terça-feira, 26 de janeiro de 2021

A ONU e a nova ordem mundial - DOSSIÊ ONU E A PAZ


José Augusto Guilhon Albuquerque


DURANTE A MAIOR PARTE de sua existência a ONU cumpriu papéis que derivavam diretamente da ordem internacional resultante da Guerra Fria. Entre suas principais funções estava a de constituir um fórum de convivência pública entre as duas superpotências. Nele, os EUA e a URSS, diretamente ou por intermédio de seus aliados, protagonizaram a bipolaridade que caracterizou o período, vivendo momentos de rivalidade e confrontação, mas também de cooperação.

A notável expansão das Nações Unidas em organizações setoriais, comissões especializadas, conferências etc.; a universalidade de sua agenda; o constante aumento do número de seus Estados-membros, indicam o quanto a dimensão cooperativa sobreviveu, apesar de tudo, ao caráter polarizado da Guerra Fria. Ao contrário, todas as tentativas de torná-la um instrumento para a derrocada de um dos lados, ou para aprisionar ambas as superpotências à chantagem dos não-alinhados, conheceram um sucesso apenas mitigado. De modo que é possível sustentar a hipótese de que a ONU, no período da Guerra Fria, manteve-se essencialmente a serviço da mútua contenção das superpotências. Nesse sentido, terão podido avançar os temas da agenda não conflitante com os interesses de uma ou de ambas as superpotências, prevalecendo o impasse com relação aos temas ou conflitos cuja resolução implicasse, ao contrário, alterar o equilíbrio existente entre elas.

Sendo verdadeira esta hipótese, não será difícil entender por que o sucesso das nu numa ordem internacional bipolarizada aparece como fracasso. Por um lado, quanto mais a agenda de temas e conflitos capazes de romper a estratégia de mútua contenção fosse neutralizada, mais bem sucedida teria sido a Organização, porém, maior seria a frustração resultante entre aqueles que não se sentissem diretamente concernidos pelo risco de ruptura da contenção. Neste caso poderíamos incluir tanto os que apostavam mais na confrontação do que na mútua contenção, quanto aqueles que se julgavam beneficiários de um direito de chantagem contra os dois lados.

Por outro lado, quanto mais avançasse a agenda de temas não-sensíveis e o equacionamento de determinados conflitos, isto é, aqueles cuja resolução não era suscetível de alterar o equilíbrio bipolar, maior seria também a frustração dos que esperassem resultados relevantes, já que tais temas e conflitos eram resolvidos na proporção direta de sua irrelevância para a ordem internacional. É preciso frisar que, na ordem polarizada da Guerra Fria, todos os temas e conflitos são potencialmente politizáveis e suscetíveis de polarização, tornando ínfima a margem de irrelevância para a estratégia de mútua contenção, por mais que tais temas e conflitos pudessem ser vitalmente relevantes para setores consideráveis da humanidade.

Ao avizinhar-se o final da década de 80 e, com ela, da Guerra Fria, esse quadro tende a tornar-se menos suportável por diferentes razões, dentre as quais gostaria de destacar alguns aspectos. Em primeiro lugar, a estratégia de contenção da expansão do adversário, em que estavam engajadas ambas as superpotências, passou a incluir uma dimensão crescente de cooperação direta, que avançou rapidamente e prescindiu das nu. Isso provocou um sentimento de exclusão não apenas entre países não alinhados, como em aliados secundários e até entre os principais aliados de ambas as superpotências. Prevaleceu, no entanto, o sentimento oposto, isto é, de que o aumento da cooperação redundaria nos chamados dividendos da paz, entre os quais se incluiria, além das hipotéticas transferências orçamentárias provenientes da redução dos gastos com defesa e segurança, maior capacidade resolutiva com respeito à agenda internacional.

Entretanto, os dividendos da cooperação nos campos da defesa e da segurança, em termos de custos de informação e de transação, não fluíram para outros campos tão naturalmente como se poderia esperar. Assim, por exemplo, a considerável redinamização do Conselho de Segurança não correspondeu a um aumento da eficiência no tratamento da agenda não-relativa à defesa e à segurança, particularmente no que diz respeito à Assembléia Geral.

Em conseqüência, a agenda continuou se expandindo ao mesmo tempo em que aumentava a expectativa de resolução. A eficiência no tratamento da agenda, entretanto, não somente não aumentou, mas pode ter diminuído. De fato, a necessidade de resolução das questões não diretamente relacionadas com defesa e segurança das superpotências diminuiu, à medida em que a probabilidade de tais questões se tornarem um risco para a paz mundial reduziu-se drasticamente.

Além disso, a agenda também cresceu devido a fatores autônomos. O principal deles é a transnacionalização, fenômeno permanente na história do mundo civilizado, mas que se acelerou e tomou dimensões globais nas últimas décadas. A transnacionalização é a propriedade que têm certos fenômenos de projetar seus efeitos através das fronteiras nacionais. Sua generalização e aceleração vertiginosa, que a tornam instantânea para todos os efeitos práticos, golpeiam profundamente as prerrogativas dos Estados nacionais como atores exclusivos das relações internacionais.

À transnacionalização de determinados efeitos das atividades econômicas e sociais, corresponde hoje a transnacionalização dos processos de formação de opinião pública e de organização de interesses e circulação de idéias. Com isso, os Estados não somente perderam o monopólio da definição da agenda internacional mas, em grande, parte esta é hoje determinada pela opinião transnacional, no sentido de que seus temas e idéias, quando não avançados por organizações e movimentos não-governamentais, só prosperam ao contar com seu beneplácito.

Esse conjunto de circunstâncias contribuiu para simultaneamente expandir a agenda das nu e inflar as expectativas com relação ao seu papel, sem que a isso correspondesse um aumento proporcional de sua capacidade de resolução. Precipitou-se, assim, uma grande insatisfação com a Organização, tanto em seu aspecto político quanto administrativo. Desde a década de 80 essa insatisfação se manifestou em termos de uma demanda de reforma. Quanto à necessidade de reforma, o consenso é amplo, mas aí também ele cessa. Quanto ao que reformar, com quais objetivos e com que extensão, tudo está sujeito a divergências de fundo.

