segunda-feira, 1 de maio de 2023

Manoel Pastana: “O Ministério Público Federal foi aparelhado para proteger o PT”



Publicado na Revista Press
Manoel do Socorro Tavares Pastana é Procurador Regional da República da 4ª Região. Com 55 anos, o paraense nascido em uma família pobre da Ilha do Marajó é autor do livro autobiográfico “De Faxineiro a Procurador da República”, que, além de narrar sua vida, também expõe bastidores da cúpula do poder no Brasil. Pastana deve lançar um novo livro em breve, sobre o mandato de Rodrigo Janot na Procuradoria Geral da República. Nesta entrevista, Pastana fala sobre sua vida, o Judiciário e detalha o aparelhamento do Ministério Público pelos procuradores “tuiuiús”, protagonistas nos últimos 15 anos na instituição.

Fale um pouco sobre suas origens, sua formação…
Eu nasci no Pará, na Ilha do Marajó. Tenho 55 anos. Saí de lá com 17 anos e fui morar em Brasília, onde trabalhei de faxineiro, vendedor de livros… Eu não tinha condições sequer de pagar uma passagem de ônibus. Morava na cidade satélite do Guará. Depois entrei na Aeronáutica, pelo serviço militar obrigatório. Depois de passar em concurso e me formar especialista em Comunicação, fui trabalhar no serviço de inteligência da Aeronáutica. Nesse período eu decidi cursar Direito, e entrei na faculdade com 25 anos. Estudava à noite e trabalhava durante o dia. Eu passei em seis concursos da área jurídica, sendo três em primeiro lugar. No MPF (Ministério Público Federal) estou há 21 anos.

Apesar das origens humildes, o senhor sempre teve uma preocupação com sua educação. Quem foi responsável por isso?
Foi a minha mãe. Nasci na Ilha do Marajó, ao lado de um rio, onde tinha uma casa isolada, coberta de palha. Minha mãe e meu pai eram agricultores. Ali, o índice de analfabetismo era de quase 100%. O que a mamãe fez? Ela formou um grupo de seis ribeirinhos, e se deslocavam três vezes na semana, duas horas de canoa, para ir a uma escola para se alfabetizar. Ela foi a única mulher alfabetizada desse local, que se chama Sete Ilhas. Depois ela convenceu meu pai a sair desse local porque dizia que não queria que os filhos fossem burros e nem passassem tanta dificuldade. E mudamos para São Sebastião da Boa Vista, uma cidade pequena, mas que tinha escola. Mas havia um problema: no interior a gente não passava fome, porque tinha pesca, caça, frutas. Na cidade não tínhamos renda, então passamos extrema dificuldade. O meu pai ficou no interior, mas que o que ele produzia não era suficiente para a gente. Então, com sete anos, eu já vendia na rua salgados que minha mãe fazia.

Mesmo criança, tinha que trabalhar então?
Duas coisas minha mãe teve preocupação com os filhos: não virar mendigo na rua e nem ficar atrás de esmola de igreja ou de prefeitura. Ela dizia que não queria criar filhos vagabundos ou preguiçosos. “Vocês vão trabalhar para sobreviver.” Então a gente vendia salgados, descascava palmito, lavava telhas, quebrava pedra. Naquela época fui reprovado na terceira série do primário, porque, imagina, não era sempre que a gente conseguia comer. Às vezes dormia sem comer nada. Você ir para o colégio com fome, sem tempo para estudar. Some a isso a preguiça natural. Resultado: reprovação. Quando fui reprovado, minha mãe me deu uns cascudos, mas a dor física foi menor do que a dor moral. Isso porque eu vi que o sacrifício dela de mudar para a cidade foi para que não ficássemos como ela, para que tivéssemos educação. Aquilo pesou, caiu a ficha. Aí, a partir disso, eu tinha uns 10 anos, mudei a minha vida. Nunca mais fui reprovado, virei aluno “CDF”.

Mas a legislação hoje é contrária ao trabalho de menores.
Eu acho um absurdo o que o Estado faz com os brasileiros. Nós somos tutelados e considerados irresponsáveis, desde pequeno até a morte. O Estado não te dá a condição real para você ser um cidadão de bem. Ele te dá uma condição na lei, que não é aplicada na prática. O menor não precisa trabalhar… Por outro lado, ele também não te cobra responsabilidades. Nós estamos fabricando criminosos no Brasil! Falo por experiência própria. Só não entrei para o crime porque eu tive uma educação muito boa desde pequeno. Cheguei em Brasília com 17 anos, menor de idade. Passei extrema dificuldade e fui convidado várias vezes a assaltar. Na época tinha um conhecido que tinha 17 anos e assaltava lá no Guará. Ele dizia para mim: “vamos, não pega nada com a gente, nós somos de menor”. Não fui, mas muita gente vai, com base nisso aí. Já vi isso em processos. Isso é outra coisa que as pessoas também não sabem e só vão saber quando já estão em fria e depois não tem como sair. Na realidade, o menor responde, sim, mas responde por ato infracional, dosado de acordo com a gravidade. Acontece na prática o seguinte: quando um menor comete um ato infracional, pela lei não deveria ir para o registro dele. Só que todo mundo hoje tem acesso a tudo. Se você quiser arrumar um emprego vão pesquisar e ver isso, que vai pesar contra.

