quarta-feira, 10 de julho de 2013

É PRECISO INVESTIR NOS POBRES PARA ACABAR COM A FOME”, DISSE LULA A UMA PLATEIA DE 15 CHEFES DE ESTADO AFRICANOS


O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou hoje (1) pela segunda vez durante o encontro de alto nível sobre segurança alimentar que está sendo promovido em Adis Abeba pelo Instituto Lula, Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e pela União Africana.
Lula enfatizou novamente a necessidade de incluir os pobres no orçamento públicos dos países. “As pessoas que estão com fome muitas vezes não estão organizadas, não fazem parte de sindicatos, não possuem força para fazer uma passeata e não tem sequer como dizer que estão com fome. Se o Estado não cuidar dessas pessoas, o orçamento será todo direcionado a setores da sociedade que estão organizados. Por isso, o governo precisa colocar no orçamento a parte destinada aos pobres.  Se isso não for feito, o problema da fome não será resolvido nem hoje, nem em 2025 e nem nunca”.
Para ver mais imagens e baixar fotos em alta resolução, visite o Picasa do Instituto Lula.
Lula falou para uma platéia formada por quinze chefes de estado de países africanos, ex-presidentes e ex-primeiros ministros, ministros, acadêmicos e membros da sociedade civil africanos e internacionais. Ao lado do ex-presidente estavam o primeiro-ministro da Etiópia, Hailemariam Desalegn, a presidenta da União Africana, Dlamini-Zuma, e o diretor geral da FAO, José Graziano.
No início do seu segundo discurso no evento, Lula presenteou o presidente da Etiópia com uma camisa da seleção brasileira. “Eu fiquei até 3 horas da manhã vendo o jogo, e estou muito feliz porque o Brasil voltou a jogar bem.” O ex-presidente também presenteou a presidenta da União Africana com o uniforme.
Lula agradeceu também o apoio dos países africanos nas eleições de José Graziano, como diretor-geral da FAO e de Roberto Azevedo, como diretor-geral da Organização Mundial do Comércio.
Na conferência, a tarde, os chefes de estado e anfitriões do evento participarão de uma sessão de discussões para elaboração de uma declaração e um plano de ação com metas e estratégias concretas para erradicar a fome na África até 2025.
O compromisso dos chefes de estado e da sociedade civil africana é importante porque existe um consenso crescente de que, para erradicar a fome, é necessário um forte compromisso político. Conforme disse Lula em suas palavras finais: “Ninguém poderá fazer mais pela África do que os africanos”.
Leia, abaixo, o discurso na íntegra:
Encontro de Alto Nível – União Africana – FAO – IL
“Rumo à Renascença Africana: Parcerias Renovadas numa Abordagem Unificada para Acabar com a Fome na África em 2025 com o Sistema do CAADP”
Adis Abeba, 1 de julho de 2013.
Uma Abordagem Integrada para Erradicar a Fome