Parte significativa dessa indefinição deve-se ao fim da Guerra Fria, e à indefinição sobre a função que as nu deveriam desempenhar no novo contexto. Isto, a meu ver, coloca um problema intransponível, já que nos encontramos em um período de transição, de uma ordem internacional polarizada e dominada pela estratégia de mútua contenção entre as superpotências, para um contexto cujo ordenamento ainda não está dado. Nesse sentido, a conclusão óbvia é de que seria prematuro, enquanto uma tal nova ordem não se materializar, definir as bases para uma reforma de fundo da Carta das Nações Unidas, isto é, uma reforma que implique a redefinição do seu papel na ordem mundial.

Por isso mesmo, meu objetivo aqui não é o de discutir um novo perfil para a ONU na nova ordem internacional que se desenha mas, antes, o de examinar alternativas de reordenamento das relações internacionais e, dentro delas, o papel que as nu poderiam desempenhar.

Alguns aspectos do atual período de transição devem ser considerados, à medida em que apontam possíveis limites para o desenvolvimento dessa mesma transição. Três deles vêm sendo por mim ressaltados em diversos contextos e publicações: trata-se dos fenômenos de despolarização, de dissociação hegemônica e de transnacionalização, este último já abordado.

Os dois primeiros resultam da forma como se desfez a chamada bipolaridade que determinava o modo de ordenamento das relações internacionais na Guerra Fria. O mundo em que vivemos na maior parte deste século foi um mundo bipolarizado ou, mais precisamente, de hegemonia polarizada. Dois protagonistas exerceram, entre o final dos anos 40 e o final dos anos 80, uma hegemonia completa sobre pólos opostos, no conjunto das dimensões que importam para descrever a ordem mundial. Assim, uma polaridade basicamente política ou estratégica, entre os EUA e a URSS, dividia os Estados em economias opostas, formas opostas de organização da sociedade, ideologias e valores opostos e excludentes.

Longe de redundar em monopolaridade, multipolaridade ou outros atentados ao vernáculo, a transição pela qual estamos passando resultou na persistência de apenas uma superpotência com recursos globais de liderança política e supremacia militar, os EUA. Do ponto de vista econômico, entretanto, não somente a única superpotência restante já não detém a primazia da competitividade, mas a compartilha com um grupo de países, sem cuja cooperação, nem mesmo sua supremacia militar poderia ser exercida em caráter permanente.

Como vemos, portanto, nem os EUA constituem um pólo político e militar, nem o fim da Guerra Fria resultou na criação de um novo pólo oposto aos americanos, processo que, se não pode ser afastado a longo prazo, tampouco se encontra delineado no horizonte visível. Por outro lado, ainda, as potências capazes de rivalizar com os EUA no plano econômico não constituem um pólo oposto à superpotência em qualquer sentido da palavra, nem em termos políticos e militares, nem em termos comerciais, nem em termos de organização da economia, nem em termos ideológicos ou de valores.

Menciono estes dois últimos campos - da ideologia e dos valores - apesar da hipótese de Samuel Huntington a respeito do conflito entre civilizações como sendo o princípio que determinaria cooperação e conflito na nova ordem mundial. Quaisquer que sejam as vantagens e limitações dessa hipótese, que são ambas inúmeras, ela não implica uma polarização do tipo da que caracterizou a Guerra Fria. Ao contrário, a oposição civilizacional apontada por Huntington teria caráter excludente, prevalecendo sobre as demais diferenças e semelhanças, políticas, ideológicas ou econômicas, porém, na medida que não está associada a elas, mas as cruza, não atrairia tais diferenças e semelhanças em direção a pólos igualmente opostos e excludentes de organização da economia e da sociedade.

É essa situação que chamo despolarizada. À hegemonia dissociada correspondem dois aspectos implícitos no quadro exposto. Por um lado, a perda da supremacia econômica restringe a capacidade dos eua para tornar a liderança política e militar em hegemonia. Ao mesmo tempo, a persistência da liderança política e militar compromete, em função dos compromissos globais que ela implica, sua capacidade de recuperar a competitividade econômica. Por outro lado, as potências capazes de rivalizar com a superpotência americana em termos comerciais e financeiros não parecem dispostas a pagar os custos da liderança política e da capacidade de decisão militar que uma disputa pela hegemonia global poderia implicar.

Gostaria de acrescentar aqui outro fenômeno, este com repercussões maiores na ordem da percepção, embora com considerável impacto sobre a realidade: trata-se do que poderíamos chamar de descontenção. Um breve recuo ao contexto da Guerra Fria se impõe para melhor ilustrar o ponto de vista que estou defendendo.

Que a estratégia da mútua contenção presidia a atuação externa das duas superpotências, não parece sujeito a controvérsias. Menos clareza subsiste, entretanto, sobre o objetivo dessa estratégia. Para uns, ela estava a serviço de um princípio, para outros, a serviço de interesses econômicos.

Para muitos eram as identidades e oposições ideológicas que inspiravam a cooperação e provocavam o conflito. Entre estes inclui-se Huntington, para quem tal papel caberia, hoje, às identidades civilizacionais ou, mais precisamente, religiosas. Outros tantos atribuem à necessidade de expansão dos mercados a lógica excludente que levou à hegemonia polarizada.

Depois que o fim da Guerra Fria eliminou consideravelmente a barreira retórica que envolvia o estudo das relações Leste-Oeste, tornou-se evidente que nem o interesse econômico nacional, nem os princípios ideológicos, tais como a defesa da democracia, da liberdade dos povos, ou dos valores cristãos, prevaleceram contra os interesses políticos implicados na contenção da expansão do bloco rival. Com efeito, enquanto os exemplos de sacrifício do interesse econômico nacional, ou dos princípios e valores de cada uma das superpotências podem ser facilmente enumerados, não se conhece caso em que o objetivo da contenção da expansão do bloco oposto tenha sido sacrificado ao interesse econômico nacional ou a princípios e valores de uma das superpotências. De tal maneira que se pode dizer que a resultante geral da mútua contenção era a estabilidade das relações internacionais e, particularmente, do equilíbrio de poder existente entre as duas superpotências.

Se tal era a resultante, isto equivale a dizer que, qualquer que fosse a motivação - seja em termos de interesses ou de princípios - que deu origem à estratégia de mútua contenção, o objetivo efetivamente atingido foi a estabilidade do sistema de relações internacionais. Afirmar ter sido a estabilidade o objetivo efetivamente atingido não quer dizer que, em determinadas circunstâncias, um lado não obtivesse sua própria expansão, como ocorreu com a União Soviética em Cuba, expansão que, no entanto, permaneceu restrita ao objetivo geral de contenção da expansão do adversário.