Fala-se que o STF extrapola, que o Legislativo se omite, mas o Ministério Público Federal (MPF) também não extrapola?
Em nenhum local por onde passei eu vi se cometer tanta ilegalidade quanto dentro do MPF. Por quê? Porque o MPF é simplesmente o fiscal do fiscal. O MPF fiscaliza todos os poderes e não tem quem fiscalize ele, porque quem o fiscaliza é ele próprio. Numa república ninguém pode ter poder absoluto, mas temos uma figura no Brasil que extrapola todos os limites republicanos: o procurador-geral da República. O poder dele é absoluto quando se trata de não acusação. E foi isso que eles fizeram com o Lula. Eu representei contra o ex-procurador geral Antonio Fernando por ele não ter incluído o Lula na denúncia do mensalão. Vou explicar rapidinho como é que funciona. Nós, do MP, temos independência e autonomia funcional. Ninguém manda o que eu devo fazer. Eu processo prefeito, juiz federal de primeira instância, procurador da República de primeira instância, quem tem foro privilegiado perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região é processado por nós, os procuradores regionais. Quem decide se acusa ou não sou eu. A Polícia Federal pode investigar, traz tudo, mas quem vai formalizar ou não é o procurador.

Então, ele pode virar o “engavetador-geral da República”?
Eu entrei em 1996, peguei uma parte do mandato do Geraldo Brindeiro. O Brindeiro realmente foi um engavetador como todo o Procurador-Geral, da forma como é a coisa, acaba sendo. Porque quem nomeia o Procurador-Geral da República é o presidente. E o mandato é muito curto, são só dois anos. Então, o cara que fiscaliza o presidente depende dele, da sua caneta, para mantê-lo ou não.

Como é a escolha do Procurador Geral da República?
Já ouviu falar da eleição da lista tríplice para a PGR? Não existe eleição da lista tríplice na Constituição, ela apenas diz que o procurador deve ser um membro do Ministério Público da União, tenha mais de 35 anos e seja aprovado pelo Senado. Bom, o presidente da República pode escolher qualquer membro do Ministério Público da União. Não é exigida a eleição pela lista tríplice na Constituição. A Associação Nacional dos Procuradores da República criou essa eleição para tentar ver se emplacavam os “tuiuiús”, procuradores ligados à esquerda, que achavam que não tinham vez na cúpula do MPF, por isso usaram o nome tuiuiús em alusão à ave do Pantanal que tem dificuldade para voar. A primeira eleição da lista tríplice foi em maio de 2001. O mandato do Procurador-Geral é de dois anos. E saíram três tuiuiús na lista tríplice. Foi Cláudio Fonteles, Antonio Fernando e Ela Wiecko. Simplesmente, o presidente Fernando Henrique ignorou a lista e reconduziu o Brindeiro. Como não é exigido na lei, ele passou por cima. No governo Lula, eles fazem de novo a eleição, agora em 2003. E aí fica na lista tríplice os mesmos três indicados na anterior. E aí Lula nomeia Fonteles. A primeira coisa que eles combinaram é que cada um deles só iria ficar um mandato. Os tuiuiús ganharam todas, desde a primeira até esta última. A Raquel Dodge foi segunda da lista. E a intenção deles era enfiar três lá para pressionar o Temer. Mas a Raquel Dodge não é tuiuiú, é exceção. Por isso o Temer a nomeou. Para ganhar essa eleição, eles fazem de tudo, inclusive compra de votos, pressão. Só um exemplo: o Gurgel, em 2011, era candidato à recondução. Na época, estava sendo investigado o governador do Distrito Federal, José Arruda. O Gurgel teve um encontro clandestino com o Arruda, fora do gabinete dele. Alguém soube e vazou isso para imprensa. Os procuradores caíram de pau no Gurgel. Quando é época da eleição… o procurador-Geral sempre tem um monte de gente que bajula, né?! Sempre quando estava próximo de uma eleição, vinha todo mundo para pedir voto, mas com esse negócio sumiram os apoiadores e só falavam os críticos. Mas uma semana antes da eleição, foi anunciado o pagamento de parcela da PAE (Parcela Autônoma de Equivalência). Para você ter uma ideia, esse pagamento era para os procuradores que entraram até 1997. Eu entrei em 1996, então, peguei bem pouco, os que entraram antes receberam bem mais. Eu recebi R$ 60 mil. Meu amigo, não se viu mais nenhuma crítica.

Está dizendo que, durante 15 anos, o Ministério Público foi aparelhado?

Para proteger o PT. Claro. Veja só: o Gurgel foi o primeiro colocado da lista. Teve menos votos do que na eleição anterior, mas continuou sendo o primeiro por conta desse pagamento aí. Bom, só que a Dilma não estava a fim de reconduzi-lo, não. Tanto que ficou quase um mês sem Procurador-Geral. Sabe o que ele fez? Arquivou aquele inquérito do Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil) quando descobriram o patrimônio dele?. O Gurgel deu uma canetada, arquivou e mandou cópia para Dilma no mesmo dia que ele promoveu o arquivamento. No outro dia, a Dilma reconduziu ele. Isso é um exemplo típico de como funcionava essa nomeação.

