O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, foi indicado para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira (6/2). Nome do PSDB e integrante do núcleo principal do governo Michel Temer, ele tem uma carreira longa na administração pública.
Dado como certo no STF, Moraes já se manifestou sobre prerrogativa de foro, sigilo telemático e diversos outros temas em coluna que escreveu na ConJur.
Depois que saiu do Ministério Público de São Paulo, Moraes ocupou diversas secretarias, tanto no estado quanto na cidade. Em 2013, quando deixou a administração municipal da capital paulista, na gestão de Gilberto Kassab (PSD), com a eleição de Fernando Haddad (PT), o hoje ministro voltou a advogar e a dar aulas. E tornou-se colunista da ConJur.
A partir de seus textos no espaço, intitulado Justiça Comentada, é possível ter uma ideia de como ele pretende se posicionar em diversos temas de Direito Constitucional, disciplina da qual é professor na USP. A publicação da coluna se encerrou em dezembro de 2014, quando ele assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB).
Alexandre de Moraes é basicamente contra o modelo atual, em que o presidente da República é livre para indicar alguém de reputação ilibada e notável saber jurídico para sabatina e aprovação pelo Senado. Em sua tese de doutorado, Moraes defende que quem ocupa cargo de confiança no Executivo não pode ser nomeado para cargos no Judiciário, conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo.
Em sua coluna do dia 27 de junho de 2014, ele se aprofundou ainda mais no tema. Escreveu que todos os poderes devem participar da escolha, e não apenas o Executivo. Primeiro, defende um rodízio entre os três poderes. Quatro ministros seriam escolhidos pelo presidente da República, quatro pelo Congresso (dois eleitos pela Câmara e dois, pelo Senado) e três seriam escolhidos pelo Supremo, entre juízes de carreira e membros do Ministério Público.
Também defende mudanças nos requisitos. Acredita que só podem ser indicados brasileiros em pleno gozo de direitos políticos (não podem estar cumprindo pena, portanto) e deve ser especificada a exigência de “notável saber jurídico”. Moraes propõe a exigência de dez anos de experiência em atividade privativa de bacharéis em Direito, ou a qualificação de “jurista”, que seria comprovada com um doutorado.
Ele mantém a sabatina, mas acredita que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil deve se manifestar sobre “os eventuais candidatos”. E defende mandatos de, no mínimo, dez anos, sem recondução para “maior evolução e adequação sociopolítica”.
Efeitos da declaração de constitucionalidade
O ministro é contra dar efeito vinculante a decisões tomadas pelo Supremo em controle difuso de constitucionalidade – ou em julgamento de recursos sem repercussão geral reconhecida.
Para ele, o artigo 52, inciso X, da Constituição Federal impede que o Supremo faça isso por conta própria. O dispositivo diz que, em controle difuso, ou concreto, o Senado deve, se entender cabível, editar uma resolução extraindo a lei do ordenamento jurídico numa forma de se adequar à jurisprudência do STF.
Para Alexandre de Moraes, o Supremo só poderia “aplicar a transcendência” por meio da edição de uma súmula vinculante, que exige a existência de diversos precedentes e de jurisprudência consolidada, além de quórum mínimo de oito ministros.
Pouco menos de um ano depois de Moraes ter defendido sua tese, o Supremo definiu a questão. E decidiu que todas as decisões do tribunal em controle de constitucionalidade têm eficácia normativa, independentemente de terem sido tomadas em controle difuso ou em controle concentrado. Portanto, ao Senado cabe apenas “dar publicidade”.
Uso de provas ilegais
A Constituição Federal proíbe o uso de provas ilegais no processo penal, afirma Moraes, “como corolário ao devido processo legal”. Mas seu uso, continua, “não tem o condão de gerar a nulidade de todo o processo”.
“Entretanto, a consequência da ilicitude da prova é sua imediata nulidade e imprestabilidade como meio de prova, além da contaminação de todas as provas que dela derivarem”, diz.
Da mesma forma, afirma que as provas consideradas ilícitas não podem ser emprestadas a outros processos e outras investigações, “pois contaminadas com o vício insanável do desrespeito aos direitos fundamentais”.
