sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O alienígena no meio de nós




O ator Robin Williams lutou contra a depressão por anos. Seu suicídio é um ato de corajoso desespero, que faz deste planeta um lugar mais vazio

ANDREW SOLOMON

LUTA SOLITÁRIA  Robin Williams  num retrato  de 2014. Seu suicídio comoveu o mundo (Foto: Peter Hapak/Trunk Archive)
A cada 40 segundos, alguém comete suicídio. Nos Estados Unidos, é a décima maior causa de morte em pessoas com mais de 10 anos de idade, muito mais comum que morte por homicídio, aneurisma ou HIV. Cerca de meio milhão de americanos são levados a hospitais a cada ano em decorrência de tentativas de suicídio. Uma em cada cinco pessoas com depressão profunda tentará o suicídio; ocorrem aproximadamente 16 tentativas para cada suicídio cometido. A taxa de suicídio está aumentando, especialmente entre homens de meia-idade. Essas estatísticas são repisadas incessantemente, mas resistem ao peso da repetição. O suicídio pode ser uma solução permanente para um problema temporário, mas atrai com alarmante sedução.
Idolatramos Robin Williams pelo brilho intenso de suas performances; em sua melhor forma, ele foi não só hilário, mas também extremamente cativante. Pouquíssimas pessoas têm esse tipo de energia contagiante sem pender para o outro lado de vez em quando. Frequentemente, parece que todos recaímos numa média neutra, enquanto os mais exuberantes têm mais chance de equilibrar vida e desespero, proporcionalmente. Nem sempre: algumas pessoas são Bill Clinton. Mas não muitas. Robin Williams não fazia segredo sobre seu problema emocional. Em 2010, num perfil para o jornal britânico The Guardian, Decca Aitkenhead escreveu: “Seu comportamento é intensamente zen e quase triste e, quando não imposta a voz, ele fala baixo, como um trêmulo barítono – como se estivesse quase chorando –, o que funcionaria muito bem se estivesse fazendo um discurso fúnebre. Ele parece gentil e amável – e até mesmo afetuoso –, mas a impressão mais forte é de tristeza”. Ela perguntou a Williams se ele estava ficando mais feliz, e ele disse: “Acho que sim. Não tenho medo de ser infeliz. Tudo bem também. Você pode estar como se tudo estivesse bem. Isso é o que importa, isso é o presente”. Aitkenhead interpretou isso como sentimental. Em retrospecto, mostrava alguém que luta contra seu medo e sua própria dor, alguém que estava com medo, talvez porque compreendia o potencial que aquela infelicidade tinha para englobar todo o resto.
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Quando os veículos de comunicação de massa noticiam casos de suicídio, quase sempre buscam uma “razão” que parece trazer lógica para a ilógica da autoexterminação. Casos de suicídio de celebridades são particularmente propensos a alguma forma de racionalização, porque a ideia de que alguém poderia sentir-se miserável apesar da fama mundial parece sem sentido. Por que alguém que tem tanto daquilo que o resto dos mortais deseja decide acabar com sua vida mesmo assim? Como há sempre coisas erradas em toda vida, a todo momento, a indústria da explicação nos diz que aquela pessoa teve um casamento infeliz, era deprimida, ou acabara de passar por um grande problema na carreira, ou estava sob a influência de alguma seita. Robin Williams não parece ter tido nenhum desses problemas. Sim, ele lutou contra a dependência química, mas estava sóbrio havia um bom tempo. Estava em seu terceiro casamento, mas parecia uma união feliz. Teve filhos que pareciam bem-sucedidos, e parecia bem próximo deles. O último seriado de TV em que atuou foi cancelado poucos meses atrás, mas sua reputação como um dos grandes artistas de nosso tempo estava impecável. Então, teve poucas “razões” para cometer suicídio – como, na verdade, a maioria das pessoas que comete suicídio tem poucas razões além de depressão (unipolar ou bipolar), que está na raiz da maioria dos suicídios.
 