E o processo 2474, do Mensalão?
Está no Supremo, sob segredo de Justiça. Nisso aconteceu o seguinte: o Antonio Fernando, procurador que fez a denúncia do mensalão, foi o segundo que veio depois do Fonteles. O Fonteles aparelhou o MPF para proteger o PT. Nós temos independência. Ninguém manda o que a gente tem que fazer. Só que, no caso criminal, só o Procurador-Geral da República pode processar o presidente da República. Então, o inquérito criminal está com ele. O Fonteles fez para proteger o PT foi colocar um corregedor tuiuiú, que era o Vagner Gonçalves, que saiu dando porrada em tudo quanto é procurador. Eu fui um dos procuradores que sofreram nas mãos dele, vários procuradores sofreram, inclusive o Roberto Santoro, que era um subprocurador. Havia um processo que estava em Brasília, na primeira instância, com o Marcelo Serra Azul e com o Lúcio Avelar. Eles queriam pegar o assessor do José Dirceu, que era chefe da Casa Civil. Eles não podiam investigar o chefe da Casa Civil, que tinha prerrogativa de foro. Mas queriam pegar o assessor. E o Santoro era um cara muito experiente, era Subprocurador-Geral e todas as vezes que eu tinha um caso muito complexo pedia ajuda dele. Esses dois procuradores chamaram o Santoro para ajudar. O Santoro foi e estava pressionando o Carlinhos Cachoeira para entregar uma fita onde envolvia o assessor do Zé Dirceu e, assim, chegar ao ex-ministro. Só que o Cachoeira gravou o Santoro mandando entregar logo a fita porque depois vinha o Fonteles para dizer “você quer pegar o governo”. Isso foi parar no Jornal Nacional. Cara, caíram de pau no Santoro, e Fonteles bota corregedor. Mas isso não é crime, não é improbidade, não é nada. Aí o Santoro pediu exoneração depois.

No que isso resultou?
Sabe o que o Fonteles fez para evitar esse tipo de coisa? Criou um serviço de inteligência dentro do Ministério Público Federal. Sabe quem era o chefe? O Rodrigo Janot. Naquela época, as denúncias que apareciam do governo petista eram pequenas ainda, eram poucas. Por isso eles usavam a corregedoria para pegar a gente que era independente para intimidar. Só que quando apareceu o Mensalão, divulgado pela imprensa, então eles pararam com essa história de perseguir procurador. Aí usaram a estratégia da atuação de faz-de-conta. Por exemplo, como eu tenho independência para atuar, mas quero proteger alguém, mando instalar um inquérito mas não faço diligências que sei que vão atingir o cara. Você controla a investigação. Por exemplo: você sabe que o cara tem dinheiro no banco, você jamais vai pedir a quebra do sigilo bancário dele.. Vai pedir todas as outras diligências, menos aquela que sabe que vai atingir o cara. Foi assim que o Antonio Fernando fez. Antes do Mensalão, a primeira atuação de faz-de-conta protegeu o hoje ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Ele era acusado de ter mandado não sei quanto bilhões para o exterior, entre outras coisas. Na época o presidente do Banco Central não tinha prerrogativa de foro perante o STF. Ele era julgado em primeira instância. Imediatamente, o Lula baixou uma medida provisória, que deu prerrogativa de foro para o presidente do Banco Central e, quando o Supremo disse que valia, o Fonteles instaura um inquérito contra o Henrique Meirelles. Aí o Lula elogiou o procurador independente. Imagina o PT comemorando denúncia contra o governo. Sabe no que deu isso aí? Nada. Foi arquivado o processo. Depois veio o Mensalão, e aí valeu aquela história de controlar a investigação e não fazer aquilo que sabe que vai pegar quem você não quer. Marcos Valério destruiu provas. E qual era o caminho mais curto dessa investigação? Prisão do Marcos Valério, isso é óbvio! Está na lei, artigo 102 do Código do Processo Penal, prisão preventiva, não é nem temporária. Para preservar provas. E o Marcos Valério destruiu provas e o Procurador-Geral da República não pediu a prisão dele. Mas o Marcos Valério ficou desesperado, porque qualquer hora poderia ser preso. Quando a mulher do Marcos Valério foi pega tentando sacar R$ 3,5 milhões em um banco lá em Belo Horizonte, ele foi até a Procuradoria Geral e queria se apresentar para colaborar, fazer a delação premiada – que já existe há muito tempo. Sabe o que o Antonio Fernando disse para ele? Que era prematuro e inoportuno. Porque ele sabia que isso ia pegar o Lula e ele queria proteger o presidente.

Quem está com esse processo?
Ele já passou por cinco relatores. Agora está com o ministro Dias Toffoli. Mas, quem comanda o inquérito é o Procurador-Geral. Ele que pede, que faz diligência. Eu fiquei sabendo desse inquérito não foi por acaso, não. Fui eu quem primeiro representou contra o Antonio Fernando por prevaricação pelo fato de ele não ter incluído o Lula na denúncia. E eu mostrei provas que envolviam o Lula. Aí, arquivaram minha representação lá. Por que o Ministério Público foi o lugar em que eu mais vi ilegalidade? Porque ninguém fiscaliza a gente. Quem fiscaliza somos nós mesmos. Só que somos nós aqui e eles, a cúpula, lá. A corregedoria está nas mãos deles, o conselho está nas mãos deles, tudo lá. Então, eles que fazem, que investigam e não investigam. Eu já representei contra o Antonio Fernando, contra Gurgel, contra Fonteles, contra a cúpula. Todos arquivaram as minhas representações. Quando o Gurgel assumiu, representei ao Gurgel para ele incluir o Lula na denúncia e mostrei as provas. Depois de um ano sentado em cima da minha representação, o Gurgel arquivou dizendo que as provas apresentadas estavam naquele inquérito 2474 que estava em trâmite no Supremo. Como o inquérito estava sob segredo de Justiça…