Com isso, concorda em parte com a jurisprudência vigente do Supremo Tribunal Federal, que segue a doutrina dos frutos da árvore envenenada: se as provas são ilegais, contaminam todo o resto da investigação e são causa de nulidade do inquérito e, consequentemente, da ação penal.
Sigilo telemático e proteção de dados
Atualmente chefe da Polícia Federal, Moraes acredita que as regras de sigilo telemático devem ser as mesmas aplicáveis ao sigilo telefônico. Estão descritas na Lei 9.296/1996.
Para ele, o Estado não pode usar justificativa genérica de proteção da segurança pública, ou da ordem pública, para obter dados de e-mail e celulares sem autorização judicial.
“Apesar de a exceção constitucional (CF, artigo 5º, XI, in fine) expressamente referir‑se somente à interceptação telefônica, nada impede que nas outras espécies de inviolabilidades haja possibilidade de relativização da norma constitucional, pois não há dúvidas de que nenhuma liberdade individual é absoluta, sendo possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das correspondências, das comunicações e de dados, sempre que essas liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”, diz seu artigo.
Renovação de grampos
Moraes não defende prazo específico, mas entende serem possíveis renovações sucessivas, especialmente no combate ao crime organizado. No entanto, ele afirma que as autorizações de quebra de sigilo devem sempre ser fundamentadas e justificadas, assim como as renovações, sempre “com a menor duração possível”.
Hoje, a questão está regulamentada na Lei 9.296/1996. O texto regulamenta o inciso XII do artigo 5º da Constituição, que define a inviolabilidade das comunicações, a não ser para fins de investigação criminal ou instrução processual. E o artigo 5º da lei diz que o grampo não pode durar mais de 15 dias, renovável por igual período, uma única vez.
Alexandre prefere usar como parâmetro a decretação do Estado de Defesa, prevista no artigo 136 da Constituição. Pode ser decretado pelo presidente da República por no máximo 30 dias e renovado uma vez por igual período. Serve para a garantia da ordem pública e da paz social, mas só pode ser aplicado em áreas determinadas e restritas. Entre as medidas de exceção previstas no Estado de Defesa está o fim do sigilo das comunicações.
A possibilidade de renovações sucessivas de grampos teve a repercussão geral reconhecida pelo Supremo no Recurso Extraordinário 625.263, ainda não levado ao Plenário. Moraes roga para que o tribunal balize sua decisão em “critérios razoáveis” que impeçam tanto a banalização do grampo, transformando o sigilo em exceção constitucional, quanto a decretação da ineficiência dele.
“A correta ponderação e equilíbrio entre os valores constitucionais, de maneira a não desrespeitar a garantia constitucional de proteção ao sigilo das comunicações telefônicas, nem tampouco permitir que essa previsão se transforme em escudo protetiva da prática de atividade ilícitas somente será adequada se a cada renovação o magistrado analisar detalhadamente a presença dos requisitos e a razoabilidade da manutenção dessa medida devastadora da intimidade e privacidade, não mais se permitindo decisões meramente burocráticas, lacônicas ou repetitivas nos argumentos das renovações anteriores, sob pena de inversão dos valores constitucionais”, escreveu.
Controle de constitucionalidade de projetos de lei
Conforme escreveu em junho de 2013, a possibilidade de o controle de constitucionalidade de projetos ainda em debate pelo Congresso “deve ser excepcionalíssima”. “Ainda não existiria lei ou ato normativo passível de controle de constitucionalidade.”
O Supremo, diz, pode fazer o controle da sucessão de atos do processo legislativo para garantir aos parlamentares seus direitos de participar da “atividade legiferante”. Mas não pode haver controle de constitucionalidade do mérito de projetos, porque o Legislativo não está vinculado ao controle de constitucionalidade feito pelo STF, pois isso violaria o equilíbrio entre os poderes, conforme disse o ministro Cezar Peluso na Reclamação 2.617.
Alexandre acredita que essa vinculação deve acontecer apenas para impedir que o Congresso edite lei “derrogatória da decisão do Supremo” ou para convalidar atos declarados nulos pelo tribunal.
