sábado, 22 de dezembro de 2018

João de Deus e os limites entre curandeirismo, charlatanismo, exercício irregular da medicina e a proteção da f



Saiu na Folha de hoje (23/4/12):

“João de Deus S.A.

Em Abadiânia, a fé move montanhas. De dinheiro. Atraídos pelo dom do médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, cerca de 3.000 fiéis visitam, semanalmente, a Casa Dom Inácio de Loyola, em Goiás (…)

Hoje, aos 69 anos, João de Deus é dono de pelo menos uma fazenda de 597 alqueires - o correspondente a 18 parques como o do Ibirapuera (zona sul de São Paulo) - na divisa de Goiás com Mato Grosso. Lá, uma propriedade dessa dimensão não vale menos do que R$ 2 milhões. O médium tem o garimpo como fonte de renda.

Apesar de o atendimento ser gratuito, a casa, fundada em 1976, conta com farmácia de manipulação, livraria, lanchonete e loja de cristais benzidos pelo médium. Até a água fluidificada tem valor agregado. A garrafa custa R$ 1. Energizada, vale R$ 3.
O grosso do dinheiro arrecadado vem da venda de frascos de passiflora, calmante natural fabricado pelo grupo (…) 

O frasco, com 175 cápsulas, custa R$ 50. Como a média de atendimento é calculada em mil pessoas por dia, três vezes por semana, a receita com a venda pode chegar a R$ 500 mil ao mês (…)
O complexo oferece ainda sete cabines de banho de cristal - camas em que pacientes passam por imersão de luz. O preço cobrado é de R$ 20 por 20 minutos de sessão.

Relatos sobre procedimentos do médium, que incluem cirurgias com corte, a depender da escolha do consulente, garantiram-lhe notoriedade internacional (...)

Num pátio de acesso ao salão, vídeos exibem cenas de intervenções com corte, a maior parte no olho e na barriga”.

Para a lei não há milagres. Não é que a lei diz que milagres não existem, ou que existem. Mas aquilo que não pode ser observado e explicado racionalmente, não interessa à lei. É uma questão íntima das pessoas e a lei apenas protege a religiosidade, a fé, as diferenças culturais etc. Ela não diz que religião elas devem seguir ou mesmo se devem crer (ou deixar de crer) em algo.

Mas isso não quer dizer que religião e crença não seja importante para a lei. São. Há, em especial, dois artigos no Código Penal que indiretamente lidam com a exploração da fé das pessoas.

O primeiro chama-se charlatanismo, que é uma espécie de mentira utilizando a crença do outro. Nele, o criminoso inculca ou anuncia cura por meio secreto ou infalível.

Simplesmente dizer que você pode curar alguém não é crime (se fosse, todos os médicos estariam presos). Mas dizer ou propagandear que a cura é infalível ou que você possui um meio secreto de curar as pessoas é crime. É aí que entra o charlatanismo.

Ninguém pode garantir que haverá cura (nem mesmo para um simples resfriado). Garantir que você irá curar alguém – mesmo usando meios convencionais, e ainda que você seja um ótimo médico – é crime. Da mesma forma, se você propagandeia que seu método, ainda que não gere cura garantida, é secreto, você também está cometendo o crime. Em ambos os casos, a ideia é proteger a sociedade contra pessoas que desrespeitam premissas básicas da ciência: que a cura nunca é certa e que todo método de cura precisa ser replicável e validado pela comunidade científica.

A lei não exige que alguém acredite no que foi dito ou propagandeado, e muito menos que alguém seja prejudicado por isso. Basta que a pessoa diga ou propagandeie. O que se exige é que o criminoso saiba que ele não será capaz de curar a pessoa, que seu método não seja eficaz, ou que, ainda que seja eficaz, não gere cura garantida.

Já se a pessoa acredita que seu método irá de fato curar o doente, ele pode estar cometendo um outro crime: exercício ilegal da medicina, que é “exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites”, que é, na verdade, um crime mais grave (a pena é maior: até dois anos, enquanto o curandeirismo a pena máxima é de um ano).

Um segundo crime importante é o curandeirismo, que é diagnosticar, receitar, entregar ao consumo ou aplicar qualquer substância (não importa que ela seja um placebo), ou usar gestos, palavras (incluindo ‘rezas’) ou qualquer outro meio de cura para tratar a doença de alguém. É o casa das benzedeiras e das pessoas que vendem chás para curarem doenças graves.

Ainda que a lei não diga que o criminoso precise praticar esse crime de forma habitual para que o crime seja configurado, os juristas tendem a dizer que se a pessoa comete o crime apenas se faz qualquer das ações acima com habitualidade.

Esse crime é muito mais complexo do que parece porque ele esbarra na liberdade religiosa. Usar gestos e palavras é algo que quase todas as religiões fazem. A benção do padre, por exemplo, é uma forma de cura espiritual para os fiéis. O uso das mãos é importante para os espíritas, o sinal da cruz é parte dos rituais de cura espiritual para os católicos, e assim por diante. 

Isso quer dizer que esses religiosos estão exercendo o curandeirismo?

Não, porque a Constituição protege os rituais de fé. O limite – que muitas vezes é confuso – é quando esse ritual de fé passa a colocar a saúde das pessoas em perigo. Se o padre disser ao doente que ele não precisa procurar o médico porque sua benção já basta, aí sim, pode haver crime.