Com o desaparecimento da ameaça representada pela expansão do adversário, a estratégia de mútua contenção perdeu sua razão de ser. E, com ela, a consciência da ameaça à paz mundial representada pelo risco de instabilidade das relações internacionais. O que chamo descontenção é essa espécie de euforia que acometeu parte das lideranças e da opinião internacional: malcomparando e parafraseando Nietzsche, "se o Diabo não existe, tudo é permitido".

O que chamo descontenção é bem-representado pelo fato de que não se tenha notícia de um momento sequer de consideração dada à idéia de manter-se a estabilidade das relações internacionais como o interesse vital comum das nações, capaz de erigir um sistema global de segurança coletiva e redefinir as funções das nu para além da Guerra Fria. Em comparação, quanta tinta já não se gastou em tentativas de justificar o reordenamento das relações internacionais em função, não de interesses vitais, mas de princípios, como a democracia, o mercado, os valores da civilização cristã, o desenvolvimento etc.

Para tanto, contribuiu o forte impulso principista representado pela crescente capacidade da opinião transnacional de influir na formação da agenda global. Como os movimentos e organizações transnacionais são o oposto dos grupos de pressão clássicos, isto é, tendem a formar-se em torno de fins abstratos, e não de interesses imediatos, sua agenda é uma declaração de princípios, e sua índole ativista.

Dentro desse quadro, gostaria que permanecesse como contribuição à reflexão de hoje a consciência do risco que o avanço de uma agenda ativista e principista pode representar para o interesse nacional e a segurança global, quer na definição da grande estratégia das principais potências, quer na do papel das nu. Qualquer que seja o princípio adotado, dentre os que têm aflorado na agenda transnacional - da preservação ambiental à solidariedade humanitária, passando pelo ativismo na ampliação da democracia - levará inexoravelmente a um mundo intervencionista, beligerante, inseguro.

Num tal mundo, dependendo do princípio adotado e da premência do ativismo, longas seriam as listas de candidatos à intervenção. E a China estaria em todas elas. Dentre os menos votados, o Brasil provavelmente disputaria inúmeros quesitos, desde o risco ambiental, à violência contra menores, passando pela pobreza e pelo tráfico. Mesmo no quesito abertura do mercado, em que o país se tem esmerado ultimamente, sua inclusão na lista de espera, em decorrência da volatilidade de suas políticas, seria mais do que certa.

A escolha dos dois países é proposital porque pode proporcionar um bom teste para qualquer hipótese de reordenamento das relações internacionais. Qualquer princípio que exclua a China, ou que faça dela alvo de ingerência, pode constituir um impulso vigoroso na direção de uma nova polarização, sem falar no risco imediato de confrontação. Qualquer princípio que exclua o Brasil, ou o torne alvo de ingerência externa aberta, dificilmente poderá ser aceito como convergente com o interesse nacional. Isso deveria valer para qualquer país, mas obviamente se deixa ver melhor quando se trata do nosso.

Assim, tudo se passa como se devêssemos buscar um reordenamento das relações internacionais, cujo objetivo - além de ser minimalista no sentido de estreitar e não de estender a lista de princípios considerados - seja construído a partir do interesse vital dos Estados. Se assim for, o mais indicado, no que diz respeito a uma reformulação da Carta das NU, será a adoção de uma agenda igualmente minimalista, voltada para esse objetivo estratégico, centralizado no Conselho de Segurança e na Assembléia Geral, que assim deixaria de ser o fórum universalista, retórico e consideravelmente inoperante em que se transformou.

Quanto à ampla gama de questões setoriais e à expansão de direitos resultante da transnacionalização, nada impede que continuem florescendo fóruns paralelos, desde que rigorosamente subordinados ao objetivo estratégico central da Organização. Tais fóruns jamais pecarão demasiado por irrelevância. Mas poderão pecar, ao contrário, se se tornarem instrumentos relevantes de neutralização ou de reversão do objetivo central do sistema. Tal objetivo deveria ser, a meu ver, o mesmo da Guerra Fria, isto é, a estabilidade da ordem internacional.

Por estabilidade da ordem internacional estou entendendo não somente a ausência de ruptura da legalidade vigente nas relações internacionais bilaterais e multilaterais, como também a ocorrência de alterações consensuais ou negociadas dessa legalidade. Por corolário, estariam incluídos nesse escopo a vigilância sobre aqueles elementos que sabidamente constituem fatores determinantes de instabilidade externa e, em primeiro lugar, a instabilidade política doméstica. Aí estariam incluídos, portanto, muitos dos fenômenos transnacionais que hoje aspiram à função de reordenar as relações internacionais, tais como os grandes riscos ambientais, sociais e econômicos - como por exemplo o risco que a volatilidade dos capitais provoca para as economias nacionais - sempre da ótica da ameaça que podem representar para a estabilidade doméstica e, portanto, para a estabilidade externa dos Estados.

Sei que isto tudo soa pouco excitante e conservador. Mas, entre as poucas coisas que aprendi sobre as relações internacionais, está a noção de que o mundo, e a onu como parte dele, é o que pode ser, e não o que gostaríamos que fosse.

José Augusto Guilhon Albuquerque é professor titular da USP, onde liderou a criação do Departamento de Ciência Política e do Núcleo de Relações Internacionais, e atualmente preside a Comissão de Cooperação Internacional. Foi professor visitante na Cátedra Jacques Leclerq, da Université Catholique de Louvain (Bélgica), e na Georgetown University (EUA).
Palestra feita pelo autor no Colóquio A Carta de São Francisco: 50 anos depois, organizado pela Área de Assuntos Internacionais do Instituto de Estudos Avançados na Sala do Conselho Universitário da usp no dia 23 de junho de 1995.

Print version ISSN 0103-4014On-line version ISSN 1806-9592
Estud. av. vol.9 no.25 São Paulo Sept./Dec. 1995

A nova ordem mundial segundo Pequim

 


Ascensão da China a potência mundial já é realidade há muitos anos, mas não está claro até onde vão as pretensões hegemônicas do gigante asiático, e que papel ele vai reivindicar para si.

19º congresso do Partido Comunista Chinês, 2019

Xi Jinping (c) e outros membros do politburo durante o 19º congresso do Partido Comunista, em 2019

Em outubro de 2017, durante o 19º congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), o presidente Xi Jinping declarou que uma nova era havia se iniciado para a China, a qual, "dia após dia, se aproxima do centro do palco mundial".

Mas o que seria uma ordem mundial com a China no centro? "Minha impressão é que as próprias forças políticas em Pequim não sabem exatamente o que querem. Eu diria que elas experimentam segundo Deng Xiaoping", comenta o cientista político alemão Gu Xuewu.