É um privilégio pronunciar as palavras de abertura desta Reunião. Considero essa distinção uma homenagem à profunda amizade entre o Brasil e a África – são laços históricos que estamos estreitando cada vez mais.
Reforçar estes laços e contribuir para cooperação entre o Brasil e a África, em todos os campos, é um dos objetivos do Instituo Lula.
Quero começar agradecendo o apoio dos países africanos à eleição do diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva/, em 2011, e,  mais recentemente, à eleição do embaixador Roberto Azevêdo para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio.
A atuação desses dois companheiros certamente vai contribuir para o avanço da luta contra a fome no mundo e para a construção de relações comerciais mais justas e equilibradas entre os países.
Quero destacar o compromisso que a União Africana, a  FAO e o nosso Instituto assumem com o presente e o futuro das populações africanas, ao realizar este Encontro de Alto Nível.
Em dezembro passado, neste mesmo local, encontrei-me com a senhora Zuma e o companheiro Graziano para discutir uma inciativa conjunta. Nossa ideia era dar um passo adiante no objetivo de eliminar definitivamente a fome na África.
A iniciativa foi compartilhada por chefes de estado e de governo de todo o continente, aos quais apresento a mais fraterna saudação.
Agradeço a presença neste plenário dos ministros, dirigentes de organismos regionais e multilaterais, representantes da sociedade e de ONGs, cientistas, cooperativistas, agricultores e empresários.
Agradeço também aos distintos representantes da China e do Vietnam, países que se dispõem a promover uma profícua troca de experiências nos campos da segurança alimentar e nutricional.
Aqui estamos unidos em torno de uma causa: superar a tragédia da fome nos países africanos até 2025 – e se possível em prazo mais curto, pois quem tem fome tem pressa.
O objetivo requer a articulação de diversas políticas públicas e a firme participação da sociedade. Exige, especialmente por parte dos governantes, a coragem de decidir e agir.
No Brasil, aprendemos que é possível superar a fome e a miséria de milhões, graças a um conjunto de políticas voltadas para a redistribuição de renda, geração de empregos, valorização dos salários e promoção do crescimento econômico com inclusão social.
Queremos compartilhar a experiência brasileira e aprender com os avanços obtidos pelos países africanos.
Num continente com 54 países e 1 bilhão e 100 milhões de habitantes, onde quase um quarto da população vive em situação de insegurança alimentar, a complexidade do desafio não nos intimida.
Para enfrentá-lo, buscamos o exemplo de tenacidade e perseverança do líder sul-africano Nelson Mandela, que pronunciou estas palavras inspiradoras:
“Devemos promover a coragem onde há medo; promover o acordo onde existe conflito, e inspirar esperança onde há desespero.”
Senhoras e senhores, meus amigos, minhas amigas,
É muito significativo que esta reunião se dê na bela cidade de Adis Abeba, a Nova Flor da Etiópia, onde há 50 anos foi lançada a semente da União Africana.
Nesta cidade multicultural convivem os mais diversos credos e nacionalidades. Adis é o espelho de um continente em que a paisagem humana é rica e diversa.
Bem próximo daqui estão localizados os vestígios dos primeiros passos do ser humano sobre a face da Terra. Berço de civilizações milenares, a África é o cenário de um futuro que há de ser de prosperidade e justiça.
A constituição da União Africana, em 2002, impulsionou a integração política, econômica e social, fortalecida pelo enraizamento da democracia no continente.
Ao longo de cinco décadas, a União Africana acumulou conquistas e experiências que nos permitem saudar 2013 como Ano do Pan-Africanismo e da Renascença Africana.
Meus amigos, minhas amigas,
A fome não é a simples consequência de revezes da natureza, como a seca, as cheias ou a ocorrência de pragas.
A abordagem abrangente da questão foi estabelecida pelo brasileiro Josué de Castro, presidente do Conselho Executivo da FAO de 1952 a 1956. Josué de Castro dedicou a vida a combater a fome e compreender suas origens no Brasil e no mundo.
São dele as seguintes advertências:
A fome não é um fenômeno natural, mas um fenômeno social, produto de estruturas econômicas defeituosas.”
“Fome e guerra são, na realidade, criações humanas.”
A fome existe porque a riqueza está concentrada nas mãos de poucos. Esta é a mais profunda e duradoura de todas as suas causas.
No mundo de hoje a insegurança alimentar também está associada à especulação com os estoques globais de alimentos; às políticas protecionistas que prejudicam a agricultura nos países mais pobres; à competição desordenada pela terra; à concentração fundiária e à desestruturação de sociedades agrícolas tradicionais.
O dado concreto é que neste momento um em cada oito seres humanos passa fome e não sabe se terá como se alimentar amanhã.
Essa tragédia ocorre no momento em que a produção mundial de cereais alcançará 2 bilhões de 460 milhões de toneladas, segundo a estimativa da FAO.
Se fosse dividida entre os 7 bilhões e 200 milhões de habitantes da terra, essa colheita recorde equivaleria a uma provisão diária de quase 1 quilo de cereais por pessoa.
Mas essa fartura está fora do alcance dos mais pobres.
Meus amigos, minhas amigas,
Quando assumi a presidência do Brasil, em janeiro de 2003, meu primeiro compromisso era acabar com a fome em meu país.
Instalamos o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional,  para fazer com autonomia a articulação entre governo e sociedade na definição de diretrizes e elaboração de propostas
Construímos um conjunto de políticas públicas, no qual a superação da fome e da pobreza constituem parte central de uma nova estratégia para o desenvolvimento do país.