E o caso de quem pratica operações espirituais? Bem, a lei diz que é curandeirismo tratar alguém com “gestos, palavras ou qualquer outro meio”. O problema está na expressão “qualquer outro meio”. Os juristas dizem que não é simplesmente qualquer outra forma, mas qualquer outra forma similar a (na mesma classe de) um gesto ou palavra. E cirurgias mediúnicas não é similar a gesto ou palavra.

Logo, o diagnóstico e as palavras podem configurar curandeirismo, mas o corte em si, não. Ele, na verdade, pode ser outro crime: a lesão corporal. Afinal, a vítima sofreu um corte desnecessário, ainda que ela tenha permitido.

Existem mais alguns detalhes desse crime que são importantes: o curandeiro, por definição, é a pessoa inculta que acredita que possa de fato curar. Se ela sabe o que está fazendo, ela não está praticando curandeirismo: ela é uma charlatã (se sabe que está mentindo) ou pode estar exercendo a medicina irregularmente (se acredita de fato que pode curar a vítima sem estar autorizada a exercer a medicina ou, estando autorizada, vai além de sua autorização).

E se ela está usando a prática para tirar proveito econômico da vítima, aí temos um outro crime: o estelionato, no qual o criminoso mente para a vítima para que ela lhe dê parte de seu patrimônio.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

E a VERGONHA DO STF, vai PARAR O BRASIL! Estão firmes e fortes na determinação em DESTRUIÇÃO da Nação! FUX é quem assinou a LIMINAR que concedeu o IMORAL auxilio moradia aos juízes.

Os caminhoneiros estão cogitando realizar uma nova greve após a liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. 

Por CARLO CAUTI






        Nesta quinta (6) Fux suspendeu a aplicação de multas contra caminhoneiros e empresas que não cumprirem a tabela do frete imposta pelo governo. Por isso, grupos de caminhoneiros voltaram a ficar agitados e a discutir de uma possível nova greve. 
        O diretor do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de São Paulo (Sindicam), Ariovaldo de Almeida Junior, pediu que os caminhoneiros cogitem sobre uma possível paralisação de 24 horas. “Gostaria de conversar com todos vocês para que a categoria dê uma resposta imediata a toda e qualquer ameaça aos nossos direitos, lutas e conquistas. Esse tipo de atitude não só nos prejudica, como coloca em cheque o próprio piso mínimo, como coloca em cheque a nossa dignidade, o nosso orgulho e tudo aquilo que fizemos”, escreveu de Almeida. 
       A liminar de Fux proibiu a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e aplicar multas para as empresas que não pagarem o valor mínimo estabelecido em tabela para o transporte de mercadorias por caminhões. 
      O ministro do STF acatou um pedido da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que visava suspender a tabela do frete. A CNA alegou que a ANTT editou uma nova resolução em novembro com mais penalidades. Fux é relator de uma série de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que contestam no STF o tabelamento.
      Em sua decisão, o magistrado destacou informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que afirmam que o tabelamento gerou “entraves e prejuízos”. 
      A medida provisória editada pelo governo de Michel Temer em maio que instituiu a tabela do frete para caminhoneiros foi aprovada pelo Congresso em julho e sancionada pelo presidente em agosto.

Fonte: https://www.sunoresearch.com.br/noticias/caminhoneiros-podem-realizar-nova-greve/

Casa de mãe depois que os filhos se vão

     
      
Casa de mãe depois que os filhos se vão é um oratório. Amanhece e anoitece, prece. Já não temos acesso àquelas coisinhas básicas do dia a dia, as recomendações e perguntas que tanto a eles desagradavam e enfureciam: com quem vai, onde é, a que horas começa, a que horas termina, a que horas você chega, vem cá menina, pega a blusa de frio, cadê os documentos, filho.
Impossibilitados os avisos e recomendações, só nos resta a oração, daí tropeçamos todos os dias em nossos santos e santas de preferência, e nossa devoção levanta as mãos já no café da manhã e se deita conosco.
       Casa de mãe depois que os filhos se vão é lugar de silêncio, falta nela a conversa, a risada, a implicância, a displicência, a desorganização. Falta panela suja, copos nos quartos, luzes acesas sem necessidade…
       Aliás, casa de mãe, depois que os filhos se vão, vive acesa. É um iluminado protesto a tanta ausência.
Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre o mesmo cheiro. Falta-lhe o perfume que eles passam e deixam antes da balada, falta cheiro de shampoo derramado no banheiro, falta a embriaguez de alho fritando para refogar arroz, falta aroma da cebola que a gente pica escondido porque um deles não gosta ( mas como fazer aquele prato sem colocá-la?), falta a cara boa raspando o prato, o “isso tá bão, mãe”. O melhor agradecimento é um prato vazio, quando os filhos ainda estão. Agora, falta cozinha cheia de desejos atendidos.
Casa de mãe depois que os filhos se vão é um recorte no tempo, é um rasgo na alma. É quarto demais, e gente de menos.
      É retrato de um tempo em que a gente vivia distraída da alegria abundante deles. Um tempo de maturar frutos, para dá-los a colher ao mundo. Até que esse dia chega, e lá se vai seu fruto ganhar estrada, descobrir seus rumos, navegar por conta própria com as mãos no leme que você , um dia, lhe mostrou como manejar.
Aí fica a casa e, nela, as coisas que eles não levam de jeito nenhum para a nova vida, mas também não as dispensam: o caminhão da infância, a boneca na porta do quarto, os livros, discos, papéis e desenhos e fotografias – todas te olhando em estranha provocação.
Casa de mãe depois que os filhos se vão não é mais casa de mãe. É a casa da mãe. Para onde eles voltam num feriado, em um final de semana, num pedaço de férias.
Casa de mãe depois que os filhos se vão é um grande portão esperando ser aberto. É corredor solitário aguardando que eles o atravessem rumo aos quartos. É área de serviço sem serviço.
Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre alguém rezando, um cachorrinho esperando, e muitos dias, todos enfileirados, obedientes e esperançosos da certeza de qualquer dia eles chegam e você vai agradecer por todas as suas preces terem sido atendidas.
Por que, vamos combinar, não é que você fez direitinho seu trabalho, e estava certo quem disse que quem sai aos seus não degenera e aqueles frutos não caíram longe do pé? 
E saudade, afinal, não é mesmo uma casa que se chama mãe? 

