segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Em 2015, Júlio Marcelo de Oliveira: “O governo tentou chamar maçã de abacate”

O procurador junto ao Tribunal de Contas da União critica as pedaladas fiscais do governo e a cultura de segredo do BNDES em torno das operações do banco

THIAGO BRONZATTO
Época

BAGUNÇA: Júlio Marcelo em seu gabinete. “A maquiagem contábil foi deliberada” (Foto: Adriano Machado)

O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que atua no Tribunal de Contas da União, incomoda mais o governo que os nove ministros da corte somados. Em fevereiro, ele se opôs às negociações de acordos de delação entre as construtoras investigadas na Lava Jato e a Controladoria-Geral da União. Em março, pediu a suspensão do empréstimo de US$ 3,7 bilhões do BNDES para a Sete Brasil, fabricante de sondas do pré-sal para a Petrobras. Em abril, assinou uma representação em que pede a investigação das pedaladas fiscais da equipe econômica da presidente Dilma Rousseff, suspeita de ter atrasado os repasses dos recursos do Tesouro Nacional aos bancos públicos e privados para fechar as contas no azul.

ÉPOCA – Por que o senhor coloca o governo sob suspeita de ter incorrido em crime fiscal em 2013 e 2014, no caso conhecido como “pedaladas fiscais”?
Júlio Marcelo de Oliveira – Nos últimos anos, houve uma série de estratégias do Tesouro para, a meu ver, fabricar resultados fiscais para gerar uma impressão que não corresponde à realidade financeira real do estado da nossa economia. Isso deu ensejo à atuação do Ministério Público e do TCU no processo que ficou conhecido como as “pedaladas fiscais”. O governo perdeu a capacidade de cumprir a meta fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). No final do ano passado, o governo alterou a lei para mudar a meta, o que considero esdrúxulo. Se a meta é prevista em lei, tem de cumprir. Não é uma promessa de campanha. O que eu ouvi do ministro-relator das pedaladas fiscais, Augusto Nardes, é que, sem a maquiagem contábil, o governo teria tido um deficit de R$ 30 bilhões. Ou seja, as metas do ano passado não foram cumpridas.

ÉPOCA
– Qual a gravidade e o impacto do descumprimento dessas metas?
Oliveira – A sociedade precisa ter confiança em que os números do governo estão corretos e são fidedignos. É como o balanço de uma grande empresa privada. A companhia é auditada por uma empresa de auditoria externa. Se os auditores entenderem que os números não representam a realidade financeira e econômica da empresa, eles não assinam o balanço. Foi o que aconteceu recentemente com a Petrobras. É, aliás, o que acontece no mundo inteiro. Quem faz o controle das contas do governo é o TCU, junto com o Congresso, que é quem julga em última instância. Se as contas que são apresentadas não representam as contas reais do governo, o resultado fiscal deve ser recalculado.

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ÉPOCA – É possível pedir o o impeachment da presidente Dilma Rousseff devido às pedaladas?
Oliveira – Essa é uma avaliação exclusiva do Congresso Nacional. Do ponto de vista do Ministério Público e do TCU, a questão se limita a avaliar os fatos e aplicar as consequências legais, dentro da nossa esfera de competência. Se aconteceram infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal, os responsáveis precisam ser punidos. Se for o caso, é preciso inabilitar a pessoa de seu exercício de função.

ÉPOCA – Essas supostas operações irregulares são produto de uma desordem nas contas públicas do governo?
Oliveira – Não há uma bagunça, não. O que houve foi uma tentativa de fazer uma engenharia com contabilidade pública, uma maquiagem contábil. Isso foi feito de maneira organizada, deliberada, para apresentar um resultado fiscal melhor do que era na realidade. O Brasil tem um bom grau de contabilidade pública, de segregação das contas. O que houve foi uma tentativa de chamar limão de laranja, maçã de abacate, ou seja, de mudar as coisas, sem respeitar sua natureza. Mas a gente consegue consertar. Por isso, eu digo que não tem uma bagunça.
"Se o pré-sal é inviável hoje, a Sete Brasil vai construir sonda para quê? Por que precisa de crédito do BNDES?"