O resultado dessa estratégia é que,  em dez anos, 36 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza, 40 milhões ascenderam à classe média e 20 milhões de empregos formais foram criados.
O Fome Zero abriga, como um guarda-chuva, uma série de ações, dentre as quais a mais conhecida é o Bolsa Família. Este programa garante uma renda básica mensal a mais de 13 milhões de famílias, um quarto da população brasileira.
O Orçamento do Bolsa Família em 2013 é de 11 bilhões de dólares, o que corresponde a 0,5% do PIB do Brasil.
Em meu governo, proibi os ministros de usar a palavra gasto no que se refere ao combate à pobreza e aos programas sociais. Todo recurso público destinado a melhorar a vida das pessoas chama-se investimento.
As condições para permanecer no Bolsa Família são três: manter as crianças frequentando a escola; levá-las para tomar todas as vacinas e, no caso das mulheres gestantes, realizar os exames de pré-natal.
Em parceria com as prefeituras e comunidades locais, construímos o cadastro das famílias de menor renda, permanentemente atualizado.
O Bolsa Família é pago por meio de cartão magnético de um banco público, sem intermediários. Os cartões são emitidos em nome das mulheres. Estes recursos dinamizam o comércio e a economia nos bairros pobres e nas localidades mais isoladas.
Muitos diziam que o Bolsa Família ia provocar preguiça e indolência, mas ocorreu o contrário. A renda básica cria cidadania e confere ao pobre dignidade indispensável para buscar uma vida melhor.
Meus amigos, minhas amigas,
O Bolsa Família tem se revelado eficaz porque está articulado com programas de saúde, educação, promoção social e segurança alimentar.
A companheira Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome no Brasil, apresentou esses programas em sua intervenção neste Encontro de Alto Nível.
Nossa estratégia para superar a fome está também diretamente ligada às políticas de fortalecimento da agricultura, começando pela agricultura familiar.
São 4 milhões de pequenas propriedades, responsáveis hoje por 70% da comida que chega à mesa dos brasileiros.
O crédito disponível para a agricultura familiar passou de 1 bilhão de dólares para US$ 10 bilhões nestes dez anos.
As mulheres – que assim como na África são parte expressiva da força de trabalho na agricultura brasileira – passaram a ter acesso direto ao crédito e preferência na titulação de terras.
Os produtores têm garantia de preço e seguro contra quebra de safras. O governo faz compras diretas de alimentos para formar estoques e para distribuir em creches, hospitais e abrigos. Produtores locais fornecem  pelo menos 30% dos alimentos da merenda escolar. O Programa Luz Para Todos levou energia elétrica a mais de 3 milhões de famílias no campo.
Como resultado dessas e de outras políticas, além de aumentar a produção de alimentos, aumentamos em 52% a renda dos pequenos agricultores nestes dez anos.
Meus amigos, minhas amigas,
Quero enfatizar que as políticas de transferência de renda, essenciais no combate à fome e à miséria no Brasil, são parte de um novo modelo de desenvolvimento com inclusão.
O Fome Zero se combina com outras estratégias, como a política de valorização permanente do salário mínimo.  Em 2012, 94% dos acordos salariais proporcionaram ganhos reais acima da inflação .
A combinação de mais renda, mais empregos, mais crédito e melhores salários fez nossa economia crescer sustentadamente, em benefício do país como um todo.
Os defensores do antigo modelo diziam que essa era a receita da inflação e do déficit público. Estavam errados, porque não abrimos mão da estabilidade nem da responsabilidade fiscal.
A dívida pública caiu de 60% do PIB em 2002 para 35% em 2012, permitindo a redução dos juros. A inflação foi reduzida à metade do período anterior e permanece controlada.
O mais importante é que milhões de brasileiros passaram a fazer três refeições por dia e hoje podem confiar num futuro melhor para si e para os filhos.
O orçamento federal para a educação foi triplicado, com o objetivo de ampliar a oferta de ensino público de qualidade. Praticamente todas as crianças entre 6 e 14 anos de idade estão na escola. Todas as escolas públicas urbanas estão integradas por banda larga.
Duplicamos a quantitade de alunos nas universidades públicas, e uma lei reservou metade das vagas nestas instituições para pobres, negros e indígenas. Trocamos impostos devidos por faculdades particulares por bolsas de estudo que já beneficiaram 1 milhão e 300 mil jovens de famílias pobres. O governo tornou-se fiador do crédito universitário.
Fizemos, em dez anos, mais que o dobro das escolas técnicas que haviam sido feitas ao longo de um século. Em parceria com as organizações da indústria e do comércio, a presidenta Dilma criou um programa de qualifição profissional para 8 milhões de trabalhadores. Um novo programa de bolsas já levou 25 mil jovens a estudar nas melhores universidades do mundo.
Sabemos que é preciso fazer muito mais para atender os anseios da população por uma vida melhor, mas os resultados obtidos nos levam a perseverar na busca de respostas para estes justos anseios.
Meus amigos, minhas amigas,
Numa estratégia integrada para eliminar a fome na África, considero fundamental também combinar os objetivos do Programa Integrado de Desenvolvimento da Agricultura – CAADP às metas do Programa de Infraestruturas – o PIDA.
O desenvolvimento da agricultura requer investimento em irrigação, construção de silos, estradas e portos. Demanda energia elétrica, tratores e máquinas.
Requer, além disso, investimentos em tecnologia e a utilização de novas modalidades de sementes e insumos. O conhecimento e a ciência são nossas aliadas na luta contra a fome.
A agricultura não se desenvolve isoladamente, sem que haja investimento em infraestrutura e complementação com setores da indústria.