Em que momento o Janot foi traído?
No Petrolão, o Janot vinha fazendo a mesma coisa que os seus antecessores fizeram, aquela proteção velada, atuação de faz-de-conta. O Janot estava protegendo a Dilma, tanto que teve várias representações contra ela, todas arquivadas. Só que aí veio a Lava-Jato. Houve duas Lava-Jato, a de primeira instância e a do Supremo. Essa de primeira instância, os procuradores estavam pegando quem não tinha prerrogativa de foro e eles estavam atuando mesmo, e eu sei disso porque eu atuava aqui em segunda instância. Todos os recursos que vinham da primeira instância passavam aqui por mim. Eu era o fiscal da lei aqui desses recursos. Fiquei um ano na Lava-Jato em 2014. Mas, o Janot estava tentando ver se parava, mas sutilmente. Eu conto no livro que o Janot derrubou os tuiuiús porque teve um projeto megalomaníaco além dos outros, que os outros tuiuiús não se expuseram tanto. Ele se expôs e por isso foi traído. O Janot escolheu um grupo a dedo para trabalhar com ele. O Janot cometeu ilegalidades na designação desse pessoal. E esse pessoal ele tinha como pessoas de confiança, pois não queria gente independente trabalhando com ele. Mas nesse grupo tinha um Judas, que armou a gravação do Delcídio do Amaral (PT, ex-senador do Mato Grosso do Sul).

De que forma o Janot era diferente dos outros tuiuiús?
O Janot é uma espécie de Lula. O cara que é de esquerda mesmo, morre pela esquerda, é o cara que é revolucionário e não faz acordo com banqueiro, é idealista. O Lula fez acordo com banqueiro, com todo mundo. Ele é o oportunista, a ideologia fica em segundo plano. Se ele puder seguir a ideologia, tudo bem. Se não, ele passa por cima. O Janot é igualzinho ele. Os outros tuiuiús tinham aquele negócio de esquerda, de não bater no PT. E também eles não arriscaram tanto assim. Sabe aquele negócio de pau que bate em Chico bate em Francisco? Esse auxiliar dele, vendo o jeito que ele estava, articulou a gravação do Delcídio. O Janot não sabia que tinha sido gravado. Quando chegou essa gravação do Delcídio para ele, apareceu como se fosse um ato voluntário. Isso é normal. Não era ilegal dizer para o filho do Nestor Cerveró (ex-diretor da Petrobras) gravar o cara, o Delcídio. Se o Delcídio estava mesmo oferecendo vantagem, eu, como procurador, poderia dizer para gravar e trazer a gravação. E não é ilegal isso aí, se a gravação é voluntária. Se você for ver o depoimento do Cerveró, ele teve que esconder isso, que o cara foi orientado a gravar pelo procurador. E a interpretação pela imprensa foi equivocada. A imprensa interpretava que daria nulidade, não daria nulidade coisa nenhuma,esse tipo de gravação não é ilegal. O que acontece é que eles esconderam isso, e aí é a prova que eu tenho de que o Janot foi traído, porque ele não queria que soubessem que o filho do Cerveró foi orientado por alguém da equipe dele para gravar o cara que ele – Janot – queria proteger. Essa gravação não era ilegal, mas eles esconderam isso para que o Janot não soubesse. No fim, ele teve que pedir a prisão do Delcídio.

E porque o Janot foi traidor? 
Lembra do procurador Eugênio Aragão, que foi nomeado ministro da Justiça por dois meses? Ele detonou o Janot, porque achou que o Janot foi traidor do PT e dos próprios tuiuiús. Por conta dessa traição o Janot foi obrigado a atirar no próprio PT e teve toda uma sequência de fatos. Primeiro, divulga a gravação do Delcídio. Aí, logo em seguida, o Moro divulga a escuta do “Bessias”. Isso aí insuflou o impeachment, cai Dilma. Agora vem uma outra parte da história. Quando a Dilma caiu, o Janot perdeu um parceiro. Ele precisava de um presidente da República para manter ele no cargo, na recondução dele ou que colocasse alguém do grupo dele. Janot se aproximou do Temer. Quem era vice do Janot? Era Ela Wiecko, que é esquerda convicta mesmo. Ela apareceu num protesto, na Europa, pelo Fora Temer. O Janot a convidou a pedir exoneração, o que ela fez. Então, ele nomeou José Bonifácio de Andrada. Bonifácio não tem nada a ver com PT, não tem nada a ver com tuiuiú. Ele era ligado ao PSDB. O Janot nomeou ele como vice para se aproximar do Temer.