O líder político Xiaoping (1904-1997), que introduziu as reformas econômicas na China na década de 80, cunhou o slogan "Atravessar o rio tateando, pedra após pedra".

Essa incerteza se manifesta também no debate – complexo e cheio de nuances –sobre o papel da China no mundo, conduzido pelos intelectuais do país. A gama das discussões vai desde a aceitação da atual ordem mundial até a ideia de que a China é uma nação predestinada, e o mundo inteiro deve se submeter a sua vontade.

A palavra final em todos os debates na China é sempre do partido, que não tem a ordem mundial como prioridade, analisa o ex-embaixador da Alemanha no país asiático Volker Stanzel. "Ou seja, não há um interesse primário numa ordem mundial reformulada ou no funcionamento da atual ordem mundial, mas em que a China possa se mover no mundo de modo que sejam implementáveis as pretensões do Partido Comunista, as quais servem à manutenção do poder."

Segundo Gu, mesmo assim percebem-se alguns elementos centrais de como a China imagina o mundo: "Em resumo, pode-se dizer que a China deseja uma ordem mundial que seja politicamente multipolar, funcionalmente multilateral e ideologicamente pluralista."

Multipolar é um mundo com mais de um centro de poder, por exemplo Estados Unidos, China, Europa, Rússia e talvez a Índia. Multilateral é um mundo no qual nenhum país dita a agenda mundial, e ela é constantemente negociada entre os vários centros de poder. E ideologicamente pluralista significa que não há apenas uma forma de governo aceita (por exemplo a democracia liberal), mas várias formas de governo válidas.

O primeiro ponto já é realidade, afirma Gu: "Vivemos num mundo multipolar." A clara divisão bipolar entre os blocos americano e soviético, durante a Guerra Fria, e a curta fase de hegemonia americana depois da queda do Muro de Berlim há muito já deram lugar a um mundo multipolar.

Já o multilateralismo é associado pela cúpula chinesa à ideia da humanidade como uma "comunidade de destino compartilhado". Xi apresentou esse conceito no exterior pela primeira vez no Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, em março de 2013, mencionando-o novamente em discurso no Fórum Econômico de Davos, em janeiro de 2017.

Na ocasião, o presidente chinês rejeitou o isolacionismo e posicionou a China como apoiadora do multilateralismo. Stanzel, porém, observa que o discurso chinês de uma comunidade mundial com um futuro compartilhado continua sendo um lugar-comum sem significado concreto. "Num mundo globalizado, nosso destino está interligado. Isso não chega a ser um conceito."

A expressão precisaria ser preenchida, por exemplo com a exigência de um fortalecimento do direito internacional ou das instituições internacionais. Mas nisso a China tem pouco interesse, do mesmo modo que os EUA, observa Gu. "Ambos aceitam o direito internacional quando ele serve aos próprios interesses e o rejeitam quando os contraria."

O debate sobre um mundo ideologicamente pluralista, no qual o regime autoritário da China seria uma alternativa em pé de igualdade com a democracia liberal, está há anos em andamento. A China quer melhorar sua imagem no mundo. Os Institutos Confúcio espalham a língua e a cultura chinesas. Investidores chineses compram empresas de mídia na África e moldam a imagem da China por meio das redes sociais ou dos chineses no exterior.

As Nações Unidas também estão no foco da China, observa Stanzel. "A China tem a presidência de quatro instituições internacionais, duas vezes mais que os EUA, e usa não apenas essa posição, mas também sua própria atuação nessas instituições, para consagrar seu linguajar político em documentos da ONU."

Entretanto o balanço dessas tentativas de melhorar a imagem ou de estabelecer uma narrativa chinesa é misto. Na África, elas funcionam: "Quanto mais um país africano estiver economicamente ligado à China, mais bem-sucedida ela", explica Stanzel. Já em países industrializados, como a Alemanha, a imagem tem piorado, em parte também por causa dos acontecimentos em Hong Kong e em Xianjiang.

As detenções e tentativas de conversão de centenas de milhares de muçulmanos uigures na região autônoma de Xianjiang e o amplo cerceamento à liberdade dos moradores de Hong Kong, com a entrada em vigor da nova lei de segurança, elevaram a desconfiança em relação à China na Europa e EUA.

Manifestantes são detidos pela polícia em Hong Kong, depois da entrada em vigor da nova lei de segurança

Manifestantes foram detidos pela polícia depois da entrada em vigor da nova lei de segurança de Hong Kong

Também a assim chamada Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative), inicialmente recebida como maior projeto de infraestrutura do mundo, passou a receber críticas nos EUA e na Europa por supostamente elevar a dependência de países economicamente mais fracos em relação à China.

O politólogo Gu Xuewu não crê que a China almeje o papel de única potência global, atestando, antes, um problema de percepção de americanos e europeus, pois "quem quer liderar deve estar apto a oferecer bens gerais gratuitamente e ter uma certa ambição missionária para tentar impor determinadas ideias globalmente". E Pequim não preencheria esses requisitos: "A China não quer tomar o lugar dos EUA e até mesmo teme assumir tarefas desse tipo."

Mas mesmo se a China não almeja o status de líder global hegemônico, a liderança em Pequim certamente acredita que ao país cabe a supremacia na Ásia. Já em 2014 Xi exigiu, num discurso, "a Ásia para os asiáticos". Uma declaração do então ministro do Exterior Yang Jiechi, em 2010, durante encontro da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), deixou claro o que isso significa na prática: "A China é um país grande, e outros países são pequenos. Isso é simplesmente um fato."

Em nenhum outro local as pretensões chinesas se tornam mais claras do que no Mar da China Meridional. A China tenta afastar de lá não apenas os EUA, mas também os seus vizinhos asiáticos, e assim colocar sob seu controle importantes rotas marítimas e matérias-primas. Para os países da periferia chinesa, isso significa instabilidade, pressão crescente para tomar partido – ou China ou Estados Unidos – e o risco de um confronto militar.

A questão mais importante é se a ascensão chinesa e o deslocamento da ordem mundial que implica necessariamente levarão a uma guerra. A crescente tensão no Mar da China Meridional pode ser um prenúncio disso, avaliam especialistas. Em 2014, o cientista político americano John J. Mearsheimer escreveu: "O resultado [da ascensão da China] será uma concorrência intensiva em segurança, com enorme potencial de guerra. Em resumo, a ascensão da China provavelmente não será tranquila".

