25 anos da Lei de Execuções Penais,
das mais descumpridas
por Marlusse Pestana Daher
Em 11 de julho de 1984, era promulgada a Lei 7.210 que estabelece diretrizes precisas no sentido de se proceder a execução da pena imposta, mediante sentença judicial, em desfavor de quem tiver cometido crime. É uma boa lei, bem estruturada e abrangente. Não se pode dizer que seja eficaz, porque seus fins não veem sendo alcançados. Mesmo os acenos de boa vontade se teem revelado inócuos, porque o a ação correspondente que tem que ser radical, não é.
Não é preciso lê-la por inteiro para admitir que se trata de um texto bem pensado e posto para dar resultados. Diz o “art 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
Pena sem reintegração é falácia, é perda de tempo, é cometimento de novo crime, para o qual não se tem olhado com olhos suficienemente abertos.
A afirmação se robustece com o disposto no art. 3º “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. E seu parágrafo único. “Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”.
Não cumprir o sobredito é violação hedionda aos direitos humanos inerentes a toda pessoa que desde o nascimento tem reservado um lugar único e só seu na sociedade, direito à convivência familiar e comunitária, à educação, ao desenvolvimento.
E não é faculdade mas “dever do Estado recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”, conforme art 4º. Corresponde ao art. 80 que determina que em “cada Comarca, haja um Conselho da Comunidade” e que o art 81, por sua vez, diz do que é incumbido: “I - visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca; II - entrevistar presos; III - apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho penitenciário; IV - diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento”.
Inexiste e tudo virou um caos.
Não podia ser dito, mas diz-se como o fez o Coronel Chico Heráclito: “a lei é como uma cerca. Se é forte, a gente passa por baixo. Quando é fraca, a gente passa por cima”. [1] Antes, as leis são feitas para serem respeitadas. É verdade que não se trata de segui-las cegamente, sua interpretação é sempre imprescindível e a aplicação segundo o fato e as respectivas repercussões que tem. Mas esquecê-las ou fazer de conta que não existem, ai se perde e com ela seus destinatários, porque ninguém ganha com a omissão.
Ao longo dos seus vinte cinco anos, a LEP foi modificada por outras oito leis que a foram aperfeiçoando textualmente. A nona modificação vem da Lei 11.942 de 28 de maio do corrente ano, que assegura em acréscimo ao art. 1º pelo novo § 3o “Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.”
E não fica por ai o § 2o do art. 83 e o art. 89 passam a vigorar com a seguinte redação:
§ 2o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade.”
Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.
Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo:
I – atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e
II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável.” (NR)
Art. 3o Para o cumprimento do que dispõe esta Lei, deverão ser observadas as normas de finanças públicas aplicáveis.
Francamente, por que se há de ter que dar constante razão ao implacável poeta florentino que sentenceiou “as leis existem, mas não se lança mão delas”.!
Testemunhamos as angústias de quem está do lado de fora em espera tantas vezes frustrada de assistência médica, as que estão presas vão ter tudo isto?
Eis ai uma guerra que promete ser terrível, mas temos que ir à luta para que que as presas tenham reconhecidos os direitos não atingidos pela pena. O da previsão dessa lei se inclui nesse rol.
Quem sabe que este ano para ela jubilar represente a chegada de um novo tempo. Espera-se.
Nota
[1] Do livro Frases Jurídicas.
Revista Jus Vigilantibus, 2009
Comentários
Marlusse, também sou Promotora de Justiça (Ministério Público do Estado do Ceará) e trabalhei no crime por 17 anos. Sempre achei a LEP uma ótima lei, mas completamente desrespeitada, como quase todas as outras em nosso país. Sua inaplicabilidade é flagrante, quando examinada, por exemplo, em cotejo com a vergonhosa situação das cadeias públicas, sobretudo as do interior do Estado (refiro-me ao Ceará, porque não conheço, de perto, as dos demais), onde os presos, desocupados e doentes, vivem em situação de extrema miséria e desamparo, em recintos que mais parecem porcilgas, de tão imundos. E não adianta clamar pelo cumprimento da lei, não, porque as autoridades competentes fazem ouvidos moucos. Esta dúvida que você lançou no final de seu artigo sobre a possibilidade de não virem a ser implementadas estas melhorias para as mães-presas e seus respectivos filhos tem tudo a ver, pois é o mais provável dentro deste contexto de omissões, que, infelizmente, parece não ter fim.
– CLÉRIA MARIA SALDANHA MAIA,