A África tem um enorme potencial agrícola inexplorado, que alguns estimam em mais da metade da terra agricultável não utilizada do planeta.
Este potencial se encontra principalmente nas savanas, muito semelhantes ao cerrado brasileiro no que se refere à vegetação, relevo, solo, insolação e regime de chuvas.
Temos boas razões para crer que a experiência bem sucedida do Brasil na agricultura tropical possa ser utilizada neste continente – tanto a do tipo familiar quanto a empresarial.
O Brasil tem uma responsabilidade histórica com a África e busca estabelecer com os países africanos uma relação baseada em respeito à soberania e no desenvolvimento compartilhado.
Queremos cooperar, por exemplo, com transferência de tecnologia de sementes e cultivo do solo, por meio da nossa empresa nacional de agropecuária, a Embrapa, que tem um escritório em Acra.
Em parceria com a FAO e o Programa Mundial de Alimentos, já fornecemos tecnologia social de aquisição de produtos da agricultura familiar com Maláui, Moçambique, Etiópia, Níger e Senegal.
Em maio último, ao participar do Jubileu da União Africana, a presidenta Dilma Rousseff anunciou uma nova Agência de Cooperação e Comércio com a África e América Latina, que dará novo impulso às nossas parcerias.
No âmbito da Parceria Renovada que nosso Encontro pretende estimular, as políticas de proteção social inserem-se no CAADP.
Podemos oferecer experiências, nunca lições, pois sabemos que a cooperação para a segurança alimentar deve observar as características específicas de cada país e região.
As sociedades tradicionais africanas têm seu modo milenar de produzir e interagir com outros grupos sociais. Os agricultores africanos têm hábitos e carências distintos de seus irmãos brasileiros.
Acreditamos que a África pode, sim, se tornar o continente da fartura e um dos celeiros do mundo.
Gana, por exemplo, mantém um crescimento agrícola médio de 5% ao ano nos últimos 25 anos, e conseguiu reduzir a pobreza em 58%, com investimentos em infraestrutura, subsídios a insumos e conexão de pequenos agricultores ao mercado interno e externo.
A Etiópia já conseguiu reduzir em um terço a população vivendo na pobreza extrema.
Saudamos os avanços obtidos em todos os países, como um estímulo aos que se empenham para erradicar a fome e a pobreza.
Meus amigos, minhas amigas,
A contribuição de organizações não governamentais, fundações e doadores – os parceiros do desenvolvimento – tem sido relevante no combate à fome e a miséria, não só na África, mas ao redor do mundo.
Em muitas situações elas provêm o único socorro e fazem a diferença entre viver ou morrer.
Mas aprendemos no Brasil que o estado tem a responsabilidade de coordenar as políticas de combate à pobreza.
As políticas de renda precisam ser tratadas como direito básico dos cidadãos, e não como ajuda eventual. Devem estar previstas no Orçamento, junto às demais obrigações permanentes dos governos.
Os programas para erradicar a fome e a pobreza têm de ser Política de Estado para alcançar resultados duradouros.
Compete aos governos promover e articular as diversas frentes de ação, incluindo as politicas agrícolas e de infraestrutura para o desenvolvimento.
O Brasil mudou porque encontramos um lugar para os pobres no orçamento nacional. Mudou porque deixamos de tratar os pobres como um problema, e sim como solução.
Garantir e aumentar a renda dos mais pobres, por meio da programas sociais e geração de empregos, significa manter a roda da economia girando, em benefício do país.
Meus amigos, minhas amigas,
A crise que atingiu o centro da economia global pode-se revelar uma oportunidade para os países em desenvolvimento no Hemisfério Sul.
Hoje está bem claro que a saída não se encontra nas políticas de austeridade que levaram a Europa à recessão e ao desemprego, com consequências para todo o mundo.
A crise provocada pela especulação tem de ser enfrentada com a retomada dos investimentos, de forma a sustentar o crescimento e consolidar novos mercados.
Nossos países e nossos governos têm a obrigação de agarrar esta oportunidade, para transformá-la em uma nova era de prosperidade e justiça.
É dessa forma que vejo a Renascença Africana: como o momento de reduzir as desigualdades dentro de cada país e promover a verdadeira integração.
As comunidades econômicas regionais e instituições como o Banco de Investimento Africano cumprem papel relevante neste processo.
A União Africana e o Parlamento Pan-Africano têm sido essenciais à consolidação da democracia no continente.
A democracia é sem dúvida o caminho mais seguro para promover a paz e a estabilidade. É também a garantia de que o desenvolvimento será compartilhado por todos.
O tanzaniano Julius Nyerere, um dos pais do pan-africanismo, disse a propósito:
“Se buscamos o verdadeiro desenvolvimento, o povo tem de estar envolvido”.
A África será mais forte e mais respeitada, quanto mais profundas forem as raízes da democracia e da integração.
Espero que esta reunião produza resultados práticos, que os temas de debate sejam desdobrados em ações concretas, no conjunto da África e em cada um dos países.
Temos de sair deste encontro declarando ao mundo que é possível e é urgente erradicar a fome.
Temos de sair daqui sabendo exatamente o que vamos fazer para alcançar o objetivo e quais a tarefas de cada um.
Temos de formar uma coordenação que seja a referência para os próximos passos.
Pessoalmente, estou engajado na luta contra a fome em meu país e em qualquer lugar onde for convocado.
Ao longo de meu governo, conheci a África e seu povo admirável; fiz amigos em todos os países e estarei sempre pronto a cooperar com as ações que vocês definirem como as mais importantes nesta luta.
Contem comigo, contem com o Brasil e lembrem-se: ninguém poderá fazer mais pela África do que os próprios africanos.
Muito obrigado.