O especialista Ming Xia, da City University de Nova York, é ainda mais enfático: "Não creio numa coexistência da China e do Ocidente, se a China mantiver seu próprio sistema". Para Stanzel, o Partido Comunista não está interessado numa guerra, mas esse perigo existe por causa do "agressivo" comportamento chinês, por exemplo no Mar da China Meridional

O que é a Nova Ordem Mundial




Entre os mais diversos temas abordados no Enem e em outros vestibulares, a Nova Ordem Mundial é um dos mais recorrentes. Por esse motivo, é bom saber mais sobre o assunto para se preparar para os exames.

A Nova Ordem Mundial, o espaço geopolítico e a globalização estão todos interligados, sendo assim, é fundamental a compreensão dos fatos que cercam esses assuntos. Se você ainda não está por dentro do tema, não tem problema. Neste post, listamos todas as informações que você precisa saber.

Continue a leitura e saiba o que é a Nova Ordem Mundial, as mudanças na hierarquia internacional, entenda mais sobre a “Guerra ao Terror” e veja qual é a relação do Brasil com o tema.

O que é a Nova Ordem Mundial

A Nova Ordem Mundial é o contexto econômico, político e militar que envolve os Estados no plano internacional. Ela surgiu depois da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria. Dessa maneira, foi consolidado o sistema capitalista, tendo os Estados Unidos da América como a potência mundial principal.

Depois desses dois fatores históricos, o mundo adquiriu uma nova configuração política. O capitalismo e a soberania dos Estados Unidos tomou o mundo todo (exceto Cuba, China e Coreia do Norte), e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) se tornou o maior tratado militar internacional.

Se antes o mundo tinha uma “Ordem Bipolar” (capitalismo x socialismo), depois da Guerra Fria passou a ser “unipolar”, já que os Estados Unidos mantinham a soberania do ponto de vista militar. Isso significa que havia baixa possibilidade de outro país ter qualquer tipo de rivalidade com eles, militarmente falando.

Há mais uma expressão utilizada na Nova Ordem Mundial, que é a “multipolaridade”. Ela diz que o poderio militar não era mais o principal critério para estabelecer a potencialidade de um país, mas sim o poderio econômico.

Nessa questão, outras novas frentes puderam rivalizar com os Estados Unidos: Japão e União Europeia, seguidos da China. Por último, há o terceiro conceito: a “unimultipolaridade”, que reconhece a supremacia militar e política norte-americana e os múltiplos centros de poder econômico.
Nova Ordem Mundial: resumo

Após a derrubada do Muro de Berlim, em 1989, e a dissolução da União Soviética, em 1992, a antiga Ordem Mundial não cabia mais. A partir daí, surgia uma Nova Ordem Mundial, em que a bipolaridade capitalismo x socialismo deixou de existir, dando espaço para o domínio dos Estados Unidos como potência política e militar.

Por conta da globalização, expandiram-se as transações econômicas, surgindo novos blocos. Com isso, novos países se destacaram nesse campo, como a Alemanha e o Japão. Podemos dizer que a Nova Ordem Mundial é caracterizada pela unipolaridade na área militar e política, e pela multipolaridade na economia.
Mudanças de hierarquia internacional

A Nova Ordem Mundial trouxe uma necessidade de reclassificar a hierarquia entre os Estados Nacionais. Os que se classificavam como países de primeiro, segundo e terceiro mundo, conforme o desenvolvimento socioeconômico, passaram a ser chamados de países do norte (desenvolvidos) e países do sul (subdesenvolvidos).

Nesse caso, a linha imaginária de divisão não segue a linha do Equador, nem tampouco a divisão norte-sul cartográfica. Na verdade, os critérios de classificação são econômicos, e não geográficos.

Mesmo países que se encontram no hemisfério norte, como México e Índia, são considerados países do sul (subdesenvolvidos). Da mesma forma, países localizados no hemisfério sul, como Austrália e Nova Zelândia, estão classificados como países do norte.
A “Guerra ao Terror”

Depois da Guerra Fria, os Estados Unidos mantiveram a supremacia bélica, embora a Rússia tenha ficado com grande parte do arsenal nuclear da União Soviética. Isso aconteceu porque o país entrou em uma crise durante os anos 90, impedindo que conservasse o arsenal — já que para tal é preciso ter muito dinheiro.

Por conta disso, os Estados Unidos precisavam de um novo inimigo para justificar os investimentos pesados em armamentos e tecnologias de guerra. Foi aí que, em 2001, surgiu esse rival: a organização terrorista Al-Qaeda, no atentado de 11 de setembro em solo norte-americano.

Sob a presidência de George W. Bush, os Estados Unidos começaram uma “Guerra ao Terror“, gastando centenas de bilhões de dólares com a invasão do Afeganistão e a perseguição dos líderes da organização terrorista, como o Osama Bin Laden.

Características da Nova Ordem Mundial

Algumas das características da Nova Ordem Mundial são o fortalecimento da globalização, o crescimento do neoliberalismo e o surgimento de novos blocos econômicos. Com a expansão dos sistemas financeiros internacionais, a facilidade de transporte e a ampliação da internet, a comunicação entre o mundo todo se tornou mais fácil.

Os blocos econômicos não eram algo novo, mas começaram a ganhar mais importância depois da Guerra Fria. Por conta da competitividade criada pelo aumento da globalização e do neoliberalismo, países precisavam se fortalecer e se proteger.

Em função disso eles se uniram, formando essa modalidade econômica. Alguns exemplos disso são a União Europeia, o Mercosul, o APEC e o Nafta.
Nova Ordem Mundial no Brasil

E o Brasil nessa história toda? O nosso país também teve mudanças significantes nos campos político e econômico. A ditadura militar foi encerrada e a democracia presidencialista foi instaurada. A partir daí, os governos adotaram uma política neoliberal, que minimiza a participação do Estado na economia.

Dessa maneira, o país seguiu uma tendência internacional, em que os países desenvolvidos pressionaram os subdesenvolvidos para a adoção dessa política. Algum tempo depois, o Brasil participou de duas frentes internacionais que se contrapuseram ao domínio dos países desenvolvidos.

O Brasil retomou os ideais de esquerda, que também tomou boa parte da América Latina, contestando os Estados Unidos, que foram um dos maiores responsáveis pelo fracasso da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA.

Então, o Brasil integrou o grupo BRICS, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que eram as principais economias emergentes. Elas se uniram de maneira informal para tomar ações estratégicas nos campos econômico e político internacional.