Robin Williams no colégio, onde sofreu perseguições dos colegas por ser gordo (Foto: AKM-GSI Brasil)

Ao lado da primeira mulher, Valerie Velardi, em 1981  (Foto: Ron Galella)

Um jantar beneficente com o ator Christopher Reeve, um de seus melhores amigos (Foto: Ron Galella)

Sua segunda mulher, Marsha Garces, em 1994  (Foto: Bauer-Griffin)

A filha Zelda, nascida em 1989, na última foto publicada por Williams no Instagram (Foto: Reprodução)

O Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Gênio indomável (1997)  (Foto: REED SAXON)

A terceira mulher, Susan Schneider, e o primeiro filho, Zachary Pim  (Foto: Kevin Mazur)

Cody Alan, o caçula do segundo casamento (Foto: Scott Wintrow)

Uma das últimas fotos dele, tirada em julho  (Foto: Reprodução)

O suicídio também não é uma manifestação de “egoísmo” ou “covardia”, como os donos da verdade sempre argumentam. Suicídio não é um comportamento casual. Apesar de toda impulsividade que envolve, ele é também um passo profundo e transcendental para  o qual muitos não têm coragem. De um lado, o suicídio de jovens é obviamente mais trágico que o suicídio de mais velhos; jovens têm mais vida pela frente, mais chance de superar adversidades. De outro lado, o suicídio de pessoas de meia-idade é especialmente catastrófico, a capitulação de alguém que lutou por décadas. Implica o reconhecimento de que, se as coisas não melhoraram até agora, não melhorarão. O suicídio de Robin Williams não é um ato de autoindulgência de alguém sem a força suficiente para lutar contra seus próprios demônios. É, na verdade, um ato de corajoso desespero, cometido por alguém que reconhecia que uma luta como essa nunca poderia ser vencida.
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A depressão é um fator de risco para doenças do coração, e cirurgia cardíaca é um fator de risco para a depressão. Será difícil saber que papel a cirurgia cardíaca de Williams pode ter desempenhado em sua angústia crescente. O álcool é tranquilizante, ameniza alguns sentimentos negativos. É por isso que usam e abusam dele. Mas também pode ativar o botão do desespero. Ainda não se sabe se Williams ingerira bebidas alcoólicas momentos antes da tentativa de suicídio, mas ele tivera uma passagem recente pelo centro de tratamento Hazelden, aonde foi com o objetivo de “manter” sua sobriedade. Se jogamos o jogo de busca por “razões”, essas são algumas das que se oferecem.

As mesmas qualidades que levam alguém ao esplendor podem levá-lo ao suicídio. Pessoas muito bem-sucedidas tendem a ser perfeccionistas, constantemente buscam atingir padrões impossíveis. Celebridades tendem a ser ávidas por amor, a se alimentar da adoração de seus fãs. Nenhum perfeccionista jamais atingiu seus próprios padrões, e ninguém tão faminto por admiração jamais recebeu o suficiente. Aquela energia irrestrita que Williams trouxe para quase todo papel tem uma urgência de busca, como se perseguisse alguma verdade ainda sem nome. Ele nunca demonstrou o narcisismo indiferente como muitos atores, mas seu trabalho dependia da interação entre a extroversão desenfreada e o autoconhecimento sutil. Ele atuava como um alienígena tão bem porque era um alienígena em sua própria mente, permanentemente tentando escutar cada um de nós. Suicídio é um crime de solidão, e quem é adulado pode ser assustadoramente sozinho. Inteligência não ajuda nessas circunstâncias. A genialidade é quase sempre profundamente isoladora.

Todo suicídio merece luto, mas a morte de uma figura como Robin Williams traz impactos maiores do que a maioria. Envolve a verdadeira e dolorosa perda de alguém que muitos amaram. O desaparecimento de seu contagiante entusiasmo faz deste planeta um lugar mais vazio. Além do mais, uma vez que suicídio é contagioso, outros provavelmente já tentam imitá-lo, sob o raciocínio de que, se nem Robin Williams pode fazer as coisas funcionar, eles também não poderão. Movimentos desse tipo ocorreram após o suicídio de celebridades. No período após Marilyn Monroe tirar sua vida, a taxa de suicídio nos Estados Unidos subiu 12%. Por fim, o suicídio de Williams demonstra que nenhum de nós está imune. Se você pode ser Robin Williams e ainda assim querer se matar, então todos estamos propensos a essa vulnerabilidade aterrorizante. A maioria imagina uma vida em que problemas específicos podem ser resolvidos, permitindo que as coisas melhorem. Se a gente tivesse mais dinheiro, ou amor, ou sucesso, então a vida seria controlável. Pode ser devastador perceber a falsidade de tal otimismo. Uma grande esperança é destruída cada vez que algum Richard Cory ou Robin Williams nos faz lembrar que felicidade não pode ser presumida ou ganha, que todos somos prisioneiros de nossos próprios cérebros defeituosos e que a última solidão em cada um de nós é completamente inviolável. 
O escritor americano Andrew Solomon, de 50 anos, é autor de O demônio do meio-dia (2001),
um livro de memórias sobre sua experiência com a depressão, publicado no Brasil pela Companhia das Letras

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