by www.conversaafiada

Em meio à crise com a base, Lula se reúne com Dilma em Brasília


              Presidente do PT também participou do encontro
                         no Palácio da Alvorada nesta terça-feira




BRASÍLIA — No momento em que enfrenta uma crise em sua base aliada e queda em sua popularidade, a presidente Dilma Rousseff se reuniu na noite desta terça-feira com o ex-presidente Lula no Palácio da Alvorada.
O governo tem enfrentado críticas, inclusive do PT, quanto à articulação política e a comunicação. Dilma tem sido pressionada a fazer uma reforma ministerial. O presidente do PT, Rui Falcão, também participou da conversa.
Principal conselheiro político da presidente, Lula retornou de viagem à África e Alemanha, onde fez palestras. Ele submergiu desde que começaram as manifestações que tomaram conta das ruas do país.
Em meio aos protestos, o PT chegou a cancelar evento em Goiânia, no qual Lula era a estrela principal, para comemorar os dez anos do partido no governo federal




















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Com a agilidade de um cágado atolado, o Brasil vai mudando

Publicado em  às  hs.

tartarugaDuas notícias divulgadas ontem deve ter sido um balde de água fria na cabeça dos pessimistas, duas. O governo conseguiu recuperar quase R$ 11 milhões que estavam em contas mantidas na Suíça pelo ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. O dinheiro que vai voltar aos cofres do Tesouro foi desviado pelo juiz durante a construção do Tribunal do Trabalho em São Paulo. Nicolau está preso em Tremembé.
Ontem a justiça do Pará, 1ª instância, condenou Jader Barbalho (PMDB) a devolver R$ 2,2 milhões à União. O dinheiro foi desviado da extinta Sudam, em um empréstimo que teria como finalidade investir na Agroindustrial de Cereais S/A, com sede em Cristalândia (TO). Barbalho, que é senador hoje, vai recorrer.
O Brasil está começando a mudar, com a agilidade de um cágado atolado, é verdade, mas está mudando.
Ainda falta muita gente em Tremembé.
by Prosa & Politica

Presidente não agradou os prefeitos que cobraram aumento dos repasses do Fundo de Participação das cidades

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    Atualizado: 

A presidente Dilma Rousseff participa da XVI Marcha dos Prefeitos em Brasília, ao lado de Paulo ZIlcowski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios
Foto: André Coelho / Agência O Globo
A presidente Dilma Rousseff participa da XVI Marcha dos Prefeitos em Brasília, ao lado de Paulo ZIlcowski, presidente da Confederação Nacional dos MunicípiosAndré Coelho / Agência O Globo
BRASÍLIA - Embora tenha anunciado, nesta quarta-feira, o repasse de R$ 15,3 bilhões para os municípios, destinados a projetos e obras nas áreas de saúde e educação, a presidente Dilma Rousseff foi vaiada na marcha dos prefeitos, organizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). Na marcha do ano passado, a presidente também foi vaiada, ao dizer que qualquer mudança na distribuição dos royalties do petróleo não valeria para contratos em vigor.
— Estes vários anúncios estão unificados em uma certeza que o Brasil só pode ir para a frente se nós estivermos juntos e para estarmos jun tos é preciso uma federação forte — disse a presidente.
Dilma prometeu R$ 3 bilhões de ajuda aos municípios para custeio da saúde e da educação, que serão transferidos em duas parcelas — em agosto deste ano e abril de 2014. Também disse que vai aumentar o repasse do Programa de Atenção Básica (PAB), o que representará mais R$ 600 milhões ao ano. A presidente disse que serão repassados mais R$ 4 mil ao mês por equipes de saúde, o que custará R$ 3 bilhões. Outros R$ 5,5 bilhões para ampliar a rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo Dilma, 11.800 postos serão ampliados, outros seis mil construídos e mais 225 UPAs. Na área de educação, R$ 3,2 bilhões para construir 2.000 creches.
O anúncio feito por Dilma, no entanto, não agradou de cheio os prefeitos que cobraram aumento dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios. Muitos prefeitos fizeram sinal de negativo no fim do discurso da presidente. O FPM é formado por 23,5% da arrecadação do Imposto Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Os prefeitos querem o aumento de dois pontos percentuais nesse índice.
— O tema da nossa marcha é o desequilíbrio financeiro dos municípios. Não é da senhora. Vem de décadas — disse o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, que também foi vaiado, depois do discurso de Dilma.
— Até parece que somos uma manada irracional. O companheiro ali está histérico. Ouve, por favor — gritou Ziulkoski, ao retornar ao palco.
— Eu não saio contente. Vocês acham que estou contente? Mas para que vaiar? O que vamos arrumar? Vamos pensar na eleição ou vamos pensar na nossa gestão? Não é o que queremos, mas foi o possível. Se não for assim, não vinha nada — completou Ziulkoski, desta vez, sendo aplaudido.
Ziulkoski explicou que os R$ 3 bilhões para custeio anunciados pela presidente representam 1,3% do FPM. Ele reconheceu que a medida é temporária e afirmou que continuará lutando pela mudança do índice.
Dilma anunciou também que o governo vai ampliar o programa Minha Casa Minha Vida para municípios com menos de 50 mil habitantes.
O Globo