(Texto atribuído a Miryan Lucy Rezende)

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Operação busca integrantes de facções criminosas em 15 unidades da federação


Grupos de combate ao crime organizado do Ministério Público cumprem 266 mandados de prisão e 203 de busca e apreensão.


Por G1 SP
04.12.2018



               
                Operação busca integrantes de facções criminosas em 15 unidades da federal


O Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNOC), criado para combater o crime organizado no país, coordena uma megaoperação contra integrantes de facções criminosas em 15 unidades da federação nesta terça-feira (4). Dez Grupos de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECOs) do Ministério Público participam da operação.

A ação cumpre 266 mandados de prisão e 203 de busca e apreensão no Acre, Alagoas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. Até as 9h40, não haviam divulgado o número de pessoas presas.

Os alvos são integrantes das facções criminosas: Primeiro Comando da Capital (PCC), de origem paulista, das cariocas Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigo dos Amigos (ADA), da capixaba Primeiro Comando de Vitória (PCV) e da paraibana OKAIDA RB, uma dissidência da OKAIDA.

Em São Paulo, são 59 mandados de prisão e 10 de busca e apreensão contra integrantes do PCC. A ação ocorre em Americana, Arujá, Cerquilho, Guarulhos, Hortolândia, Jaboticabal, Limeira, Moji das Cruzes, Piracicaba, Ribeirão Preto, Rio das Pedras e Santa Bárbara D’Oeste, e contam com o apoio das Polícias Militar e Civil.

De acordo com o subprocurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, os mandados de prisão e de busca e apreensão estão sendo cumpridos em imóveis e comércios onde pessoas ligadas ao PCC atuam criminosamente.

“Os detidos serão indiciados por lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e organização criminosa”, falou Sarrubbo. “Eles serão levados depois para unidades prisionais”.

De acordo com o Ministério Público (MP) de São Paulo, a ação desta quarta visa combater a organização criminosa, a lavagem de dinheiro e a corrupção de agentes públicos.

“Nossa visão é de combate a tríplice vertente. Combater a organização criminosa prendendo líderes e diretores, desestruturando a empresa do crime. Combater a lavagem de dinheiro indo para cima das atividades comerciais, como postos de combustíveis e transporte de pessoas. E combater a corrupção de agentes públicos, como funcionários do município e do estado”, disse o subprocurador.

Segundo Sarrubbo, como o PCC atua principalmente com o tráfico de drogas e por isso, um dos objetivos da ação é desarticular as finanças da facção. “Objetivo é desarticular a fação principalmente no aspecto financeiro”, falou o subprocurador. “É importante destacar que o Ministério Público, a Polícia Civil e a Polícia Militar [PM] estão organizados nessa guerra contra facções criminosas”.

No Tocantins, ainda é feita inspeção na Casa de Prisão Provisória de Palmas, com o objetivo apreender armas, drogas, explosivos, aparelhos de comunicação móvel e cadastros de faccionados.

Em Alagoas, são cumpridos 13 mandados de prisão e 14 de busca. Segundo o MP, os investigados têm ligação com o PCC, e atuavam principalmente em São Miguel dos Milagres, município localizado no Litoral Norte alagoano.

Durante as buscas em Brasília e em Santo Antônio do Descoberto (GO), foram apreendidos telefones celulares, anotações e cadastros ligados à facção paulista PCC.

Veja lista dos mandados em 10 estados:

Acre e Roraima
Mandados de prisão: 19
Mandados de busca: 2

Alagoas
Mandados de prisão: 13
Mandados de busca: 14

Distrito Federal e Goiás
Mandados de prisão: 7
Mandados de busca: 5

Mandados de prisão: 13
Mandados de busca: 20

Paraíba
Mandados de prisão: 33
Mandados de busca: 3

Rio de Janeiro
Mandados de prisão: 44
Mandados de busca: 85

Mato Grosso do Sul e Paraná

Mandados de prisão: 66
Mandados de busca: 64

São Paulo
Mandados de prisão: 59
Mandados de busca: 10

Tocantins
Mandados de prisão: 12
Mandados de busca: 0

Drogas encontradas em presídio durante operação




Ação em Piracicaba. Operação cumpre 266 mandados de prisão e 203 de busca e apreensão no país — Foto: GAECO/Divulgação



LSD encontrado durante operação em Ribeirão Preto — Foto: GAECO/Divulgação


Suspeitos são presos pela polícia durante operação em Alagoas, nesta terça-feira (4) — Foto: MP-AL

sábado, 10 de novembro de 2018

Anatomia do Estado

MURRAY N. ROTHBARD -



1. O que o estado não é.

Alguns teóricos veneram o estado como a apoteose da sociedade, outros consideram-no uma organização afável, embora ineficiente. Quase todos o consideram um meio necessário para atingir os objetivos da humanidade, um meio a ser usado contra o “setor privado”. Com a democracia, a identificação do estado deu início à nova violação dos princípios da razão e do senso comum, tais como: “nós somos o governo” ou “nós somos o estado”

