"O Globo" - 21/11/12
O fato de Israel e o Hamas estarem em guerra novamente não deveria surpreender ninguém. O discurso de incitação ao ódio do Hamas silenciou os moderados palestinos e aumentou dramaticamente as chances de guerra. Em 2007, o Hamas tomou o poder na Faixa de Gaza, impôs uma ditadura brutal e reprimiu sistematicamente a liberdade de expressão.
Enquanto isso, o Hamas passou a pregar o genocídio de americanos e judeus.No último dia 10 de agosto, o vice-presidente do Parlamento de Gaza, Ahmad Bahr, instou: “Deus, destrua os judeus e seus apoiadores. Destrua os americanos e seus apoiadores. Deus, mate todos, sem deixar um só”.
Yussuf al-Sharafi, membro do Conselho Legislativo Palestino, ecoou o pedido: “Deus, pegue os judeus e seus aliados, os americanos e seus aliados, e aniquile-os completamente”. É difícil interpretar essas palavras como algo diferente de uma incitação ao genocídio.
O que toma esse incitamento particularmente perigoso é sua transmissão ao vivo na TV do Hamas para toda Gaza. Transmissões de rádio em Ruanda foram o precedente para um genocídio que custou a vida de 800 mil pessoas em 100 dias. Hoje, líderes do Hamas estão usando tecnologias mais poderosas, inclusive as redes sociais, para incitar a violência e o extremismo contra seus vizinhos. Indesculpavelmente, esse ultraje foi largamente ignorado pelas Nações Unidas e pela comunidade de direitos humanos.
Há muitas lições a serem aprendidas do Holocausto. Mas a mais importante talvez seja que quando um governo ameaça aniquilar alguém, é melhor levá-lo a sério. Antes do genocídio vem sempre a incitação ao genocídio. Foi assim em Ruanda, na Alemanha e em praticamente todos os casos de assassinatos em massa.
Há diferenças entre o Hamas e a al-Qaeda, mas a linguagem que eles usam é idêntica: ambos são racistas, defendem o genocídio, glorificam ataques suicidas e elogiam o uso de escudos humanos. Ambos silenciam a livre expressão e defendem abertamente a destruição de um Estado-membro das Nações Unidas.
Que efeitos essa linguagem extremista tem em Gaza? Democratas, liberais e moderados foram sistematicamente silenciados pelo Hamas. É o esmagamento do pensamento independente que fundamenta a ditadura em Gaza. Em maio, o Hamas fechou um festival literário por ser muito crítico; em janeiro, baniu um programa de calouros por ser muito secular. Em outubro, pôs fim a uma festa de "hip hop" e confiscou gravações do evento. Em 2011, baniu um filme que mostrava interações entre homens e mulheres sem véu; em 2010, fechou um centro de juventude porque ele ensinava música e dança.
Ao mesmo tempo, o Hamas encheu as ondas de rádio e TV e escolas de Gaza com a retórica mais incendiária possível. As crianças aprendem uma mistura de ódio e teoria da conspiração. Líderes como o primeiro-ministro Ismail Haniyeh orgulhosamente declaram que “a morte em nome de Deus é o nosso desejo mais supremo”.
O vice-presidente do Parlamento diz que “quando um homem está fazendo sexo com sua mulher, ele deveria estar rezando por um filho que se lançará à ´Jihad´ em nome Deus”. Como as crianças de Gaza podem aprender a preferir a vida à morte quando seus líderes ensinam o contrário?
A democracia em Gaza não tem como prosperar sob essas condições. A linguagem é tanto um reflexo da sociedade quanto uma profecia autorrealizável. A guerra retórica do Hamas estrangula qualquer esperança de transição democrática.
A tolerância não floresce no vácuo. Ela deve ser cultivada nas famílias, nas escolas, na imprensa e na linguagem do dia a dia. Em sociedades abertas como os EUA e Israel, o discurso radical é confrontado por uma vibrante imprensa livre que responsabiliza e castiga os líderes políticos por sua escolha de palavras.
Em sociedades fechadas como Gaza, o discurso de ódio pode reinar supremo. O grande dissidente tcheco Vaclav Havei afirmava que “sem paz interna, isso é, paz entre os cidadãos e o Estado, não pode haver garantia de paz externa”. Há alguma surpresa que o Hamas esteja em guerra com seu inimigo histórico quando, anteriormente, já estava em guerra com seus próprios cidadãos?
Policy.
by David Keyes, diretor da ONG Advancing Human Rights.
Publicado originalmente na Foreign Policy.
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