Pela ampliação da maioridade moral


E pelo aumento do nosso rigor ao exigir o cumprimento da lei de governantes que querem aumentar o rigor da lei (e também dos que não querem)


Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua  -  (Foto: Lilo Clareto/Divulgação)
Eu acredito na indignação. É dela e do espanto que vêm a vontade de construir um mundo que faça mais sentido, um em que se possa viver sem matar ou morrer. Por isso, diante de um assassinato consumado em São Paulo por um adolescente a três dias de completar 18 anos, minha proposta é de nos indignarmos bastante. Não para aumentar o rigor da lei para adolescentes, mas para aumentar nosso rigor ao exigir que a lei seja cumprida pelos governantes que querem aumentar o rigor da lei. Se eu acreditasse por um segundo que aumentar os anos de internação ou reduzir a maioridade penal diminuiria a violência, estaria fazendo campanha neste momento. Mas a realidade mostra que a violência alcança essa proporção porque o Estado falha – e a sociedade se indigna pouco. Ou só se indigna aos espasmos, quando um crime acontece. Se vivemos com essa violência é porque convivemos com pouco espanto e ainda menos indignação com a violência sistemática e cotidiana cometida contra crianças e adolescentes, no descumprimento da Constituição em seus princípios mais básicos. Se tivessem voz, os adolescentes que queremos encarcerar com ainda mais rigor e por mais tempo exigiriam – de nós, como sociedade, e daqueles que nos governam pelo voto – maioridade moral. 
Se é de crime que se trata, vamos falar de crime. E para isso vale a pena citar um documento da Fundação Abrinq bastante completo, que reúne os estudos mais recentes sobre o tema. Mais de 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, segundo o Mapa da Violência. Vou repetir: mais de 8.600. Esse número coloca o Brasil na quarta posição entre os 99 países com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus tratos e agressões segundo o relatório dos atendimentos no Disque 100. Deste total de casos, 68% sofreram negligência, 49,20% violência psicológica, 46,70% violência física, 29,20% violência sexual e 8,60% exploração do trabalho infantil. Menos de 3% dos suspeitos de terem cometido violência contra crianças e adolescentes tinham entre 12 e 18 anos incompletos, conforme levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011. Quem comete violência contra crianças e adolescentes são os adultos.  
Será que o assassinato de mais de 8.600 crianças e adolescentes e os maus tratos de mais de 120 mil não valem a nossa indignação? 
Diante desse massacre persistente e cotidiano, talvez se pudesse esperar um alto índice de violência por parte de crianças e adolescentes. E a sensação da maioria da população, talvez os mesmos que clamam por redução da maioridade penal, é que há muitos adolescentes assassinos entre nós. É como se aquele que matou Victor Hugo Deppman na noite de 9 de abril fosse legião. Não é. Do total de adolescentes em conflito com a lei em 2011 no Brasil, 8,4% cometeram homicídios. A maioria dos delitos é roubo, seguido por tráfico. Quase metade do total de adolescentes infratores realizaram o primeiro ato infracional entre os 15 e os 17 anos, conforme uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E, adivinhe: a maioria abandonou a escola (ou foi abandonado por ela) aos 14 anos, entre a quinta e a sexta séries. E quase 90% não completou o ensino fundamental.  
Será que não há algo para pensar aí, uma relação explícita? Não são a escola – como lugar concreto e simbólico – e a educação – como garantia de acesso ao conhecimento, a um desejo que vá além do consumo e também a formas não violentas de se relacionar com o outro – os principais espaços de dignidade, desenvolvimento e inclusão na infância e na adolescência?  
É demagogia fazer relação entre educação e violência, como querem alguns? Mas será que é aí que está a demagogia? É sério mesmo que a maioria da população de São Paulo acredita que tenha mais efeito reduzir a maioridade penal em vez de pressionar o Estado – em todos os níveis – a cumprir com sua obrigação constitucional de garantir educação de qualidade?
Não encontro argumentos que me convençam de que a redução da maioridade penal vá reduzir a violência. E encontro muitos argumentos que me convencem de que a violência está relacionada ao que acontece com a escola no Brasil. A começar pelo recado que se dá a crianças e adolescentes quando os professores são pagos com um salário indigno.   Aqueles que escolhem (e eles são cada vez menos) uma das profissões mais importantes e estratégicas para o país se tornam, de imediato, desvalorizados ensinando (ou não ensinando) outros desvalorizados. Será que essa violência – brutal de várias maneiras – não tem nenhuma relação com a outra que tanto nos indigna?  
Teríamos mais esperança de mudança real se, diante de um crime bárbaro, praticado por um adolescente a três dias de completar 18 anos, o povo fosse às ruas exigir que crianças e jovens sejam educados – em vez de bradar que sejam enjaulados mais cedo ou com mais rigor nas prisões que tão bem conhecemos. Vale a pena pensar, e com bastante atenção: a quem isso serve?   
É uma mentira dizer que os adolescentes não são responsabilizados pelos atos que cometem. O tão atacado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a responsabilização, sim. Inclusive com privação de liberdade, algo tremendo nessa faixa etária. Mas, de novo, o Estado não cumpre a lei. Numa pesquisa realizada pelo CNJ, apenas em 5% de quase 15 mil processos de adolescentes infratores havia informações sobre o Plano Individual de Atendimento (PIA), que permitiria que a medida socioeducativa funcionasse como possibilidade de mudança e desenvolvimento.   
Alguém pensa em se indignar contra isso?  
Se você se alinha àqueles que querem que os adolescentes sejam encarcerados, torturados e sexualmente violados para pagar pelos seus crimes, pode se alegrar. É o que acontece na prática numa parcela significativa das instituições que deveriam dar exemplo de cumprimento da lei e oferecer as condições para que esses adolescentes mudassem o curso da sua história, como mostrou uma reportagem do Fantástico feita por Marcelo Canellas, Wálter Nunes e Luiz Quilião. Segundo a pesquisa do CNJ já citada, em 34 instituições brasileiras, pelo menos um adolescente foi abusado sexualmente nos últimos 12 meses, em 19 há registros de mortes de jovens sob a tutela do Estado, e 28% dos entrevistados disseram ter sofrido agressões físicas dos funcionários. Sem contar que, em 11 estados, as instituições operam acima da sua capacidade.  