Qual o futuro da Lava-Jato? As condenações do Lula, a primeira e a segunda, agora vão ser confirmadas?
Olha nós temos duas Lava-Jato. A da primeira instância acho que vai dar bom resultado.
A primeira sentença do Lula eu achei um pouco fraca, mas pode ser que confirme. O período em que o Lula mais praticou crimes é quando ele era presidente da República, no Mensalão, quando os tuiuiús o protegeram. Agora, essas condenações são mais difíceis, mas é possível. Já a Lava-Jato no Supremo, se o Supremo aplicar a lei, for técnico, ela vai ser toda anulada, porque foi mal conduzida pelo então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot.

sábado, 15 de abril de 2023

A Arte de Servir



Toda a natureza é um serviço.
Serve a nuvem, serve o vento, serve a chuva.
Onde haja uma árvore para plantar, plante-a você;
Onde haja um erro para corrigir, corrija-o você;
Onde haja um trabalho e todos se esquivam, aceite-o você.
Seja o que remove a pedra do caminho,
O ódio entre os corações e as dificuldades do problema.
Há a alegria de ser puro e a de ser justo;
mas (lá, sobretudo, a maravilhosa, a imensa alegria de servir.
Que triste seria o mundo, se tudo se encontrasse feito,
se não existisse uma roseira para plantar, uma obra a se iniciar!
Não o chamem unicamente os trabalhos fáceis.
É muito mais belo fazer aquilo que os outros recusam.
Mas não caia no erro de que somente há mérito
nos grandes trabalhos;
há pequenos serviços que são bons serviços:
adornar uma mesa, arrumar seus livros, pentear uma criança.
Aquele é o que critica; este é o que destrói; seja você o que serve.
O servir não é faina de seres inferiores,
Deus que dá os frutos e a luz, serve.
Seu nome é: AQUELE QUE SERVE!
Ele tem os olhos fixos em nossas mãos
e nos pergunta cada dia:
 Serviu hoje?
A quem?
Á arvore?
Ao teu irmão?
Á tua mãe? 

                                   Gabriela Mistral, Antologia poética

domingo, 9 de abril de 2023

Veneno ou remédio? Conheça ritual com a rã-kambô

Espécie com toxinas utilizadas para fins medicinais tem chamado a atenção para uso no ambiente urbano, fora dos espaços indígenas
 
Se você já utilizou produtos naturais com propriedades terapêuticas ou é um entusiasta da medicina tradicional, provavelmente deve conhecer o veneno da perereca kambô, cuja toxina é extraída causando efeitos alucinógenos e é utilizada por indígenas de etnias como Kaxinawá para fins medicinais. A perereca, de nome científico Phyllomedusa bicolor, tem chamado a atenção para o seu uso indiscriminado fora do contexto cultural.

Mas afinal, quais são as propriedades do veneno da rã-kambô? Ela pode ser utilizada como medicamento alternativo fora das comunidades indígenas? Quais são as consequências?

Foto: Pedro H. Bernardo/Folhapress

Para discutir os efeitos do uso do veneno extraído, é necessário entender o ritual. Essa espécie de rã pode ser encontrada na Amazônia brasileira, nas Guianas, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia e região leste do Equador.

O ritual é tradicionalmente feito pelos grupos indígenas katukinas, kaxinawás e yawanawás onde é amarrada as quatro extremidades do animal e extraem o veneno coçando suas costas com uma espátula.
Foto: Divulgação

O veneno seca em um pedaço de bambu antes de ser aplicado. Os indígenas acreditam que o medicamento atua em três frentes: física, mental e espiritual.
Foto: Divulgação

A chamada "vacina do sapo" age no corpo por cerca de 15 minutos provocando alucinações e é utilizada no fortalecimento da imunidade e afastamento do "panema" (má sorte). Apesar das crenças acerca do veneno, não existem estudos sobre o potencial farmacológico e propriedades medicinais da toxina. Cientistas advertem que as propriedades "milagrosas" não foram científicamente comprovadas.

Em 2004, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a propaganda sobre o procedimento. No Brasil, já foi registrada a morte de um homem de 52 anos no município de Pinhamonhangaba (SP) após aplicação da toxina. Porém, o veneno da kambô é citado em vários estudos que apontam seu potencial futuro no combate às superbactérias (bactérias resistentes a antibióticos).

Com o uso indiscriminado da espécie por pessoas fora das comunidades indígenas, e importante a criação de medidas de conservação da espécie para prevenção da biopirataria e da perda gradual do seu habitat, devido ao desmatamento intenso na Amazônia.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Presidente da Câmara de Novo Hamburgo é condenado por lavagem de dinheiro do tráfico de drogas e da exploração de jogos

Outras cinco pessoas foram condenadas por envolvimento com organização criminosa. Defesa de Emerson Fernando Lourenço (PDT) afirma que vai recorrer da decisão, alegando que sentença 'não condiz com o que a instrução do processo revelou'.

Por Redação, g1 RS
06/04/2023 10h31 Atualizado há um dia



Presidente da Câmara Municipal de Novo Hamburgo, vereador Emerson Fernando Lourenço (PDT) — Foto: Maíra Kiefer/CMNH

O presidente da Câmara Municipal de Novo Hamburgo, vereador Emerson Fernando Lourenço (PDT), e mais cinco pessoas foram condenadas, na segunda-feira (3), por envolvimento em uma organização criminosa. O grupo foi acusado de usar imóveis para lavar dinheiro de tráfico de drogas e exploração de jogos de azar na Região Metropolitana de Porto Alegre. Todos os condenados podem recorrer da decisão em liberdade.
A sentença é do juiz Roberto Coutinho Borba, da 2ª Vara Estadual de Processo e Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro.

