberal chega a 55%. Mesmo assim, seu governo está longe da letargia. Em poucos meses, deu uma guinada radical nas políticas de governo, varrendo do mapa os principais pontos incômodos da administração Lugo.
Um exemplo é a luz verde que foi dada às negociações com a gigante canadense de alumínio Rio Tinto Alcán para a exploração, permitidas por um decreto promulgado no começo de julho e elaborado pelos ministérios da Fazenda e Indústria e Comércio. Segundo Esperanza Martinez, ex-ministra da Saúde, o forte lobby da Rio Tinto dividia o governo Lugo, por enfrentar forte resistência dos setores progressistas: para eles, significava ceder o uso de “quase uma turbina e meia de Itaipu” para a empresa privada.
No começo de agosto, o novo Ministério da Saúde acelerou o processo de aprovção do milho transgênico VT3PRO, da empresa Monsanto, que aguardava na fila da Senave, o Serviço Nacional de Qualidade e Sanidade Vegetal e Sementes, comandada no governo de Lugo pelo engenheiro agrônomo Miguel Lovera, ligado aos movimentos camponeses – hoje é chefiada por um empresário do ramo de agroquímicos, Jaime Ayala, presidente da companhia Pacific Agrosciences.
Durante a gestão de Lovera, barrou-se qualquer nova liberação de espécies transgênicas – a soja já estava liberada. O ex-ministro justifica: “A única coisa que apresentavam eram os testes de campo de eficácia agronômica. Não haviam sido feitos testes locais sobre o potencial alergênico, tóxico e de contaminação. Eram apenas pesquisas fornecidas pelas empresas”. Em agosto, Federico Franco assinou um decretoque diminuiu as exigências de estudos ambientais prévios para liberar transgênicos e outro permitindo a importação de sementes transgênicas do Brasil e da Argentina.
Além disso, em 30 de agosto, a nova direção da SENAVE revocou a resolução 1160, que ditava normas para a aplicação de agrotóxicos, estabelecendo a necessidade de autorização para a realização de fumigações aéreas e terrestres e de avisar aos vizinhos com 24 horas de antecedência, indicando produtos a serem utilizados e grau de toxicidade.A nova direção também extinguiu um secretaria de participação cidadã, que tinha equipes de campo para dar assistência aos pequenos produtores, intermediar conflitos de terra e servir como um canal direto com o governo.
Foram, no total, 120 funcionários demitidos da SENAVE, segundo denúncia apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em outubro (leia aqui). Além da Senave, uma coalizão de organizações de direitos humanos denunciaram demissões massivas em diversos órgãos do governo, como na parte paraguaia da hidrelétrica de Itaipu, voltadas para funcionários afins com as políticas do governo Lugo. Outros órgãos como o Indert – equivalente ao nosso Incra – e a Secretaria de Ação Social, também fizeram muitas demissões, segundo um levantamento feito pelos próprios trabalhadores (clique aqui para ler).
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