É o que o bom senso parece apontar. Mas é previsível que, num ano pré-eleitoral e com 93% dos paulistanos a favor da redução da maioridade penal, segundo pesquisa do Datafolha, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prefira enviar ao Congresso um projeto para alterar o ECA, passando o período máximo de internação dos atuais 3 anos para 8 anos em casos de crimes hediondos. Uma medida tida como enérgica e rápida, num momento em que o Estado de São Paulo sofre com o que o próprio vice-governador, Afif Domingos (PSD), definiu como “epidemia de insegurança” – situação que não tem colaborado para aumentar a popularidade do atual governo.  
Será que a perpetuação da violência juvenil decorre da falta de rigor da lei ou do fato de que parte das instituições de adolescentes funciona na prática como um campo de concentração? Antes de tentar mudar a lei, não seria mais racional cumpri-la?
Vale a pena registrar ainda que o número de crimes contra a pessoa cometidos por adolescentes diminuiu – e não aumentou, como alguns querem fazer parecer. Segundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre 2002 e 2011 os casos de homicídio apresentaram uma redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio (roubo seguido de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%. Vale a pena também dar a dimensão real do problema: da população total dos adolescentes brasileiros, apenas 0,09% cumprem medidas socioeducativas como infratores. Vou repetir: 0,09%. E a maioria deles cometeram crimes contra o patrimônio. 
É claro que, se alguém acredita que os crimes cometidos pelos adolescentes não têm nenhuma relação com as condições concretas em que vivem esses adolescentes, assim como nenhuma relação com as condições concretas em que cumprem as medidas socioeducativas, faz sentido acreditar que se trata apenas de “vocação para o mal”. Entre os muitos problemas desse raciocínio que parece afetar o senso comum está o fato de que a maioria dos adolescentes infratores é formada por pretos, pardos e pobres. (São também os que mais morrem e sofrem todo o tipo de violência no Brasil.) Essa espécie de “marca da maldade” teria então cor e estrato social? Nesse caso, em vez de melhorar a educação e as condições concretas de vida, a única medida preventiva possível para quem defende tal crença seria enjaular ao nascer – ou nem deixar nascer. Alguém se lembra de ter visto esse tipo de tese em algum momento histórico? Percebe para onde isso leva? 
Há que ter muito cuidado com o que se deseja – e com o que se defende. Assim como muito cuidado em não permitir que manipulem nossa indignação e nossa aspiração por um mundo em que se possa viver sem matar ou morrer.  
Se eu estivesse no lugar dos pais de Victor Hugo Deppman, talvez, neste momento de dor impossível, eu defendesse o aumento do número de anos de internação, assim como a redução da maioridade penal. Não há como alcançar a dor de perder um filho – e de perdê-lo com tal brutalidade. Diante de um crime bárbaro, qualquer crime bárbaro e não apenas o que motivou o atual debate, os parentes da vítima podem até desejar vingança. É uma prerrogativa do indivíduo, daqueles que sofrem o martírio e estão sob impacto dele. Mas o Estado não tem essa prerrogativa.
O indivíduo pode desejar vingança em seu íntimo, o Estado não pode ser vingativo em seus atos. Do Estado se espera que leve adiante o processo civilizatório, as conquistas de direitos humanos tão duramente conquistadas. E, como sociedade, nossa maturidade se mostra pelo conteúdo que damos à nossa indignação. É nas horas críticas que mostramos se estamos ou não à altura da nossa época – e de nossas melhores aspirações.