Emerson Fernando Lourenço, conhecido como "Fernandinho", foi condenado a 16 anos de prisão pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Além disso, a Justiça determinou pagamento de multa, a perda do cargo e o impedimento em ocupar função pública por oito anos.

O advogado Eduardo Pivetta Boeira questiona pontos do inquérito policial e da instrução do processo. "A defesa irá recorrer convicta de que hoje temos uma família e todos os que acompanham o Presidente da Câmara e vereador sendo injustiçados por uma sentença que não condiz com o que a instrução do processo revelou", diz. Leia a nota na íntegra abaixo.

De acordo com o juiz, Lourenço comandava o esquema. "O acusado, no caso em tela, ostentava posição de liderança perante dos demais comparsas, orquestrando, sobretudo, o modus operandi da ocultação e dissimulação dos valores obtidos por intermédio das atividades criminosas", afirma o juiz.

Também foi condenado por organização criminosa e lavagem de dinheiro um homem acusado de ser operador financeiro do esquema. Ele deve cumprir pena de nove anos e quatro meses de prisão, sendo impedido de ocupar cargos públicos por oito anos.

No processo, a defesa do acusado pediu a absolvição sumária do réu, alegando falta prova de que ele integrou qualquer organização criminosa, "pois só emprestava dinheiro sem associação a ninguém".

Outras quatro pessoas acusadas de atuarem como "laranjas" da organização criminosa foram condenadas, sendo duas delas apenas por lavagem de dinheiro. Uma pessoa foi absolvida por falta de provas.

No processo, a defesa do vereador e desses cinco acusados de atuarem como "laranjas" alegou que o inquérito policial foi feito por um delegado "inimigo público" de Emerson. O advogado dos réus sustentou, na ação, que não houve lavagem de dinheiro e organização criminosa, porque os envolvidos "teriam realizado favores para que este [o vereador] pudesse trabalhar, na época, na sua empresa de transportes, praticando, no máximo, o delito de sonegação fiscal".

Denúncia

O Ministério Público (MP) apresentou denúncia sustentando que os crimes foram cometidos entre janeiro de 2012 e dezembro de 2018. A acusação narrou que, entre abril de 2015 e dezembro de 2018, os réus teriam adquirido diversos bens imóveis com dinheiro de atos ilícitos. Ainda de acordo com o MP, o grupo atuava em Novo Hamburgo, na cidade vizinha de São Leopoldo e em Tramandaí, no Litoral Norte.

"Todos os denunciados atuavam organizadamente para a lavagem de capitais proveniente do tráfico de drogas e da exploração de jogos de azar. E, como consequência, todo dinheiro faturado ilicitamente ingressava no mercado formal, por meio da constituição de empresas e aquisição de bens. Com a mistura do capital espúrio ao restante dos valores das pessoas jurídicas, consumava-se o processo de lavagem de capitais", diz trecho da acusação.

Uma das provas anexadas ao processo mostra transações financeiras realizadas entre o grupo e o chefe de uma facção criminosa da Região Metropolitana que estava preso na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (PASC).

Em outubro de 2017, Emerson Fernando Lourenço foi preso em flagrante, durante uma operação que investigava o grupo, por estar com uma arma furtada em casa.

Vereador Emerson Fernando Lourenço foi preso em casa em Novo Hamburgo — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Nota da defesa do vereador:

"A defesa técnica observa que ainda não foi intimada oficialmente da sentença.
Que não foi observado o Princípio processual da identidade física do juiz, visto que o magistrado que prolatou a sentença não participou de qualquer ato da instrução processual.
Dos seis clientes que essa defesa técnica defende, cinco são totalmente primários, todos da família do Presidente.
Que na instrução processual a defesa técnica trouxe argumentos que provaram a inocência dos seus clientes e o fundo político que originou esse processo, inclusive com depoimento judicial de testemunha que fez o link político de onde e quem seria a autoridade que deu a ordem de investigação inicial.
Que a defesa técnica lembra que o Presidente da Câmara de Novo Hamburgo foi o segundo vereador mais votado no último pleito e que esse rótulo negativo que tentam vincular a sua pessoa não é o que a população de Novo Hamburgo corrobora.
A defesa irá recorrer convicta de que hoje temos uma família e todos os que acompanham o Presidente da Câmara e vereador sendo injustiçados por uma sentença que não condiz com o que a instrução do processo revelou.

Eduardo Pivetta Boeira
OAB/RS62.551"

domingo, 2 de abril de 2023

Laudos psicológicos com falhas levam homem a ser preso e torturado


Diretor de creche passou quatro anos na cadeia após condenação baseada em documentos de dois peritos, que foram punidos pelo Conselho Regional de Psicologia

Por bferreira
Publicado 21/02/2015 

Rio - Paulo Barcellos é um homem com medo da rua. Aos 56 anos, mal consegue dormir. Só sai de casa para o que for estritamente necessário e precisa estar sempre alerta ao sensor da tornozeleira eletrônica. Sequelas dos quatro anos, 40 dias e nove horas que ficou em regime fechado cumprindo pena pela condenação em 2010 de abuso sexual contra cinco crianças de idades entre 4 e 6 anos.