ÉPOCA – Quais seriam as medidas mais eficazes para dar mais transparência aos dados das contas do governo e do BNDES?
Oliveira – No BNDES, há uma opacidade total. A sociedade brasileira não sabe com que critérios os recursos do banco são concedidos. Diferentemente do Banco do Brasil ou da Caixa, o BNDES é um banco de fomento, e não um banco comercial. O próprio TCU tem uma enorme dificuldade para conseguir informações do BNDES, que são sistematicamente negadas com alegação de “sigilo bancário”. Se o Brasil faz o empréstimo, é ele quem impõe as condições do contrato. E quem faz questão do sigilo é o Brasil, que é o dono do dinheiro. Isso vai contra a transparência, o dever de prestar contas. Acho inaceitável manter sob sigilo, porque é dinheiro público concedido a juros subsidiados. Quem, afinal, paga a conta? É a sociedade brasileira.

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ÉPOCA – Foi por essa razão que o senhor decidiu entrar com um pedido de suspensão imediata dos empréstimos do BNDES previstos para a Sete Brasil, fabricante das sondas para a Petrobras explorar o petróleo no pré-sal?
Oliveira – A Sete Brasil se tornou inviável. A empresa tem uma única cliente, que é a Petrobras. Quando o planejamento da Sete Brasil foi feito, o preço do barril de petróleo estava projetado a US$ 100. Agora, está abaixo de US$ 45. Dizem os analistas de mercado que o pré-sal só é viável quando o preço do barril está entre US$ 50 e US$ 60. Ou seja, hoje nem a Petrobras nem outra empresa vão explorar o pré-sal. A menos que o custo de exploração caia. Hoje, segundo os analistas de petróleo, é um negócio inviável. Se a exploração do pré-sal não é viável, a Sete Brasil vai construir sonda para quê? Por que o BNDES emprestaria US$ 3,7 bilhões para essa companhia? Por que ela precisa ter crédito do BNDES, do Banco do Brasil ou da Caixa? Não estamos falando de milhões, não. Estamos falando de um crédito bilionário para uma empresa que, provavelmente, não terá sobrevida.

ÉPOCA – Por que o senhor se opôs ao acordo de leniência entre as empreiteiras investigadas na Lava Jato e a Controladoria-Geral da União?
Oliveira – No caso da Lava Jato, questionamos que o acordo de leniência não pode ser executado à margem do Ministério Público, que está conduzindo a investigação. A CGU, que não tem acesso aos dados sigilosos, não tem condições de avaliar se a empresa que topou fazer o acordo está trazendo informações novas do caso, como prevê a lei anticorrupção. Se a CGU não tem condições de avaliar, logo ela não tem condições de fazer o acordo. O governo adotou, por meio de declarações da presidente Dilma e dos ministros Luís Inácio Adams e José Eduardo Cardozo (da Advocacia-Geral da União e da Justiça), que as empresas não deveriam ser punidas. Que só os executivos das empresas cometeram erros. Isso é totalmente incoerente com o combate à corrupção. É incabível o discurso de que as pessoas jurídicas não devem ser punidas. As empresas devem ser punidas, sim. E o prêmio por delatar o esquema só deve existir para uma empresa. Fazer acordo com todas significa homenagear a impunidade.

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ÉPOCA – Em sua opinião, esse acordão pode prejudicar as investigações do escândalo do petrolão?
Oliveira – Isso já está atrapalhando a investigação da Lava Jato. Porque a empresa tem a perspectiva de negociar o acordo de leniência com a CGU, por meio do qual ela vai obter o afastamento ou abrandamento das penas que ela mais teme – que é o afastamento de idoneidade e a perda de acesso a financiamentos oficiais, especialmente do BNDES. O governo está fazendo um terrorismo em torno do tema. A idoneidade não interrompe os contratos em curso. As empresas devem e podem continuar executando as obras para as quais foram contratadas.

ÉPOCA – Devido a suas posições, o senhor já sofreu alguma pressão do governo ou de ministros indicados politicamente?
Oliveira – Nunca recebi nenhum sinal de incômodo. Temos tido alguns bons debates. Mas penso que seria um avanço se não houvesse indicações políticas para o TCU (hoje, dois terços dos ministros são indicados pelo Congresso, que costuma nomear parlamentares em fim de carreira). Não por conta da conduta de um ministro ou de outro. A questão é que é um órgão de um perfil eminentemente técnico, que tem a necessidade permanente de ter junto à sociedade uma alta credibilidade. Se o ministro, por exemplo, se posicionar a favor de uma questão do interesse do governo, algumas pessoas vão falar que ele fez isso por ser do governo ou do partido da base do governo. Isso é ruim para o TCU. Mesmo quando estiver correto tecnicamente, a origem política lança uma dúvida que para a instituição não é boa. Nosso modelo não é o melhor. Ele pode ser aprimorado.

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