De modo geral, podemos dizer que a participação do Brasil na Nova Ordem Mundial foi de buscar por melhores condições para a promoção do desenvolvimento. Para isso, é preciso encontrar uma forma de evoluir no plano tecnológico e industrial, com o objetivo de reduzir a sua dependência da Divisão Internacional do Trabalho.

A Nova Ordem Mundial é a forma como o mundo se reorganizou após a Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim. Se antes havia uma bipolaridade política, econômica e militar, com esse novo contexto passou a existir uma unimultipolaridade. Não se esqueça que esse tema cai nos vestibulares, por isso é preciso estar por dentro!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

O primeiro museu de sexo do Brasil será em Gramado/RS


(Foto: Museu do Sexo Amsterdam)

    A coluna teve acesso a um folder anunciando a abertura do Sex Museum em Gramado. De acordo com o folheto, o empreendimento será inaugurado na avenida das Hortênsias, no bairro Avenida Central, e será "o primeiro e único museu de sexo do Brasil". No local, anteriormente, funcionava uma loja de móveis.

    De fato, museus sobre sexo não são comuns no mundo. Uma pesquisa na internet, mostra que em 2016 existiam sete deles no planeta, sendo o mais famoso em Amsterdam, na Holanda. Os outros estão localizados em São Petesburgo, Praga, Miami, Las Vegas, Seul e San Francisco.

by MIRON NETO

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Uma Trama Macrabra montada pelo Juiz, Governado do RJ, evangélico Wilson Witzel. Um brasileiro que teve tudo para ser um homem do Bem e fazer toda a diferença. Caso oJUDICIÀRIO BRASILEIRO volte á JULGAR CRIMES cometidos pelo GOVERNADOR e não CONTINUE JULGANDO PESSOAS COMO VEM FAZENDO, O JUIZ AMIGO E CAMARADA, talvez seja Witzel, de fato MENOS UM. Quiçá sirvisse de exemplo á magistratura brasileira.

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I – O FATO

A organização criminosa, montada no governo Witzel, foi dividida em três eixos pela força-tarefa federal: os braços liderados pelo presidente nacional do PSC, Everaldo Dias Pereira, o pastor Everaldo; pelo empresário Mário Peixoto; e pelo empresário da área de ensino José Carlos de Melo, pró-reitor administrativo da Universidade Iguaçu (Unig).

Além do envolvimento da primeira-dama, a investigação destaca como principais operadores, ligando Witzel ao esquema de desvios, o advogado e ex-secretário estadual de Desenvolvimento Econômico Lucas Tristão e o médico e ex-prefeito de Volta Redonda Gothardo Lopes Netto, apontado como o braço-direito do governador.

Wilson e Helena Witzel, o pastor Everaldo, Lucas Tristão, Gothardo e outros envolvidos foram denunciados no STJ por corrupção e lavagem de dinheiro. "Como se vê, é exatamente o mesmo grupo criminoso que está sob investigação. A diferença é que, limitado pelo foro constitucionalmente deferido aos governadores, o Ministério Público do Rio de Janeiro não quebrou os sigilos, não realizou busca e apreensão e não teve acesso a elementos de prova que claramente colocam Wilson José Witzel no vértice da pirâmide, atraindo, sem nenhuma dúvida, a competência do STJ."

No Rio de Janeiro, desde a época das eleições de 2018, o nome de Mário Peixoto era falado como vinculado ao então candidato Witzel.

Aliás, Mário Peixoto era “figura marcada” pelos desvios na administração Sérgio Cabral, de triste memória.

A peça acusatória de 119 páginas enumera a participação de Witzel em suposto esquema que desviou recursos do combate ao novo coronavírus.

A denúncia também aponta pagamentos feitos por empresas ligadas a Mário Peixoto, preso na Lava Jato, e pela empresa da família de Gothardo Lopes Netto, ex-prefeito de Volta Redonda (RJ), ao escritório de advocacia da primeira-dama Helena Witzel, que ‘foi utilizado para escamotear o pagamento de vantagens indevidas ao governador, por meio de contratos firmados com pelo menos quatro entidades da saúde ligadas a membros da organização criminosa e recebimento de R$ 554.236,50, entre agosto de 2019 e maio de 2020’

As contratações teriam sido ‘um artifício para permitir a transferência indireta de valores’.

Na denúncia apresentada ao STJ, a PGR sustenta que Wilson Witzel embolsou uma fortuna em propina nesse 1 ano e 8 meses de governo. A grana, argumenta o MPF, foi paga por empresas ligadas a Mario Peixoto, que está preso.

Sustentam os procuradores:

[...] de agosto de 2019 a abril de 2020, em pelo menos 21 oportunidades, com o auxílio de sua mulher e de Lucas Tristão, o governador solicitou, aceitou e recebeu vantagens indevidas no valor de R$274.236,50 (duzentos e setenta e quatro mil, duzentos e trinta e seis reais e cinquenta centavos), ofertada e paga pelo empresário MÁRIO PEIXOTO, com o auxílio de ALESSANDRO DE ARAÚJO DUARTE,CASSIANO LUIZ DA SILVA, JUAN ELIAS NEVES DE PAULA e JOÃO MARCOS BORGES MATTOS.

II – A DENÚNCIA FORMULADA PELO PARQUET

Da denúncia, tem-se o que segue:

“No período de 24/03/2020 a 19/05/2020, em ao menos 4 oportunidades distintas, WILSON JOSÉ WITZEL, em razão do exercício do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro, com o auxílio de HELENA ALVES BRANDÃO WITZEL, aceitou promessa e recebeu vantagem indevida no valor de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais), ofertada e paga pelo empresário GOTHARDO LOPES NETTO, que agiu com o intuito de obter facilidades e proteção em relação aos contratos de suas empresas com o Estado do Rio de Janeiro.

Em razão das vantagens indevidas recebidas, WILSON OSÉ WITZEL praticou, em favor de GOTHARDO LOPES NETTO, ao menos dois atos de ofício infringindo dever funcional, consistentes (1) na edição da Resolução nº 1984 de 27 de janeiro de 2020, que beneficiou a GLN SERVIÇOS HOSPITALARES E ASSESSORIA LTDA. e (2) no direcionamento da escolha da Organização Social ASSOCIAÇÃO DEPROTEÇÃO À MATERNIDADE E INFÂNCIA DE MUTUÍPE para gestão do Hospital Zilda Arns (corrupção passiva –artigo 317, § 1º, e corrupção ativa – artigo 333, ambos do Código Penal – Conjunto de Fatos 01).