Barcellos se sente marcado para sempre pelas acusações sofridas quando era diretor financeiro da Creche Gente Inocente, na Tijuca. Pelo processo, ao qual O DIA acompanhou nos últimos três anos, a sentença que o condenou a nove anos de prisão baseou-se nas únicas provas obtidas durante a investigação: os laudos psicológicos feitos por dois peritos, que também são policiais da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav). Dos nove anos, ele ainda precisa cumprir quatro no regime aberto. Barcellos ficou traumatizado coma prisão e só sai de casa quando é estritamente necessário

Devido às diversas contradições nos documentos, os peritos foram denunciados ao Conselho Regional de Psicologia (CRP) do Rio, em 2010. No final do ano passado, quatro anos depois da condenação, o CRP terminou de julgar os processos éticos abertos contra os psicólogos do caso e ambos foram punidos por unanimidade pelo conselho.

Artur de Oliveira sofreu censura pública. Já Emerson Brant, que diz ser o único a atuar como psicólogo em toda a Polícia Civil, teve o pedido de cassação do registro profissional aceito por ser reincidente nas infrações éticas. Ele recorreu, e a decisão precisa ser referendada pelo Conselho Federal de Psicologia. A punição contra Oliveira foi mantida. “Vamos esperar a confirmação da decisão do CFP para entrar com o pedido de revisão criminal”, explica Luiz Gustavo Faria, advogado de Barcellos.

A investigação conduzida pela Dcav durou três meses e se iniciou a partir de uma ocorrência registrada pelo pai de uma das alunas da turma do Jardim III. O relato do pai da menina de 5 anos era de que o diretor financeiro tinha colocado a mão dentro da calcinha da criança, na sala de aula. Dois dias depois, outra mãe registrou queixa semelhante. Na semana seguinte, outras três mães também foram à delegacia para acusar Barcellos de beijar suas filhas na boca.

As crianças passaram por exames de corpo de delito no Instituto Médico Legal e foram encaminhadas ao Serviço Voluntário de Psicologia da Dcav. Barcellos e uma funcionária acusada de presenciar as cenas prestaram depoimento. Os exames físicos deram negativo, mas os laudos feitos por dois psicólogos policiais da Dcav concluíram pelo abuso sexual. Os documentos foram a única prova contra Barcellos e o inquérito foi finalizado sem que o delegado sequer visitasse a escola.

Inconsistências técnicas e formais nas avaliações

Entre as contradições nos laudos apontadas pelo CRP, os problemas começam por erros primários, como confusão de nomes entre as crianças, e se estendem até a falta de apresentação das técnicas usadas. Para proteger as identidades, O DIA optou por nomes fictícios ao se referir às crianças.

Ao finalizar o laudo de Maísa, 4 anos, por exemplo, o psicólogo Artur de Oliveira usa texto semelhante à conclusão da menina Karina, 5 anos, também avaliada por ele. No entanto, troca a identificação das duas, escrevendo o nome de Karina no diagnóstico de Maísa. O parecer doC RP descreve ainda que o “relatório apresenta contradições, nega alterações de comportamento numa criança, porém diz que há sexualização da mesma”.

Elba da Rocha fechou a escola porque não aguentou as  perseguições

Alguns problemas podem até ser entendidos por leigos. Elba da Rocha, diretora pedagógica da escola e mulher de Paulo, assinala que na avaliação de Karina feita por Oliveira, a aluna do Jardim III relata que os abusos aconteciam durante a aula na sala onde estudava e a menina cita entre as colegas molestadas o nome de Janaína — criança que não consta da lista de alunos. No relato sobre sua vivência na creche, Karina também lembra de nomes que não existem entreos estudantes matriculados.

Já Maísa, que diz que o diretor financeiro a beijava, ao falar dos professores da escola, cita um chamado “Tio Carlos” — que não consta da lista de funcionários. Sobre os laudos de Emerson Brant, é apontada a violação da privacidade das crianças, já que foi realizado um único parecer a partir da entrevista de três meninas. Além disso, o conselho critica a falta de apresentação das técnicas empregadas nas entrevistas e da descrição exata de como ocorreram as revelações dos abusos. O CRP assinala com preocupação que o profissional tira conclusões sobre o acusado sem tê-lo entrevistado. Para o conselho, “as entrevistas com os respectivos responsáveis pelas crianças parecem mais uma tentativa de confirmar a suspeita de abuso sexual do que a busca de evidências que de fato elucidem o que ocorreu entre o acusado e as crianças, nas dependências da escola. Vê-se que no relatório não consta qualquer indicativo de investigação.”

A escola aberta em 2007 tinha 75 alunos, dos quais 68 continuaram até o fechamento em 2011. “Tive que fechar porque não aguentava mais as perseguições”, conta Elba.

O peso do artigo 217-A é a tortura

Na prisão, Paulo Barcellos sentiu na pele o que é ser um detento acusado pelo artigo 217-A do Código Penal— que prevê a pena para quem cometeu estupro de vulnerável. Na carceragem da Polinter de Neves, em São Gonçalo, ele descobriu que não eram apenas histórias os relatos de tortura em presos que respondem por abuso sexual. Preso em casa às 5h50, Barcellos só foi levado para o sistema prisional à 1h30 da madrugada seguinte. “Cheguei à delegacia às 6h30 e fiquei até as 18h20, aguardando o carro da Polinter”, conta.