O termo coletivo “nós” camufla ideologicamente a realidade. Se “nós somos o estado”, então qualquer coisa que o estado faça a um indivíduo é não somente justo e não tirânico, como também “voluntário” da parte do indivíduo. Se o estado incorre numa dívida pública que tem de ser paga através da cobrança de impostos sobre um grupo para benefício de outro, a realidade deste fardo é obscurecida (“a nossa dívida tem de ser paga”). Se o estado põe um homem na prisão por opinião dissidente, então ele está “fazendo isso a si mesmo” — e, como tal, não ocorreu nada de lamentável.

Enfatizamos, “nós” não somos o estado, o governo não somos “nós”. O estado não “representa”, de nenhuma forma concreta, a maioria das pessoas. Não se permite que nenhuma metáfora organicista, nenhuma banalidade irrelevante, obscureça este fato essencial. O estado é a organização social que visa a manter o monopólio do uso da força e da violência em uma determinada área territorial, e é a única organização da sociedade que obtém sua receita não pela contribuição voluntária, nem pelo pagamento de serviços fornecidos, mas pela coerção.

Enquanto os indivíduos ou instituições obtêm seu rendimento pela produção de bens e serviços e da venda voluntária e pacífica desses bens e serviços ao próximo, o estado obtém o seu rendimento através do uso da coerção, pelo uso e pela ameaça de prisão e pelo uso das armas. Depois de usar a força e a violência para obter sua receita, o estado passa a regular e a ditar as outras ações dos seus súditos. Todos os estados ao longo da história provam estas afirmações.

2. O que o estado é.



A única forma por meio da qual o ser humano pode satisfazer suas necessidades é através do uso da sua mente e da sua energia para transformar os recursos (“produção”), e da troca destes produtos por produtos criados pelos outros. Por meio do processo de troca mútua e voluntária (comércio), a produtividade — e, logo, o padrão de vida de todos os participantes desta troca —aumenta significativamente. O caminho “natural” para o ser humano é encontrar recursos naturais, segundo, transformando-os (“misturando seu trabalho a eles”, como disse John Locke), fazendo deles sua propriedade individual, e depois trocando esta propriedade pela propriedade de outros obtida de forma semelhante. O caminho social ditado pelas exigências da natureza humana é o caminho dos “direitos de propriedade” e do “livre mercado” de doações ou trocas de tais direitos. O ser humano aprendeu a evitar os métodos “selvagens” da luta pelos recursos escassos — de forma que A pudesse adquiri-los à custa de B —, e multiplicou esses recursos por meio do processo harmonioso e pacífico da produção e troca.

O sociólogo alemão Franz Oppenheimer apontou existir duas formas mutuamente excludentes de adquirir riqueza. A primeira, de produção e troca, ele chamou de “meio econômico”. A outra forma, na medida em que não requer produtividade, confisca os bens e serviços do outro através do uso da força e da violência. É o método do confisco unilateral, do roubo da propriedade dos outros. A este método Oppenheimer rotulou de “o meio político” de aquisição de riqueza. Enquanto o uso pacífico da razão e da energia na produção é o caminho “natural” para o homem, são os meios para a sua sobrevivência e prosperidade nesta terra, o meio coercitivo, explorador, é contrário à lei natural, é parasítico. Em vez de adicionar à produção, apenas subtrai.

O “meio político” desvia a produção para um indivíduo — ou grupo de indivíduos — parasita e destrutivo, desvio que subtrai a quantidade produzida, como também reduz o incentivo do produtor para produzir além de sua própria subsistência. No longo prazo, o ladrão destrói sua própria subsistência ao diminuir ou eliminar a fonte do seu próprio suprimento. Mesmo no curto prazo, o predador age contrariamente à sua natureza como ser humano. Nas palavras de Oppenheimer, o estado é “a organização dos meios políticos”, é a sistematização do processo predatório sobre um determinado território. O crime é, no máximo, esporádico e incerto, já o parasitismo é efêmero e a coercitiva ligação parasítica pode ser cortada a qualquer momento por meio da resistência das vítimas. O estado, no entanto, providencia um meio legal e sistemático para a depredação da propriedade privada, e torna certa, segura e relativamente “pacífica” a vida da casta parasita na sociedade.

Dado que a produção sempre precede qualquer depredação, conclui-se que o livre mercado é anterior ao estado. O estado nunca foi criado por um “contrato social”, e sempre nasceu da conquista e da exploração. O paradigma clássico é o da tribo conquistadora que faz pausa no seu método — testado e aprovado pelo tempo — de pilhagem e assassinato das tribos conquistadas ao perceber que a duração do saque seria mais longa e segura — e a situação mais agradável — se permitisse que a tribo conquistada continuasse vivendo e produzindo, com a única condição que os conquistadores agora assumiriam a condição de governantes, exigindo um tributo anual constante. Para Oppenheimer (The State, p. 15): O estado, na sua verdadeira gênese, é uma instituição social forçada por um grupo de homens vitoriosos sobre um grupo vencido, com o propósito singular de domínio do grupo vencido pelo grupo de homens que os venceram, assegurando-se contra a revolta interna e de ataques externos. Teleologicamente, este domínio não possuía qualquer outro propósito senão o da exploração econômica dos vencidos pelos vencedores. E Jouvenel: “o estado é na sua essência o resultado dos sucessos alcançados por um grupo de bandidos que se impôs a uma sociedade gentil e pacífica” (Bertrand de Jouvenel, On Power, New York: Viking Press, 1949, p.100-101).