Consumados os delitos antecedentes de corrupção ativa e passiva (artigos 333 e 317 do CP), no período de 24/03/2020 a19/05/2020, em, ao menos, 4 oportunidades distintas, WILSON JOSÉ WITZEL e GOTHARDO LOPES NETTO, com o auxílio de HELENA ALVES BRANDÃO WITZEL, de modo consciente e voluntário, em unidade de desígnios, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem, a localização, a disposição, a movimentação e a propriedade do montante de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais), por intermédio de organização criminosa, convertendo em ativos lícitos o produto de crimes de corrupção e distanciando o dinheiro de sua origem ilícita, mediante a confecção de contrato simulado entre as sociedades empresárias HOSPITAL JARDIM AMÁLIA LTDA. (HINJA) (CNPJ nº32.513.459/0001-85)e o escritório de advocacia HELENA WITZELSOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA, de propriedade de HELENAALVES BRANDÃO WITZEL, e emissão de notas fiscais ideologicamente falsas, relativas a serviços advocatícios não prestados (lavagem de ativos –artigo 1º, § 4º da Lei nº 9.613/98 – Conjunto de Fatos02).

No período de 13/08/2019 a 17/04/2020, em ao menos 21 oportunidades distintas, WILSON JOSÉ WITZEL, em razão do exercício do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro, com o auxílio de HELENA ALVES BRANDÃO WITZEL e LUCAS TRISTÃO DO CARMO, que atuou no exercício do cargo de Secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais, de modo consciente e voluntário, em unidade de desígnios, solicitou, aceitou, promessa e recebeu vantagem indevida no valor de R$274.236,50 (duzentos e setenta e quatro mil, duzentos e trinta e seis reais e cinquenta centavos), ofertada e paga pelo empresário MÁRIO PEIXOTO, com o auxílio de ALESSANDRO DE ARAÚJO DUARTE,CASSIANO LUIZ DA SILVA, JUAN ELIAS NEVES DE PAULA e JOÃOMARCOS BORGES MATTOS, unidos pelo vínculo subjetivo, que agiu com o intuito de obter facilidades e proteção em relação aos contratos de suas empresas com o Estado do Rio de Janeiro. Em razão das vantagens indevidas recebidas, WILSON JOSÉ WITZEL praticou, em favor de MÁRIO PEIXOTO, ao menos, um ato de ofício infringindo dever funcional, consistente na revogação da desqualificação da organização social INSTITUTO UNIR SAÚDE, conforme ato administrativo proferido no processo administrativo E-08/001/1170/2019 (corrupção passiva –artigo 317, § 1º, e corrupção ativa – artigo 333, ambos do Código Penal – Conjunto de Fatos 03).

Consumados os delitos antecedentes de corrupção ativa e passiva (artigos 333 e 317 do CP), no período de 13/08/2019 a17/04/2020, em, ao menos, 21 oportunidades distintas, WILSON JOSÉ WITZEL e MÁRIO PEIXOTO, com o auxílio de HELENA ALVES BRANDÃO WITZEL, LUCAS TRISTÃO DO CARMO, ALESSANDRO DE ARAÚJO DUARTE, CASSIANO LUIZ DA SILVA, JUAN ELIAS NEVESDE PAULA e JOÃO MARCOS BORGES MATTOS, de modo consciente e voluntário, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem, a localização, a disposição, a movimentação e a propriedade do montante de R$ 274.236,50 (duzentos e setenta e quatro mil, duzentos e trinta e seis reais e cinquenta centavos), por intermédio de organização criminosa, convertendo em ativos lícitos o produto de crimes de corrupção e distanciando o dinheiro de sua origem ilícita, mediante a confecção de contrato simulado entre as sociedades empresárias DPAD SERVIÇOS DIAGNÓSTICOS LTDA. ME, COOTRAB COOPERATIVA CENTRALDE TRABALHO e QUALI CLÍNICAS GESTÃO E SERVIÇOS DE SAÚDE e o escritório de advocacia HELENA WITZEL SOCIEDADE INDIVIDUAL DEADVOCACIA, de propriedade de HELENA ALVES BRANDÃO WITZEL, e emissão de notas fiscais ideologicamente falsas, relativas a serviços advocatícios não prestados (lavagem de ativos – artigo 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 – Conjunto de Fatos 04). “

Sendo assim, o escritório da primeira-dama foi usado para "operacionalizar a prática de corrupção e posterior lavagem de capitais". De agosto do ano passado a maio deste ano, o escritório recebeu de quatro empresas um total de R$ 554,2 mil - o valor apontado pelos investigadores como o recebido pelo casal em 25 ocasiões diferentes e no qual está baseado à denúncia. Parte desse dinheiro recebido, um total de R$ 74 mil, segundo as dados obtidos durante as investigações, foi parar diretamente nas contas do governador. Witzel e a primeira-dama foram denunciados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

III – OS ILÍCITOS COMETIDOS

No contexto da trama, há os seguintes delitos: corrupção ativa, corrupção passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro.

IV – O DOMÍNIO DO FATO

Do contexto da denúncia, tinha o atual governador do Rio de Janeiro o domínio do fato.

Diversas são as teorias sobre o concurso de agentes, previsto no artigo 29 do Código Penal.

Há o critério final-objetivo.

Na linha formulada pela doutrina alemã, com base em Welzel e ainda Roxin, sou dos que entendem que a lei brasileira, com a reforma penal de 1984, adota a teoria do domínio final do fato. É o critério final-objetivo, como disse Nilo Batista, onde autor do crime será aquele que, na concreta realização do fato típico, consciente, o domina mediante o poder de determinar o seu modo e quando possível interrompê-lo.

Autor é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. Não é só aquele que executa a ação principal, o que realiza a função típica (matar, roubar, furtar, causar dano), como ainda aquele que se utiliza de uma pessoa que não age com dolo ou culpa (elemento subjetivo do tipo penal), como é o caso do autor mediato. Já o partícipe, limita-se a colaborar com o fato, dominado pelo autor e coautores, de modo finalista, podendo advir por cumplicidade ou instigação, que abrange a determinação e a instigação propriamente propriamente dita, temos a conduta que faz reforçar e desenvolver no autor direto a resolução ainda que não concretizada, mas preexistente.