É um tema que está cada vez mais em voga no Supremo. Têm ficado cada vez mais frequentes os mandados de segurança ajuizados por partidos derrotados em discussões legislativas contra projetos de lei. O último foi contra a reforma na Lei Geral de Telecomunicações, já aprovada, mas que teve a sanção barrada pelo ministro Luís Roberto Barroso, a pedido de 12 senadores de cinco partidos, inclusive do PMDB.
Antes disso, o ministro Luiz Fux mandou voltar à Câmara o projeto que instituía as dez medidas do Ministério Público Federal para reformar a legislação penal. O texto havia sido aprovado pelos deputados e já estava no Senado para discussão. Para Fux, como o projeto fora de “iniciativa popular”, a Câmara não poderia fazer emendas a ele.
Partidos políticos
Moraes é a favor da criação de uma cláusula de barreira para que partidos tenham acesso ao Fundo Partidário e para que tenham direito a tempo de rádio e TV na propaganda eleitoral obrigatória. Acredita que a cláusula equilibra o jogo entre os partidos e “fortalece o sistema eleitoral”. “A distribuição dos recursos do fundo partidário e a concessão do ‘direito de arena’ a todos os partidos políticos, mesmo que proporcionalmente, mas sem a exigência de um mínimo de apoiamento dos eleitores não é razoável e representa um escárnio à democracia”, escreveu.
Segundo Moraes, a falta de uma cláusula de barreira é um incentivo à criação de legendas de aluguel e à atuação de “profissionais das eleições”, que aumentam “vertiginosamente o fosso existente entre representantes e representados, corroendo os pilares da República”.
“Nada justifica a obrigatoriedade de o contribuinte brasileiro sustentar inúmeras agremiações partidárias e seus respectivos dirigentes, por meio da distribuição dos recursos do fundo partidário a grupos sem qualquer representatividade e legitimidade, em face do diminuto número de votos obtidos nas eleições”, afirma.
“Nada justifica, também, a invasão obrigatória que os brasileiros sofrem mensalmente em suas residências por meio do acesso gratuito ao rádio e televisão desses partidos políticos que não lograram o êxito mínimo nas últimas eleições em virtude do povo ter repudiado suas ideias por meio do sufrágio universal e do voto secreto.” (
O Supremo já discutiu a questão e declarou a cláusula de barreira inconstitucional. Hoje, alguns ministros, notadamente Dias Toffoli e Gilmar Mendes, defendem uma rediscussão da matéria, por entender que a decisão do STF, aliada à permissão da troca de partido sem perda de mandato nos casos de criação de legenda, estimulou a criação de partidos.
Alexandre de Moraes concorda com os ministros. Ele acredita que, nas duas ocasiões, “o Supremo acabou afastando o absoluto e incondicional respeito à vontade do eleitor”.
O ministro da Justiça é um crítico da mudança na jurisprudência da corte. “O posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria sempre havia sido de prestigiar a opção do Congresso Nacional, desde que atendesse os princípios da igualdade e razoabilidade, fortalecendo o desempenho eleitoral passado, sem qualquer discriminação, com absoluto e irrestrito respeito ao princípio da soberania popular”, escreveu.
“A medida de representatividade de cada partido político, com a consequente divisão do direito de arena e do fundo partidário, necessita de um critério objetivo que somente pode estar pautado no resultado pretérito obtido nas urnas, ou seja, na vontade popular.”
Investigação pelo MP
Ex-promotor de Justiça e ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes defende o poder de investigação do Ministério Público. Para ele, investigar é um “poder implícito” do MP.
“Não guarda qualquer razoabilidade com o espírito da Constituição o engessamento do órgão titular da ação penal, impedindo-o de realizar, quando necessário, investigações criminais. Isso significaria diminuir a efetividade de sua atuação em defesa dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, cuja atuação autônoma, configura a confiança de respeito aos direitos, individuais e coletivos, e a certeza de submissão dos poderes à lei”, escreveu, em abril de 2013, quando o país debatia a Proposta de Emenda à Constituição 37, que dava à polícia a competência privativa de fazer investigações.
Alexandre concorda com o argumento do ministro Gilmar Mendes, que saiu vencedor no Plenário do STF: o MP pode, sim, fazer investigações criminais, desde que de maneira regulamentada, com limites expressamente previstos em lei.