De minha parte, sempre me surpreendi não com a violência cometida por adolescentes – mas que não seja maior do que é, dado o nível de violência em que vive uma parcela da juventude brasileira, a parcela que morre bem mais do que mata. E só testemunhei a sociedade brasileira olhar de verdade – olhar para ver essa realidade – uma única vez: quando o Brasil assistiu, em horário nobre do domingo, ao documentário Falcão - Meninos do tráfico. É um bom momento para revê-lo.
Sabe por que a violência praticada por adolescentes não é maior do que é? Por causa de seus pais – e especialmente de suas mães. A maioria delas trabalha dura e honestamente, muitas como empregadas domésticas, cuidando da casa e dos filhos das outras. Contra tudo e contra todos, numa luta solitária e sem apoio, elas se viram do avesso para garantir um futuro para seus filhos. O extraordinário é que, apesar de sua enorme solidão, sem amparo e com falta de tudo, a maioria consegue. Àquelas que fracassam cabe a dor que não tem nome, a mesma dor impossível que vive a mãe de Victor Hugo Deppman: enterrar um filho.

Em 2006, espantada com uma geração de brasileiros, a maioria negros e pobres, cuja expectativa de vida era 20 anos, andei pelo país atrás dessas mulheres. Elas respiravam, mas não sei se estavam vivas. Lembro especialmente uma, a lavadeira Enilda, de Fortaleza. Quando o primeiro filho foi assassinado pela polícia, ela estava com as prestações do caixão atrasada. O pai do menino tinha ganhado um dinheiro fazendo pão e, em meio à enormidade da sua dor, eles correram para regularizar o pagamento. Quando conversei com ela, Enilda pagava as prestações do caixão do segundo filho. O garoto ainda estava vivo, mas em absoluta impotência, essa mãe tinha certeza de que o filho morreria em breve. Diante da minha perplexidade, Enilda me explicou que se precavia porque testemunhava muitas mães nas redondezas pedindo esmola para enterrar os filhos – e ela não queria essa humilhação. Enilda dizia: “Meu filho vai morrer honestamente”.

Nunca alcancei essa dor, que era não apenas de enterrar um filho, mas também de comprar caixão para filho vivo, o único ato de potência de uma mulher que perdera tudo. Enilda vivia numa situação de precariedade quase absoluta, tentando trancar nas peças apertadas da casa os filhos que restavam, num calor infernal, para que não fossem às ruas e se viciassem em crack. É claro que perdia todas as suas batalhas. A certeza de ser honesta era, para ela, toda a sanidade possível. (leia aqui).
O que podemos dizer a mulheres como Enilda? Que agora podem ficar tranquilas porque o país voltou a discutir a redução da maioridade penal e o aumento do período de internação? Que é por falta de cadeia logo cedo que seus filhos vendiam e consumiam drogas, roubavam e foram assassinados? Que, ao saber que podem ir presos aos 16 em vez dos 18 anos, seus filhos ainda vivos aceitarão as péssimas condições de vida e levarão uma existência em que não trafiquem, roubem nem sejam mortos? Que é disso que se trata? Quando o primeiro filho de Enilda foi executado, ele tinha 20 anos – e já tinha passado por instituições para adolescentes e pela prisão.

Antes de tornar-se algoz, a maioria das crianças e adolescentes que infringiram a lei foi vítima. E ninguém responde por isso.

Não há educação sem responsabilização. É por compreender isso que o ECA prevê medidas socioeducativas. Mas, quando a solução apresentada é aumentar o rigor da lei – e/ou reduzir a maioridade penal –, pretende-se dar a impressão à sociedade que os adolescentes não são responsabilizados ao cometer um crime. Essa, me parece, é a falsa questão, que só empurra o problema para a frente. A questão, de fato, é que nem o Estado, nem a sociedade, se responsabilizam o suficiente pela nova geração de brasileiros.

Educa-se também pelo exemplo. Neste caso, governantes e parlamentares poderiam demonstrar que têm maioridade moral cumprindo e fazendo cumprir a lei cujo rigor (alguns) querem aumentar 
Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O avesso da lenda(Artes e Ofícios), A vida que ninguém vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O olho da rua - uma repórter em busca da literatura da vida real (Globo).


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