3. Como o estado se eterniza.
Uma vez estabelecido o estado, o problema do grupo ou “casta” dominante passa a ser como manter seu domínio. Embora seu modus operandi seja o da força, o problema básico e de longo prazo é ideológico. Para continuar no poder, qualquer governo (não simplesmente um governo “democrático”) tem de ter o apoio da maioria dos súditos, que não precisa ser um entusiasmo ativo, pode bem ser uma resignação passiva, como se se tratasse de uma lei inevitável da natureza, mas tem de haver apoio no sentido de aceitação. Caso contrário, a minoria formada pelos governantes estatais seria em última instância sobrepujada pela resistência ativa da maioria.

Uma vez que a depredação tem de ser mantida por um excedente da produção, a classe que constitui o estado — a burocracia estabelecida — tem de ser uma pequena fração minoritária no território, embora possa comprar aliados entre os grupos importantes da população. A principal tarefa dos governantes é sempre a de assegurar a aceitação ativa ou resignada da maioria dos cidadãos. O apoio é assegurado pela criação de interesses econômicos legalmente garantidos. O presidente sozinho não governa, ele precisa de um grupo de seguidores que desfrutem os privilégios do domínio, por exemplo, os membros do aparato estatal, como a burocracia em tempo integral ou a nobreza estabelecida, mas, ainda assim, isto assegura apenas uma minoria de apoiadores fervorosos, e a compra de apoio por meio de subsídios e outras concessões de privilégios não é suficiente para obter o consentimento da maioria. Para produzir esta aceitação crucial, a maioria tem de ser persuadida pela ideologia que o governo é bom, sábio, inevitável e certamente melhor do que outras possíveis alternativas. A promoção desta ideologia entre o povo é a tarefa social dos “intelectuais”, pois as massas não criam suas próprias ideias, ou sequer pensam de maneira independente sobre estas ideias, elas seguem passivamente as ideias adotadas e disseminadas pelo grupo de intelectuais, os “formadores de opinião”. A modelagem da opinião é o que o estado desesperadamente precisa, e é a razão da milenar aliança entre o estado e os intelectuais. O estado precisa de intelectuais, mas não é algo tão evidente o porquê intelectuais precisam do estado. Posto de forma simples, o sustento do intelectual no livre mercado nunca é algo garantido, pois depende dos valores e das escolhas de seus concidadãos, e é uma característica indelével das massas o fato de serem geralmente desinteressadas de assuntos intelectuais. O estado, por outro lado, oferece aos intelectuais um nicho seguro e permanente no seio do aparato estatal, e, consequentemente, um rendimento certo e um arsenal de prestígio. E os intelectuais são generosamente recompensados pela função que executam para os governantes do estado, grupo ao qual eles agora pertencem. A aliança entre o estado e os intelectuais ficou simbolizada, no século XIX, no desejo dos professores da Universidade de Berlim em dar “apoio intelectual da Casa de Hohenzollern”. No século XX, um acadêmico marxista sobre o estudo crítico do antigo despotismo Oriental realizado pelo Professor Wittfogel: “A civilização que o Professor Wittfogel ataca tão veemente foi uma civilização que colocou poetas e eruditos no funcionalismo público” (Joseph Needham).

Os argumentos por meio dos quais o estado e seus intelectuais induzem os súditos a apoiar seu domínio podem ser resumidos em: (a) os governantes estatais são homens sábios e grandiosos (governam por “decreto divino”, são a “aristocracia” dos homens, são “cientistas especialistas”), muito melhores e mais sábios do que os seus bons, porém simplórios, súditos, e (b) a subjugação pelo governo é inevitável, absolutamente necessária e de longe melhor que os males indescritíveis que sucederiam à sua queda.

Vários foram os métodos utilizados pelo estado. Um mecanismo bem sucedido foi o deinstaurar o medo sobre os sistemas alternativos de governo ou não governo. Os governantes, alega-se, fornecem aos cidadãos um serviço essencial pelo qual devem estar muito gratos: a proteção contra criminosos e saqueadores esporádicos. O estado preserva seu monopólio predatório ao garantir que o crime privado e não sistemático seja mantido num grau mínimo.

Outro mecanismo foi usar o patriotismo. Uma vez que a maioria das pessoas tende a amar sua terra natal, a identificação dessa terra e seu povo com o estado beneficiou-o. Nos séculos mais recentes, tem sido especialmente bem sucedido fomentar o medo sobre outros governantes estatais. Dado que a área territorial do globo foi parcelada entre estados, uma de suas doutrinas foi a de se identificar com o território que domina. Uma guerra entre governantes é transformada numa guerra entre povos, em que a massa dos indivíduos age em defesa dos seus governantes sob a falsa crença que os governantes estariam agindo em defesa de seus indivíduos. O apelo ao “nacionalismo” tem sido útil, no Ocidente, apenas em séculos mais recentes. Não há muito tempo, a massa de súditos olhava para as guerras como batalhas irrelevantes entre diversos grupos de nobres.