“O exercício desse importante poder/dever de investigação deve ser absolutamente transparente. Isso de modo a garantir que a sociedade, e aqueles que encaminham as representações e os próprios representados, conheçam as razões da instauração daquele procedimento investigatório pelo Ministério Publico ou do arquivamento das peças encaminhadas — com a necessidade do regular controle judicial existente nas hipóteses de promoção de arquivamento de inquérito policial —, ou ainda, a requisição de instauração de inquérito pela Polícia”, escreveu.
Competência dos estados em matéria penal
Moraes acredita que a configuração constitucional da segurança pública não deve servir de motivo para que os estados fiquem em “inércia legislativa”. A Constituição diz que a competência para legislar sobre Direito Penal e Direito Processual é da União, mas cabe aos estados aplicar a lei.
Mas a Constituição, diz Moraes, garante aos estados o direito de criar leis que garantam instrumentos efetivos para o enfrentamento do crime organizado e da corrupção. “A sociedade brasileira está farta da inércia legislativa, de discussões estéreis e de vaidades corporativas. É preciso a soma inteligente de esforços institucionais para combater as organizações criminosas e a corrupção, que, lamentavelmente, atrapalham o crescimento de nosso país.”
Supervisão judicial do inquérito
O atual ministro da Justiça defende que os inquéritos policiais sejam supervisionados pelo Judiciário, numa forma de garantir a correta aplicação da lei. Em texto de setembro de 2014, Moraes repete a argumentação consagrada no acórdão do Supremo na Petição 3.825, de relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Nesse caso, o STF entendeu que o Judiciário deve conceder Habeas Corpus de ofício para fazer cessar qualquer ilegalidade vista no inquérito. Moraes vai mais além para dizer que a supervisão judicial também deve garantir o encerramento das investigações quando as provas pedidas pelo MP não constatarem indícios mínimos de autoria e materialidade. “A inércia do Ministério Público em analisar a prova produzida, mantendo indeterminadamente a investigação, sem apontamento de qualquer fato típico, estará configurando o injusto constrangimento e ausência de justa causa para manutenção do inquérito, configurando, sem qualquer dúvida, grave desrespeito aos direitos fundamentais do investigado.”
Execução penal
“O princípio da igualdade na execução da pena e a busca da ressocialização, portanto, devem ser observados como vetores de interpretação pelo Poder Judiciário, no momento de análise, tanto na aplicação das sanções disciplinares, quanto na concessão dos benefícios legais, pois a precedência hermenêutica da norma mais favorável à dignidade da pessoa humana é imprescindível, como consagrado pelo Supremo Tribunal Federal”, defendeu, em texto publicado em maio de 2014. Ele concorda com o voto do ministro Celso de Mello no Habeas Corpus 96.772.
“A firmeza disciplinar não pode ser confundida com imposição de restrições desnecessárias”, argumenta. Disse isso comentando decisão do ministro Joaquim Barbosa de negar pedidos de trabalho externo alegando não cumprimento de um sexto da pena e impedimento legal de trabalho externo em atividade privada, na Ação Penal 470, o processo do mensalão.
Prerrogativa de foro
Para Alexandre de Moraes, a prerrogativa de foro por função não é uma garantia do réu, mas uma condição que vem com o cargo. Por isso, caso alguém seja acusado de coautoria de um crime junto com alguém com prerrogativa de foro, não deve ser processado naquele mesmo tribunal.
“No âmbito de proteção aos Direitos Humanos, o princípio hermenêutico básico é a aplicação da norma mais favorável à pessoa humana”, afirma, elogiando tese do ministro Celso de Mello firmada no HC 96.772, julgado pela 2ª Turma do STF em 2009.
Com isso, concordou com a decisão do Supremo de que o desmembramento deve ser a regra nos casos de ações penais originárias no tribunal. A decisão foi tomada logo depois do fim da Ação Penal 470, o processo do mensalão, quando o STF parou por seis meses para julgar um único caso com 37 réus, apenas três deles com prerrogativa na corte.
* Texto alterado às 20h21 do dia 6/2/2017 para correção e atualização.