Barcellos diz que passou o dia sem comer em uma sala da delegacia, observando a discussão dos policiais sobre a sua transferência. “Um dizia que iame mandar para a Pavuna e outro retrucava, falando que deviam me mandar para Neves”, revela. O primeiro, segundo ele, alertava sobre os possíveis riscos de ir para Neves, enquanto o outro agente, mais exaltado, dizia: “Que se dane. Tem que morrer ainda dentro do carro”.

E, mesmo com ordem para ir para a Pavuna, como consta em sua ficha prisional, ele foi levado a Neves. Não sem antes passar seis horas percorrendo as mais diversas delegacias da capital. “Não sei o que é pior. Se a cela ou aquele camburão no calor de janeiro. A gente suando, desidratando, passando mal, sem água. O que me salvou foi uma goteira no teto no carro depois que caiu um temporal. Foi o que eu bebi”, lembra.

Ao descer do camburão em Neves, junto com um grupo de presos, foi recebido por cerca de dez policiais armados aos gritos de “cabeça baixa”, “não olha, não”. Em seguida, o grupo de detentos foi levado a um local chamado de “porquinho”. O sugestivo nome é usado para identificar uma cela pequena sem banheiro. “Lá dentro, mandaram tirar a roupa toda e me algemaram. Só eu. Foi quando comecei a ficar preocupado”, conta. Em seguida, alguém que ele não sabe identificar se era policial ou preso gritou: “Ô 217, vem aqui”.

Ele, então, recebeu ordens para baixar a cabeça e foi conduzido para outra cela, onde já havia vários presos. Paulo sentou no chão e em seguida alguém colocou um saco preto em sua cabeça. Durante mais de meia hora , ele foi violentamente agredido com chutes e socos em todas as partes do corpo.O exame de corpo de delito feito no dia seguinte demonstra duas costelas quebradas, hematomas nas costas, além de problemas no rins. “Urinei sangue quase um mês”, desabafa.

Não foi tudo. Ainda de capuz, ouvindo gritos de “estuprador safado” e “vou te arrebentar”, os agressores fizeram com que Barcellos vestisse novamente as calças e a cortaram rente à região do pênis. Nesse momento, os algozes pediram dinheiro para não matá-lo. Ele concordou em pagar. Mas o terror não acabou. Derepente, ele sentiu tocarem suas costas o que parecia ser um cabo de vassoura. Quando os agressores tentaram introduzir o cabo em seu ânus, ele gritou desesperadamente. Só naquele momento, foi socorrido por dois policiais que o colocaram em uma cela isolada e permitiram que ele ligasse para o advogado, no dia seguinte, para denunciar as agressões.

Processo sem fim

Do lado de fora da prisão, as acusações provocaram um terremoto na vida de Elba da Rocha. Ela conta que ao denunciar as contradições do caso ao MP e ao CRP, recebeu diversas ameaças de morte por telefone. A linha fixa de sua casa teve que ser desligada e ela trocou o número do celular três vezes.

Apesar da gravidade da situação, o casal recebeu apoio de 68 dos 75 pais de alunos da escola. Eles fizeram um abaixo-assinado a favor de Barcellos. O apoio ocorreu especialmente depois que três casais relataram que uma das mães que acusava Paulo dizia que “haveria uma boa indenização no final” e que “tudo estava acertado na delegacia”.

“Nunca tive dúvida que era mentira. Principalmente depois que me ligaram falando isso”, afirma Renata Martins, 37 anos. A filha dela também foi apontada como uma das vítimas de abuso no relato da menina Karina aos psicólogos. Ela, no entanto, disse que a filha negou qualquer problema na escola e não demonstrou nenhuma lesão ou diferenças de comportamento.

Renata e outras duas mães testemunharam em juízo sobre as ligações recebidas de uma das mães que denunciavam os abusos. Uma dessas testemunhas contou que chegou a ouvir essa mesma mãe dizer que “como só tinham meninas, estavam precisando de um menino”.

Ao longo do julgamento, a defesa solicitou perícia na escola, além de nova avaliação psicológica das crianças, pais e do próprio Paulo. Os pedidos foram negados pela juíza responsável pelo caso, Renata Videira. A defesa, então, contratou a professora Maria do Carmo Cintra Prado, coordenadora do Setor de Psicodiagnóstico da Unidade de Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Uerj, para atuar como perita técnica para avaliação dos laudos da Dcav.

Ao analisar os laudos, a perita que trabalha na área desde 1982 alertou para os problemas citados agora pelo CRP. A juíza, no entanto, desconsiderou o parecer. Após a condenação, duas mães pediram indenização por danos morais em valores que variam entre R$ 20 mil e R$ 70mil.

Procurada, a juíza Renata Videira disse que formou convencimento pelos depoimentos e laudos psicológicos. A Polícia Civil somente informou que o caso foi relatado e enviado à Justiça. O psicólogo Emerson Brant concedeu entrevista para explicar como funcionava seu trabalho, mas, questionado sobre os processos no CRP, não retornou. Artur de Oliveira não foi localizado.

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