Outro mecanismo tem sido a tradição. Quanto mais tempo se preserva o domínio de um estado, mais poderosa é esta arma. A adoração aos antepassados é um modo não muito sutil de adoração aos antigos governantes. O maior perigo para o estado é a crítica intelectual independente, não há melhor forma de abafar essa crítica que atacar qualquer voz isolada, qualquer um que levante novas dúvidas, como um profano violador da sabedoria dos ancestrais.

Outro mecanismo, desaprovar e rebaixar o indivíduo e exaltar a coletividade da sociedade. Uma vez que qualquer tipo de domínio implica uma aceitação da maioria, qualquer perigo ideológico para o domínio começa a partir de um ou de poucos indivíduos que demonstrem pensar independentemente. A ideia nova e, principalmente, a ideia nova e crítica, tem início como pequena opinião minoritária. O estado tem de cortar a ideia pela raiz, ridicularizando qualquer ponto de vista que desafie a opinião das massas.

É importante que o estado faça parecer seu domínio é inevitável. Mesmo que seu reinado seja detestado, ele será visto com resignação passiva, tal como o dito sobre a “inevitabilidade da morte e dos impostos”. É a indução do determinismo historiográfico, em oposição ao livre arbítrio individual. Se qualquer tirania imposta pelo estado, ou corrupção, ou agressão militar, foi causada não pelos governantes estatais, mas por “forças sociais” misteriosas e ocultas, ou pelo arranjo imperfeito do mundo, ou, se de alguma forma, todos foram responsáveis, então não há qualquer razão para as pessoas ficarem indignadas ou se insurgirem contra tais delitos. E um ataque às “teorias da conspiração” tem como objetivo fazer com que os súditos se tornem mais crédulos em relação às razões de “bem-estar geral”, apresentadas pelo estado como justificativa para os seus atos despóticos.

Outro método para curvar os súditos à vontade do estado é a indução da culpa. Qualquer aumento do bem-estar privado pode ser atacado como “ganância inaceitável”, “materialismo” ou “riqueza excessiva”, o lucro pode ser atacado como “exploração” e “agiotagem”. As trocas mutuamente benéficas são denunciadas como “egoístas”, chegando-se à conclusão que mais recursos devem ser retirados do setor privado e desviados para o “setor público”. A culpa induzida torna o público suscetível a aceitar esta transferência. Isso para tornar a depredação parasítica uma atitude aparentemente mais elevada, estética e moralmente, que o trabalho pacífico e produtivo.

A ininterrupta determinação dos seus ataques ao senso comum não é acidental, como afirmou H. L. Mencken (Chrestomathy, New York: Knopf, 1949, p. 146-47): O homem comum, quaisquer que sejam as suas falhas, pelo menos vê claramente que o governo é algo que existe à parte de si e à parte da maioria dos seus concidadãos — que o governo é um poder separado, independente e hostil, apenas parcialmente sob o seu controle e capaz de prejudicá-lo seriamente. Não é por acaso que roubar o governo é visto em geral como um crime de menor magnitude do que roubar um indivíduo, ou até mesmo uma empresa. O que está por trás desta visão, creio eu, é a profunda noção que há um antagonismo fundamental entre o governo e as pessoas que ele governa. O governo é tido não como um comitê de cidadãos eleitos para resolver os problemas comuns de toda população, mas sim como uma corporação autônoma e separada, dedicada principalmente à exploração da população para benefício dos seus próprios membros . Quando um cidadão é roubado, uma pessoa digna foi privada dos frutos do seu esforço e poupança, quando o governo é roubado, o pior que acontece é que uns patifes ociosos ficam com menos dinheiro para brincar do que tinham antes. A noção que mereceram ganhar esse dinheiro não passa pela cabeça de ninguém, afina, para qualquer pessoa sensata, esta ideia é ridícula.

4. Como o estado transcende seus limites.

Ao longo dos séculos os homens formam conceitos com intuito de refrear e limitar o domínio estatal e o estado que, recorrendo a seus aliados intelectuais, transformam estes conceitos em carimbos de legitimidade e virtude, anexando-os aos seus decretos e ações. Na Europa Ocidental, o conceito de soberania divina afirmava que os reis podiam governar apenas de acordo com a lei divina. Os reis perverteram esse conceito e o transformaram em um carimbo de aprovação divina para qualquer ato real. O conceito de democracia parlamentar começou com restrição popular ao domínio monárquico absoluto e terminou com o parlamento não apenas se tornando parte essencial do estado, como também a manifestação da plena soberania deste. Muitos escritores debruçaram-se sobre estes mecanismos restritivos da soberania, mas cada uma destas teorias perdeu seu propósito original e funcionou como um trampolim para o poder. O mesmo aconteceu com doutrinas como “direitos naturais” do indivíduo, consagrados por John Locke e pela Carta dos Direitos (Bill of Rights). Ambas converteram-se no estatista “direito a um emprego”. O utilitarismo abandonou seus argumentos em prol da liberdade e se concentrou em argumentos contra a resistência aos ataques do estado à liberdade etc.