Há evidente coautoria nos chamados crimes dolosos, como é o caso do roubo, furto e, ainda, dano, por exemplo. A maioria da doutrina considera que há coautoria culposa, mas descarta a possibilidade de participação culposa. Realmente, discute-se a possibilidade de comum resolução para o fato em caso de crimes culposos, onde há violação do dever. Da mesma forma, não se fala em coatoria, nos chamados crimes omissivos, crimes de dever, pois é impossível falar em domínio do fato frente à estrutura desses crimes, como já expôs Roxin, em seu Täterschaft und Tatherrschaft.

Existe a autoria mediata quando na realização de um ilícito penal, o autor se vale de um terceiro que atua como instrumento. Aqui se realça o domínio do fato, numa zona fronteiriça entre a autoria direta e a participação, não se ocupando os chamados crimes de mão própria, como é exemplo o falso testemunho, que comporta participação e não coautoria ou autoria colateral. Seu campo de aplicação está nos chamados crimes de resultado, não sendo concebível nos chamados crimes culposos ou omissivos.

Será o caso: do erro determinado por terceiro(artigo 20,§ 2º, do CP), uma hipótese de erro do instrumento a respeito de elementos objetivos do tipo legal(o médico entrega a enfermeira, que de nada sabe, veneno, para matar o paciente, seu inimigo); do instrumento que atua sob coação moral irresistível da parte do autor mediato; do instrumento que atua em estrita obediência de dever legal, em hipótese de erro de proibição, em condutas que estão envolvidas num aparelho organizador de poder, como é o caso da criminalidade inserida dentro do poder do Estado.

É a dolosa colaboração de ordem material objetivando o cometimento de um crime doloso. É o famoso caso do vigia, que fica de tocaia, observando a execução do crime pelos coautores, que matam ou roubam ou furtam.

É a dolosa colaboração de ordem espiritual objetivando o cometimento de um crime doloso.

Por determinação se compreende a conduta que faz surgir no autor direto a resolução que o conduz à execução. Por instigação, propriamente dita, temos a conduta que faz reforçar e desenvolver no autor direto a resolução ainda que não concretizada, mas preexistente.

Vem a noção do domínio do fato que é, pois, constituída por uma objetiva disponibilidade da decisão sobre a consumação ou desistência do delito, que deve ser conhecida pelo agente, isto é, dolosa. Nessa forma de pensar, o autor será aquele que, na concreta realização do fato típico, consciente, o domina mediante o poder de determinar o seu modo e, inclusive, quando possível, de interrompê-lo. Na lição de Nilo Batista, "autor é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. E não só o que executa a ação principal, o que realiza a conduta típica, como também aquele que se utiliza de uma pessoa que não age com dolo ou culpa (autoria mediata). O agente tem o controle subjetivo do fato e atua no exercício desse controle."

Assim, o chefe da quadrilha que não executa o crime é ainda autor, por ter o domínio do fato.

Para Gallas, Wessels e Jescheck, a noção de domínio do fato admite uma convivência de momentos objetivos e subjetivos. Como disse Ordeig, a doutrina do domínio do fato é “totalmente objetiva” no sentido de que esta expressão possui tradicionalmente nas teorias da participação.

Para Bacigalupo (La noción de autor, pág. 48), “quem realmente domina o fato não pode modificar essa situação por um ato de vontade”.

Para Welsel, é autor de um delito culposo quem através de uma ação que lesiona o grau de cuidado necessário no trânsito, involuntariamente, produz um resultado típico.

Qualquer grau de concausalidade para a involuntária produção do resultado típico através de uma ação que não atenda ao cuidado necessário no trânsito que fundamenta a autoria do correspondente delito culposo. Para ele, não existe, na esfera dos crimes culposos, diferença entre autoria e participação.

Na proposta Welzelniana, sistematizada por Claus Roxin, em sua tese doutoral “Autoria e Domínio do Fato”, estabelece-se três hipóteses diversas para a determinação de quem é autor de um: 1) é autor quem possui domínio da ação (caso de autoria de crime de mão própria); 2) quem possui domínio de volição e/ou cognição (caso de autoria mediata ou autoria intelectual) e 3) quem possui domínio funcional (caso clássico de co-autoria).

É importante ressaltar que a Teoria do Domínio do Fato determina o dominador como autor do crime, em hipótese distinta da já conhecida “autoria mediata” tradicional, uma vez que nesta última, o dominado é inimputável, ao contrário daquela que, enquanto dominados, figuram imputáveis.

Segundo Paulo Quezado, os requisitos objetivos básicos que norteiam a possibilidade de aplicação da Teoria do Domínio do Fato seriam: presença de estrutura de poder com organização hierárquica; fungibilidade dos executores; prova da emissão de ordem de execução delitiva do dominador para os dominados; e prova da ciência e do controle sobre a ação dos executores.

O STJ já enfrentou a questão:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E TENTATIVA DE ROUBO. CIRCUNSTANCIADO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. EXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. IMPROCEDÊNCIA.TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. PENA-BASE FUNDAMENTADA. CONTINUIDADE DELITIVA. RECONHECIMENTO.

3. Cumpre ressaltar, por relevante, que, em tema de concurso de agentes, a autoria pode se revelar de diversas maneiras, não se restringindo à prática do verbo contido no tipo penal. Assim, é possível, por exemplo, que um dos agentes seja o responsável pela idealização da empreitada criminosa; outro, pela arregimentação de comparsas; outro, pela obtenção dos instrumentos e meios para a prática da infração; e, outro, pela execução propriamente dita. Assim, desde cada um deles - ajustados e voltados dolosamente para o mesmo fim criminoso - exerça domínio sobre o fato, responderá na medida de sua culpabilidade.

(STJ, 6ª Turma, HC191444/PB HABEAS CORPUS2010/0217862-8, Min. Relator Og Fernandes, Data do Julgamento:06/09/2011)

No caso conhecido como “mensalão”, o STF utilizou-se dessa teoria.

Na América Latina, tal teoria foi utilizada para os julgamentos do ex-ditador Alberto Fujimori e da Junta Militar da Argentina.

Alberto Fujimori foi condenado como mandante de homicídios e sequestros, pois a Suprema Corte do Peru entendeu que ele dominava as ordens para tais crimes, durante o seu governo.

Já na Argentina, os comandantes da Junta Militar foram condenados admitindo-se que deles partiram as ordens para sequestro e morte de todas as pessoas opositoras do regime militar daquele país.

Necessário, pois, parcimônia em sua utilização, de modo a não haver o cometimento de excessos na análise do caso.·

· ROMANO, Rogério Tadeu. Uma trama macabra . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6273, 3 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85139. Acesso em: 27 out. 2020.

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