A mais ambiciosa tentativa de impor limites ao estado foi a Carta dos Direitos e outras restrições da Constituição Americana, na qual foram escritos limites explícitos os quais deveriam servir como lei fundamental a ser interpretada por um sistema judicial supostamente independente dos outros ramos do governo. E deu-se um processo de alargamento de limites na Constituição americana no século XX. Se um decreto judicial de “inconstitucionalidade” é um entrave ao poder do governo, uma decisão de “constitucionalidade” é uma arma para promover a aceitação pública de um crescente poder governamental. Segundo Charles Black (The People and the Court, New York: Macmillan, 1960): A ameaça suprema [para o governo] é a ampla disseminação de um sentimento de ultraje e desafeição entre a população, e a consequente perda de autoridade moral por parte do governo, independentemente de quanto tempo ele consiga mantê-la pela força ou pela inércia ou pela simples falta de uma alternativa atraente e imediatamente disponível. Quase todas as pessoas que vivem sob um governo com poderes limitados serão, cedo ou tarde, sujeitados a alguma ação governamental que, em sua opinião, consideram estar além do poder do governo ou mesmo totalmente proibida ao governo. Ameaça afastada pelo estado pela propaganda doutrinal que uma agência terá de ter a decisão final da constitucionalidade. O poder judicial é uma parte essencial do aparato governamental, o que significa que o estado se coloca no papel de juiz de suas próprias causa,s violando o princípio jurídico básico de se procurar chegar a decisões justas.

Black considera que, dado o fato que o estado perpetuamente julga em sua própria defesa, conseguir chegar a decisões justas e legítimas seria “algo milagroso”. A Suprema Corte foi capaz de silenciar a grande massa de americanos que demonstrava fortes objeções constitucionais ao New Deal. CHARLES BLACK: Claro que nem todos ficaram satisfeitos. O mito do laissez-faire constitucionalmente ordenado ainda acalenta o coração de alguns sonhadores na terra da irrealidade raivosa. Mas já não há qualquer dúvida no público, perigosa ou significativa, quanto ao poder constitucional do Congresso para lidar como lida com a economia nacional ….. Não havia qualquer outro meio, senão a Suprema Corte, para conceder legitimidade ao New Deal.

John C. Calhoun, no “Disquisition”, demonstrou a tendência inerente do estado a ultrapassar os limites de uma constituição (The Growth and Decadence of Constitutional Government, New York: Henry Holt, 1930, p. 88): Será um jogo de interpretação contra interpretação — uma para contrair e a outra para alargar ao máximo o domínio do governo. Mas qual o benefício da visão rigorosa do partido minoritário face à visão permissiva do partido majoritário quando este tem todo o poder do governo para colocar em prática a sua visão ao passo que o primeiro se encontra privado de qualquer meio para concretizar a sua visão? Em uma disputa tão desigual, o resultado não será difícil de prever. O partido a favor das restrições será derrotado. …. O final da disputa será a subversão da constituição. …. as restrições serão por fim anuladas e o governo será convertido em um governo com poderes ilimitados. A solução proposta por Calhoun foi a doutrina da “maioria concomitante”. Se qualquer interesse minoritário substancial, especificamente um governo estadual, acreditasse que o Governo Federal excedia seus poderes sobrepondo-se a esta minoria, a minoria teria o direito de veto deste exercício de poder baseando-se na sua inconstitucionalidade.

O estado demonstra um exímio talento para a expansão dos seus poderes para além de quaisquer limites que possam lhe ser impostos. Uma vez que o estado sobrevive necessariamente do confisco compulsório do capital privado, e uma vez que a sua expansão envolve necessariamente uma incursão cada vez maior sobre indivíduos e empresas privadas, é imperativo afirmar que o estado é uma instituição profunda e inerentemente anticapitalista. O estado — a organização dos meios políticos — é constituído pela — e é a fonte da — “classe dominante” (ou melhor, casta dominante) e está em permanente oposição ao capital genuinamente privado.


5. O que o estado teme.




O que o estado teme qualquer ameaça fundamental ao seu próprio poder e à sua existência. Sua morte pode ocorrer de duas formas: (a) por meio da sua conquista por outro estado, ou (b) por um golpe revolucionário feito pelos seus próprios súditos. Ou seja, por meio da guerra ou da revolução. Por isso, as pessoas são mobilizadas a defender o estado na crença que defendem a si mesmas. A fraude subjacente a esta ideia evidencia-se quando o recrutamento compulsório é utilizado contra aqueles que se recusam a “defender-se”, e que são forçados a juntar-se ao aparato militar do estado, e não lhes é permitida qualquer “defesa” contra este ato cometido pelo “seu próprio” estado. Em uma guerra, o poder do estado é levado ao extremo, e sob os slogans da “defesa” e da “emergência”, impõe uma tirania ao público que, em tempos de paz, enfrentaria franca e aberta resistência.

O estado está majoritariamente interessado em proteger a si mesmo, e não os seus súditos. Qual categoria de crimes que o estado persegue e pune mais intensamente,aqueles cometidos contra os cidadãos ou aqueles cometidos contra ele próprio? No vocabulário do estado, os crimes mais graves quase invariavelmente não são agressões contra indivíduos ou contra a propriedade privada, mas sim ataques contra o bem-estar do estado. Por exemplo, traição, deserção de um soldado para o lado inimigo, fugir do alistamento militar compulsório, subversão e conspiração subversiva, assassinato de governantes, e crimes econômicos contra o estado, como falsificação da sua moeda ou evasão fiscal. Compare a intensidade dedicada à perseguição de um homem que tenha atacado um policial com a atenção que o estado concede ao ataque a um cidadão comum.
6. Como os estados se relacionam.

A guerra é uma tendência perene entre os estados, com períodos pontuais de paz e de alterações de alianças e coalizões entre estados. As tentativas “internas” ou “domésticas” para limitar o estado, entre o século XVII e o século XIX, alcançaram sua forma mais notável no constitucionalismo. Sua contrapartida “externa”, ou das “relações internacionais”, foi o desenvolvimento do “direito internacional”, suas “leis de guerra” e “neutralidade em guerra”, mas até as regras governamentais surgiram voluntariamente sem nunca terem sido impostas por qualquer superestado. O objetivo das “leis de guerra” era limitar a destruição interestatal do aparato do estado, preservando o público “civil” da matança e devastação da guerra. O objetivo do desenvolvimento do direito à neutralidade era o de preservar o comércio internacional civil privado, mesmo entre países “inimigos”. O objetivo mais abrangente era limitar a âmbito de qualquer guerra e o de limitar o seu impacto destrutivo sobre os cidadãos dos países neutros e até dos países em guerra.

Houve separação entre o indivíduo civil e as guerras do estado na Europa do século XVIII (Nef, War an Human Progress, p. 162): Nem as comunicações postais eram devidamente cortadas por muito tempo em períodos de guerra. As cartas circulavam sem censura, com uma liberdade que surpreendente para a mentalidade do século XX. …. Os cidadãos de duas nações em guerra conversavam entre si quando se encontravam e, quando não se encontravam, correspondiam-se, não como inimigos mas como amigos. A noção moderna que os súditos de um país inimigo são parcialmente responsáveis pelos atos beligerantes dos seus governantes era praticamente inexistente. Nem os governantes em conflito tinham qualquer intenção real de cortar as comunicações com os súditos do inimigo. As antigas práticas inquisitoriais de espionagem relacionadas ao culto religioso e à fé estavam desaparecendo, e não se imaginava sequer qualquer prática comparável de inquisição em relação a comunicações políticas ou econômicas. O passaporte foi originalmente criado para prover uma imunidade oficial em tempo de guerra. Durante a maior parte do século XVIII, raramente um Europeu desistia das suas viagens a um país estrangeiro contra o qual o seu próprio estava em guerra. E sendo o comércio crescentemente reconhecido como benéfico para ambas as partes, os períodos de guerra no século XVIII incluíam também uma considerável quantidade de “comércio com o inimigo”.

Os estados transcenderam as regras da guerra civilizada no século XX. Na era moderna da guerra total, combinada com a tecnologia de destruição total, a ideia de manter a guerra limitada ao aparato estatal parece ainda mais antiquada e obsoleta do que a Constituição original dos Estados Unidos.

Quando os estados não estão em guerra, acordos são frequentemente necessários para manter as desavenças ao mínimo. Uma doutrina que curiosamente ganhou uma grande aceitação é a suposta “santidade dos tratados”. Este conceito é visto como a contrapartida da “santidade do contrato”, mas um tratado nada tem em comum com um contrato genuíno. Um contrato transfere títulos sobre a propriedade privada. Uma vez que um governo não “é o proprietário”, em nenhum sentido legítimo, da sua área territorial, nenhum acordo que ele faça confere títulos de propriedade.
7. A história como uma batalha entre o poder estatal e o poder social.

Assim como as duas inter-relações humanas básicas e mutuamente exclusivas são a cooperação pacífica ou a exploração coercitiva — produção ou depredação —, a história da humanidade, em particular a sua história econômica, pode ser considerada uma disputa entre estes dois princípios. De um lado, existe a produtividade criativa, as trocas pacíficas e a cooperação, de outro, o despotismo coercivo e a depredação das relações sociais.

Albert Jay Nock apelidou estas duas forças concorrentes “poder social” e “poder estatal”. O poder social é o poder do homem sobre a natureza — sua transformação cooperativa dos recursos naturais e a compreensão racional das leis da natureza — para o benefício de todos os indivíduos participantes. O poder social é o poder sobre a natureza, e alcançar de um melhor padrão de vida por meio da troca mútua entre os homens. Já o poder estatal, como vimos, é a apropriação coercitiva e parasítica desta produção — uma drenagem dos frutos da sociedade para benefício de indivíduos não produtivos (na verdade, anti-produtivos), os governantes.

O poder social é exercido sobre a natureza, o poder estatal é o poder exercido sobre o homem. Ao longo da história, as forças criativas e produtivas do homem têm, repetidamente, aberto caminho a novas formas de transformar a natureza para seu benefício. Isto ocorreu nos momentos em que o poder social manteve-se à frente do poder estatal, momentos em que a invasão do estado sobre a sociedade foi consideravelmente diminuída. Sem exceção, após alguns intervalos, o estado sempre se move em direção a essas novas áreas, para confiscar e debilitar o poder social. Se o período entre o século XVII e o século XIX foi, para muitos dos países ocidentais, uma época de crescimento dopoder social com um aumento da liberdade, da paz e do bem-estar material, o século XX foi principalmente uma era em que o poder estatal foi recuperando o poder que havia perdido — com uma consequente reversão rumo à escravidão, à guerra e à destruição. No século XX, a espécie humana enfrenta, novamente, o reinado virulento do estado — do estado armado com os frutos dos poderes criativos da humanidade, confiscados e adulterados para os seus próprios fins. Nos últimos séculos os homens tentaram colocar limites constitucionais ao estado, apenas para concluir, mais tarde, que tais limites fracassaram. Dentre todas as numerosas formas que os governos assumiram ao longo dos séculos, dentre todos os conceitos e instituições que foram experimentados, nenhum conseguiu manter o estado sob controle. O problema do estado evidentemente nunca esteve tão longe de ser resolvido. Novos caminhos devem ser explorados em busca de soluções se realmente quisermos algum dia resolver de uma vez por todas a questão do estado.

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